segunda-feira, 17 de setembro de 2018

Uma aquariana bipolar



Chegamos os três na boate, meus dois amigos pareciam os Três Porquinhos e eu estava pra Lobo Mau. Logo avistei, numa banquinho junto ao balcão, aquele cabelo e aquela pele morena. Várias gatinhas de minissaia, corpos na feira, e ela numa saia discreta. Nossas mãos se tocaram e um arrepio me percorreu, Meu Deus, encontrei minha alma gêmea. Alcancei-lhe dez reais e disse Escolha as músicas que você gosta e ela foi direto em Raul e Legião Urbana e começou a dançar e quando sentou abriu seu coração e eu escutei durante horas. Ergueu a saia e mostrou a tatuagem na coxa direita, uma Fênix que ia da virilha até perto do joelho e acho que isso foi a gota d’água. Cinco horas da manhã a conta disparou e o Beiço sabia que eu andava duro e então ele passou o cartão.
No carro, Dr. Biza anunciou que não podia voltar para casa, disse à sua companheira que havia viajado. Eles comentaram sobre o belo clima que experimentei com Lili e de imediato me disseram Seu frouxo, como você deixa escapar a oportunidade de fazer um sexo gostoso? Afinal, não é todo dia que o céu nos presenteia com tamanha química. Em vez de nos deixar em casa, Dr. Biza disse que iriamos atrás de uma garrafa d’água e de uns copos descartáveis. Nos dirigimos até um posto de combustíveis, um dos poucos que ainda estava aberto naquela hora. Diluiu dois sachês do Pó do amor nos três copos, brindamos a Eros e voltamos pra boate. Em minutos meu sexo acordou, depois de um tempo hibernando, e queria mostrar suas qualidades, mas já eram seis e pouco e ela precisava voltar pra casa e levar a filhinha ao colégio. O Pó do amor deixou meu voluntarioso endiabrado, ele latejava e protestava, queria libertar-se da cueca e então, horas depois, eu não parei de mandar mensagens apaixonadas e ela só rindo, rindo e curtindo.
No sábado ela veio à minha casa. Estava sóbrio e, por isso, temia me decepcionar, ela poderia não ser tudo aquilo. Assim que desceu do táxi, o cabelão e o salto alto me deixaram babando. Era tudo aquilo e muito mais. Yes, dessa vez não fui enganado pelo puto do Dioniso. Trazia na mão uma garrafa de vinho importado, dos bons, e falou o tempo todo com aquele vocabulário sofisticado e aqueles dentes e boca lindos e o seu cabelo me atraía feito imã. Meus olhos se iluminaram mais e mais. Pode ter sido pelo cabelo ou pelo timbre de sua voz ou aquela boca perfeita ou o lábio inferior generoso ou foi seu gosto musical ou seu vocabulário rico em expressões, quase sempre ausentes em garotas da noite.
Pediu que não a visse como prostituta, ela não era, ela estava, e eu disse Sim e então ela descreveu dúzias de traumas adolescentes e o custo que pagou por ser a negra mais linda entre primas e amigas e tias e outras garotas. Detalhes do estupro que sofreu de um tio, aos quinze anos, umedeceram meus olhos e me levaram a sugar várias latas de cerveja. Mamãe e titias, todas mulheres da noite, e eu pensei no destino e, que merda, parece que tudo se repete, e falou da personalidade explosiva e de tantos empregos que jogou fora. Cenas detalhadas de como chegava aos orgasmos e aí eu cada vez mais sacava que não ia rolar sexo naquela noite. Ela foi pela terceira vez no banheiro e disse que não iria trabalhar na boate porque estava meio alta, fez questão de mostrar todo o seu repertório, mesmo com vinte e poucos anos. Montada naquele corpão, veio com tudo e enroscou a língua úmida e quente na minha e pressionou seu sexo no meu e eu sussurrei Vou te lamber todinha, excitadíssima ela implorou Vamos, vamos pro quarto... Lambi e lambi e ela ergueu a voz Me beija, Cadelão escroto, me beija, daí veio por cima e quis me escravizar, rápido assumi o controle e passei a fazer uns movimentos vigorosos naquela posição que me torna o dono do mundo e murmurei Quem é o pai? Quem é o pai? Logo seus gemidos aumentaram e eu saquei que ela gostou das técnicas que aprendi ao colocar em prática manuais da vida longa que tive. Tudo rolou, rolou e foi bom. Cadelão estava fora de forma, mas é como andar de bicicleta, Cadelão não desaprendeu.
Dias depois emprestei-lhe uma grana pra fazer mercado e farmácia e na quinta-feira baixou um temporal que inundou seu barraco, sua cama estava sem os pés e ficou inutilizada e então consultei uns amigos pra ver quem poderia fazer uma doação.
De novo aquele medo de me apaixonar e assumir uma garota jovem, mãe de uma criança. É que ela é uma aquariana muito louca, uma bipolar, que intercala bom humor com gestos e sentimentos expansivos e ausência no mundo, como quem passa da bebedeira pra sobriedade ou do torpor do pó cheirado e curtido pra realidade deprimente do horas depois que aquilo passa. O pior é que ela quis me enquadrar. Sim, o maior motivo pra me afastar ocorreu depois que ela insistiu pra que eu frequentasse com ela, todos os domingos, a Igreja Evangélica Abominação À Vida Torta.

