Agulha no palheiro
é lugar comum,
Agulha no palheiro
é lugar comum,
Capricha, Cadelão.
Você não tem idade,
beleza
e grana
pra seduzir essas garotas.
Não ofereces uma vida interessante
com muita adrenalina
atrações perigosas
como a do traficante
e do cafetão.
Só resta a arte
e alguns anos de vida
pra sonhar com a presença
ausente
de um amor.
Mas não deves desistir.
Parece que não estás
à beira da morte.
Corra, plante uma árvore,
publica ao menos um livro.
A salvação está em se distrair
dessa procura por um sentido
ao que não tem sentido
algum.
Viva das estações,
viva de renascimentos
e de alguns porres memoráveis,
desde que não percas o rumo de casa,
desde que não esqueças onde
deixou os óculos
e onde perdeu
as chaves.
(B. B. Palermo)
Não
ignore as oportunidades
de
se envolver com amores loucos.
Abra
portas e janelas
para
o imprevisível.
Fuja
da rotina e das leis e ordens
das
balzaquianas esperançosas.
Você
é um rebelde,
um
viajante incompreendido
da
subliteratura,
você
jamais cultivará chás,
hortaliças
e temperos verdes
na
sacada de um apartamento.
Deixa
de ser cagão, garoto,
em
vez de ficar aí sonhando,
mergulhe
no inesperado,
amanhã
tudo é possível,
poderás
não mais acordar,
poderás
ser encontrado
com
a boca cheia de formigas.
Nada
de planos ousados
e
sonhos geminianos.
Vai,
atualize teu currículo
de
cachorro louco.
(B.
B. Palermo)
O
que será de nós depois de sermos humilhados
por
repetidas derrotas?
O
que será de nós depois de ganharmos
todos
os títulos?
O
que será de nós depois que tivermos em casa
uma
biblioteca com milhares de livros?
O
que será de nós depois de varrermos da terra
todos
os machistas
homofóbicos
e
racistas?
O
que será de nós depois que expurgarmos
todos
os comunistas?
O
que será de nós depois que incinerarmos
todas
as ideias liberais
cristãs
islâmicas
espíritas
budistas
etc.
etc.
etc?
O
que será de nós depois de vencermos
a
gonorreia
sífilis
HIV
Covid
e tantos outros vírus?
O
que será de nós depois que chegarmos à maturidade
e
independência financeira e darmos de cara
com
o câncer?
O
que será de nós depois da overdose e do porre
e
do coração disparando?
O
que será de nós?
QUALQUER
COISA...
QUALQUER
COISA...
QUALQUER
COISA...
dizia
o ronco do motor do velho ônibus
aguardando
a sinal abrir.
(B.
B. Palermo)
Você
está sozinho, Cadelão.
Os
caras têm suas ciências
suas
pseudociências
seu
senso
comum
seus
negócios acima de tudo
seu
jeito estranho de subir na vida
sua
religião.
Discursos
atraentes
falam
sobre o mistério
o
sobrenatural
e
demonizam gente
e
ideologias.
Os
caras há muito descobriram
o
que mata a fome dos rebanhos
o
que torna os rebanhos
fiéis.
Você
está sozinho, Cadelão.
Por
incrível que pareça,
esta
é a melhor
notícia
do
dia.
(B.
B. Palermo)
Uma chuva de pedras
derretendo meu cérebro
litros de gasolina
psicótica
incendiando
meu tribunal.
Apesar de tudo eu tenho algo
que me conforta:
couves
alfaces
pimentas
e gatos alienígenas
tomando posse do meu quintal.
Eu tenho um tanto
que me conforta:
cerveja menos inflacionada
do que carne
arroz
e feijão.
Devoro banana
mamão
e aveia em flocos
no café da manhã.
Tudo seria mais ou menos perfeito
e me encharcaria de alegria
se levantasse da cama
antes do meio dia.
(B. B. Palermo)
Quem disse que para viver
eu preciso de livros
poesia
nostalgia
memória
história
internet
eletrônicos
seguro de imóveis
e carros
e planos de saúde
e tals??
O outdoor da esquina
anuncia a promoção do big mercado:
ossinho de porco a 5.99.
A proteína está na mão
basta criatividade
temperos
feijão
e vamos que vamos,
peito pra fora
barriga pra dentro
e cabeça erguida.
Danem-se os viciados em carne de primeira.
Vamos ser fortes
e encarar os nossos tempos.
Se não houver gás
carros
energia elétrica
e outras necessidades modernas
nos viramos bem porque aprendemos a viver
no limite.
