domingo, 6 de julho de 2025

Deus é mulher


Ele andava pela vida com um mantra desajeitado:
- Quem eu quero não me quer. Quem me quer mandei embora.
E as colegas, todas muito boazinhas, queriam “salvar” seu coração de mofo.
Diziam:
- Tu precisa de uma namorada! Já pensou nos aplicativos? Dá pra filtrar por signo, tipo sanguíneo e tolerância à lactose!

Ele ria, agradecia e fugia pela tangente.
Não queria amor sob encomenda, com prazo de entrega e embalagem de papel craft.
Desconfiava do bom gosto das amigas-cupido.
Preferia um amor com cheiro de feira de domingo, olhos de tempestade e alma de segunda edição esgotada.
Algo entre Madame Bovary e novela das seis - com menos tragédia e mais beijo molhado na chuva.

A pressão aumentava.
Uma colega beirando os sessenta lançou um míssil emocional:
- Ei! Tu não é mais guri! Vai acabar sozinho, mijando num pinico de asilo e comendo bolacha água e sal!
Outra veio com uma solução “biológica”:
- Conheço uma prima do genro da minha vizinha. Ela planta morangos orgânicos! Imagina as geleias!

Com esses conselhos zum-bi-zan-do na cabeça, foi parar no sebo da feira do livro.
Tava louco por algo raro, uma frase que o abduzisse.
Mas não.
Era só autoajuda e religião. Um apocalipse de clichês encadernados.
Leu umas contracapas:
- Como ser irresistível sem sair do sofá.
- Emagreça com Buda em 12 passos e uma esteira ergométrica.
- O Segredo do Sucesso: sorria para o universo (mas pague os boletos).

Quase teve um derrame emocional.
Sentiu-se em-pa-ra-fu-sa-do.
Como confiar nos conselhos das amigas, se até os livros pareciam vendidos em lotes com garantia de decepção?

Clichês o deixavam com urticária.
- Tenha uma vida em grande estilo!

-  Fuja da raia!

- Seja um divisor de águas!
Ele queria ser um multiplicador de suspiros! Um provador de silêncios cúmplices!

Chegou a uma conclusão heroica:
pra amar de verdade, é preciso teimosia.
É preciso acreditar no “lugar nenhum”, com potencial de virar “lugar inesquecível”.

Enquanto não encontra o amor que ninguém lhe ofereceu, trata todas as gurias como se fossem a princesa que fugiu do castelo só pra rir com ele.

É gentil, cavalheiro e meio desajeitado com os próprios sentimentos.
Mas uma coisa ele sabe:
Deus é mulher.
E tem cheiro de café passado, gargalhada à toa e abraço que nem Wi-Fi pega.

 

(B. B. Palermo)


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