(B. B. Palermo)

sábado, 15 de setembro de 2018

Bárbara, meu amor



Bárbara, meu amor, eu não me importo que você goste de música sertaneja, nem me importo que você devore, num apetite absurdo, os lanches de mamãe.
Quando você vem do trabalho, quando você desce do carro, quando você atravessa a rua e vem pra mim, dispara meu coração. Mas você não vem pra mim, você vai pro fundo do bar e dá Oi, Benção mamãe, benção papai.
Eu peço outra cerveja, caneta e papel humilhados, apenas meus olhos se alegram.
Bárbara, você dá Oi, tudo bem?, como se quisesse me respeitar, mas sei que você vive me zoando.
Você anda distraída pelo bar. O canto do teu olho me observa... Não, não, não, isso é fruto da minha imaginação.
Você é sereia demais na praia que curto. Teu abraço é aeroporto pra Jumbo, e eu não passo de um vacilão.
Bárbara, posso te ensinar de tudo. Esportes, estética, filosofia e economia, mas não inflaciones meu coração.
Meu amor, eu não me importo que você não me queira. Eu só preciso te ver pra saber que você está bem.

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Saco de pancadas



Preso a labirintos surreais, estou embriagado de ilusões.
Uma parte de mim é estatística, outra parte é mitologia.
Não me conformo, pois sinto nos ossos que a estatística, raio-x, atravessa meus órgãos feito ultrassom.
Algo resiste, não quantificável, um sensível bebedor.
As pesquisas conhecem uma fatia de mim, o rosto da vitrine, outdoors nas esquinas.
Os números me chamam pra dançar, mas os ritmos estonteiam. Dá vontade de vomitar.
No embalo da dança, socos bem direcionados me embretam, jabs de esquerda e de direita entram direto, golpes na linha da cintura e supercílios e rins mutilados.
Lutador vencido, aqui estou, saco de pancadas, jogado aos leões.

(B. B. Palermo)

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Animalzinho assustado



Arredio, lembro que olhava para todos os lados, mas não sabia pra onde ir. Um animalzinho cercado por predadores. De sua aldeia distante, meu corpo berrava, enviava sinais, cãibras nas pernas, dedos trêmulos, suores noturnos, dores de barriga inexplicáveis, coração disparado.
Com o passar do tempo domei medos e deveres. Me afastei do mundo para sobreviver.
Também fui ovelha seguindo ordens, mas aos poucos recusei convites para ser um líder. 
Nas urnas periódicas simpatizo cada vez mais com teclas de brancos e nulos.
Quando crescer saberei o que fazer.

(B. B. Palermo)

domingo, 9 de setembro de 2018

Meus lugares comuns



“Sinto muito, anjo, a perda do teu pet. Mas a vida é feita de perdas e ganhos”. Escrevi-lhe esta mensagem porque sei que ela se diverte com meus lugares comuns.


(Teco, o poeta sonhador)

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Vai com tudo, James Bond

Não tenhas medo da paixão. Enfrente essas garotas, James Bond.

Tua Sharon Stone te aguarda, num silêncio carinhoso, pra te libertar das fantasias impublicáveis.
Como podes ter medo, se fazes repetidos planos, da vigília da noite ao frescor da manhã?
Pise fundo nas façanhas sentimentais, lubrifica teu coração.
Dizem que o amor vive da falta e da procura, mas sossega quando faz o bem.
Inspira-te nos santos, já que acreditas que devemos mudar o mundo.
Amigo, queres ter muito dinheiro, pagar pelos amores, pra descartá-los depois.
Tens medo do quê?
Pergunte à mamãe, pergunte ao Édipo, pergunte à terapeuta – aquela ninfeta!
Eu sei que ela sempre vai responder:
- É um mistério, é um mistério...

(Teco, o poeta sonhador)

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Olhar assustado


(Poema Abertura, de Arnaldo Antunes)

Leio poemas de Cacaso. Um susto: batem à porta. Uma criança pede algo para comer. A geladeira, quase vazia, guarda uma maça. Entrego-lhe assustado, protegido atrás da porta entreaberta.
- Só isso? 
Espio Cacaso sobre a mesa. Ele me devolve um olhar assombrado. Também de violência e miséria vive nosso país.
(Poema de Cacaso)

(Teco, o poeta sonhador)

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Capitu


Um olhar de gata lambida apontou-me a trilha,
mas não me deu pilhas e lanterna, 
apenas quilômetros de subida.
- Tudo você pode, basta me seguir.
Olhei-a no fundo dos olhos, como quem espreme uma laranja,
seu olhar dissimulado me piscou, e o que me veio na hora, foi:
- Grande mentirosa.
Com ar de promessa, ela sussurrou:
- Você é o Superman, eu sou a Jane.
Algo ela disse que sempre evapora,
como dinheiro no bolso e paixões explosivas.
Seja você mesmo – ela disse.
Não se pareça com moleques samocos,
que têm na cabeça um coco sem água.
Não carregue mágoas – ela disse.
Olhou-me, eu guardava remelas no nariz.
- Você é ator, eu sou a atriz.
Você é o cara – ela disse. Venha comigo, não seja cínico – ela disse.
Fitei-a com olhos de paixão voraz, e ela simplesmente desviou o olhar.
Não sou muleta. Não tenho colo. Não há promessas. Não sou mamãe – ela disse.
Ela não quer saber de fantasias.
Nu, pés descalços, retornarei ao lar.
O amor me chama noutro lugar.
O silêncio tudo me dirá.
Silêncio frio e molhando
judiando meu rosto
como esse inverno de agosto.

(Teco, o poeta sonhador)

Ele já estava lá

  As pessoas por perto pareciam murchas, daquele jeito, de ideias, uns sonâmbulos, e cansei também de trocar confidências com os cães ...