Escureceu e a neblina mordeu a jugular do A. Texas.
O horizonte me trouxe vertigens ao lembrar
do Lobo mau nas histórias dos tempos de guri.
ideia fixa nas calorias a serem queimadas.
Isso me deixou alegre e aí um mercadinho
que abriu há uma semana e pouco chamou:
- Vem, vem, Cadelão!
Cara, era top o preço das sardinhas,
bananas, maçãs e cerveja.
Troquei umas ideias com o proprietário,
dei-lhe moral e disse pra pisar fundo no empreendimento.
Apanhei um latão dum freezer.
Fiquei a par dos horários de fechamento,
fecham às oito, sem feriado, sem choro, sem Jesus.
Oba! Meia hora de caminhada e, depois, dê-lhe latão!
Na rua, só eu, Deus, a neblina e um poema
que talvez tivesse me bloqueado no zap.
Quem sabe agora, de cada gole no latão,
o planeta se torne sincero e me assopre
incríveis delírios poéticos.
Nisso, um serzinho se aproximou,
tinha na testa um fone de ouvido daqueles enormes,
o jaguara mais parecia um besouro.
Pqp!
Era meu bisavô, recém-saído de 1889, com cara
de quem não aprova sardinha em lata
nem funk pancadão.
Fez uma cara de poucos amigos.
O que o velho queria?
O volume da música estava alto, ouvia “Mérica, mérica”.
Ele tirou os fones, me encarou com aquele olhar ancestral
de quem já atravessou oceano, peste, fome e duas ou três guerras,
e perguntou, com sotaque de vinho colonial:
- Cês tão fazendo o quê com o planeta, Palermo?
Inventaram carro que anda sem cavalo, carne que não sangra,
robô que escreve poesia…
Mas continuam jogando gente no mar?
Fiquei sem resposta.
Dei um gole no latão, na esperança de que a espuma dissesse algo.
- Em 1889, eu vim buscar terra.
Agora voltei pra ver se sobrou alma.
Ele respirou fundo, olhou o céu ferrado de satélites
e completou:
- Ainda vale a pena sonhar?
Olhei a neblina.
O poema ainda bloqueado no zap.
A sardinha na sacola.
Respondi, com sinceridade bêbada:
- Só se for de olhos fechados.
(B. B. Palermo)
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