Embora a aflição roendo o osso atrás da pouca carne,
boto fé que nem tudo é osso duro de roer,
se um dia é crise,
noutro dia pode não ser,
o negócio é encarar o ossinho
do porco
sem antes resistir,
a miséria nem sempre vai prevalecer.
Por ora, o sinal está fechado pra nós.
Viver é melhor que sonhar.
(B. B. Palermo/Carleone)
"pra não fugir da dor
nem da drogaria
um amor comprimido
sem anestesia"
(Carlos Silveira)
ela é um tornado
tempestade
de verão
e furacão
foi prostituta
faxineira
frentista
cozinheira
e lixeira
cuida tanto do seu filho de 6 anos
que até se atrapalha
diz que foi garçonete aos 18
servindo de mesa em mesa
o seu amor
ela ainda não sabe tudo o que foi
e tudo o que será
só quer estar com seus amigos
compartilhar o sexo
e beber
beber e cheirar
e eu tenho muito a aprender com ela
e é urgente a sede de prazer
e pressa
pra descermos loucamente
a ladeira
disse-lhe que procuro a essência
para além de toda a escuridão
então ela partiu a maçã ao meio
e a verdade se revelou
lindo
leve
faceiro
se apresentou
o bichinho da maçã
que me piscou o olho
dizendo
VAI GAROTO
MORDA COMA SE LAMBUZE
QUE AMANHÃ VEM OUTRO
EM TEU LUGAR
insisti
deve haver algo
que se salve
que nos salve
então a puta
deusa
santa
e devassa
rapidinho evaporou
(B. B. Palermo)
Olhava pro fogo mágico da lareira,
pena Lucy ser uma dorminhoca,
uma libriana racional
e prática,
perdeu a oportunidade de contemplar
minha voracidade
poética.
Ela simplesmente diz
que minha chama
acende por causa do álcool.
Não pago para ver.
Me recolho na risível insignificância
e concordo "sim, você tem razão,
apenas em meu íntimo sei que sou
muito comentado
e tão pouco compreendido
quanto a própria Bíblia".
Pena nossa rotina não ser perfeita.
Quero falar da vida mágica
que encontro nos pés de ora-pro-nóbis
se enchendo de brotos no quintal,
bem antes que o inverno acabe,
vem Lucy e me empurra pro abismo
da realidade,
lamentando a dificuldade pra pagar as contas
no final do mês.
Agosto se esvaindo,
então fico doido pra falar
das cores avermelhadas
do amanhecer
e do entardecer,
com a lua cheia despontando nesse cenário,
aí meu anjo vem me lembrar que tais cores
são consequência das queimadas
no Centro-oeste do país.
(B. B. Palermo)
Raposas passeiam sobre o meu telhado
com a leveza de estarem a par
de minhas histórias.
Tive mais sorte na vida
do que soja e milho transgênico.
Fui amado por algumas mulheres,
seus dedos tamborilando meu peito,
descendo e subindo,
calcinhas e cuecas imortalizadas no corredor
que leva da sala até o quarto.
Também fui maltratado pela vida,
empregos,
negócios,
profissão.
Meus olhos estavam desconectados dessas coisas,
como se elas fossem restos de feira.
Autopiedade...
considerar-se uma árvore
sufocada
e podada
desde o início.
Rotas de fuga
que não servem pra nada.
Ela me diz:
"Você aí, rolando como pedra,
um velho desleixado,
que foge do banho,
não faz a barba,
veste roupas fora da moda...
Eu tenho mais de 40 anos mas sou linda!
Os homens dizem Nossa, você nem parece ter 40!
Você não percebe o que a passagem do tempo
está fazendo com sua carcaça?
Mulher não gosta de homem jogado!".
Dou o troco:
"Ora, ora, quem falando...
Teus olhos eram mais vivos, não?
Agora me parecem jabuticabas murchas.
E essas rugas entre o queixo e o pescoço
banho nenhum vai apagar.
Vejo por aí o faz de conta,
pessoas obedecem a regra geral
e não me sinto em casa
para fazer o mesmo.
Amores entediantes virão
e você vai morrer de medo
de saltar fora,
não vai pressentir a serpente
rondando,
o retorno daquele louco desejo
de suicídio.
Devolva minha inspiração...
assim terei minha roupa ajustada
e meu corpo cheiroso...
e eu te transformo numa deusa
esculpida num altar,
fazendo babarem olhos e bocas
da multidão".
(B. B. Palermo)
O cara na praça manda ver nuns exercícios físicos naqueles aparelhos de merda que as crianças fazem de conta que são brinquedos. ...