Aconteceu...
E hoje?
(Livro "O diário de Anne Frank")
A
urina borbulha,
sabe
do meu esforço pra fazer a coisa certa,
nada
de corromper o vaso do banheiro.
Ela
argumenta de um modo conclusivo,
numa
lábia definitiva.
Na
viagem que me encontro,
sei
que bato de frente com um mijo sábio.
Guardo
o coiso
sentindo-me
leve e satisfeito.
Disse
um não categórico ao que ela sugeriu:
-
Na Suíça, povo civilizado,
os
homens devem mijar sentados!
Diante
do meu jato potente mas indeciso,
eu
retruquei:
-
Nananá! Só te obedeço quando estiver
beeem
velhinho!
(B.
B. Palermo)
Avenidas,
estacionamentos,
lojas,
mercados e padarias,
passeios,
fábricas e construções,
vejo
tantas carinhas tristes,
não
importa se são miseráveis ou lunáticos
cheios
da grana.
Toneladas
de paranoias como geleiras derretendo
encharcam
oceanos e bombardeiam meu cérebro.
Constatações
entram na ordem do dia:
Gente,
isso tudo são milongas!
Estamos
envelhecendo,
estamos
morrendo,
alguns
enriquecem,
a
maioria destrói sua vida
juntando
migalhas!
Criaturas
de uns 30 anos com aparência de 60.
Os
rebanhos estão enfeitiçados pelas intrigas.
Creio
que ainda não planejaram meu assassinato,
jogando
seus carros pra cima do meu corpo,
quando
perambulo por aí.
(B.
B. Palermo)
Almas
de calçada,
vira-latas
seguem farejando,
abraçados
a bandeiras esquizoides,
meio
conservadoras,
meio
anarquistas,
mijando
pelos cantos,
demarcando
territórios que ninguém vê.
Parodiando
uma canção do Paralamas,
cada
um apresenta suas armas,
como
se fosse a coisa mais preciosa,
como
se fosse o esteio
onde
o mundo se ampara e gravita,
em
vez de ser um patético
encosto.
Mesmo
etiquetado por esses rebanhos
de
criaturas demasiado ocas,
prefiro
a companhia da folha em branco,
da
memória e de algumas lufadas
imaginárias.
Não
consigo ensaiar minha dança
no
meio da multidão.
(B.
B. Palermo)
Tipos
inocentes,
ignorantes
que gazearam as boas aulas,
podem
detonar bombas,
podem
matar milhões
em
nome de Deus,
seja
lá que coisa
isso
for.
Tipos
extravagantes
mergulham
em águas rasas,
enquanto
criam monstros
no
lago Ness.
Tais
tipos me apavoram.
Então
me escondo no meu canto,
caneta,
papel e cerveja sempre gelada
me
acariciando,
enquanto
rumino,
imagino
e
sonho
minha
desobediência
civil.
(B.
B. Palermo)
Querido
diário,
as
máquinas da Corsan estão a mil no meu bairro.
Antes
das 8 da manhã elas dobram as esquinas próximas
e
aceleram os latidos raivosos da cachorrada,
e
eu não consigo dormir cedo, os botecos
não
fecham antes das 2.
Sabe,
ontem foi o velório e o enterro do Golias.
É
um cachorrinho de um amigo, e como o pátio daqui é enorme,
decidimos
que ele faria companhia ao meu gato, o Neno,
que
foi envenenado pouco antes da pandemia.
Meu
amigo estacionou o carro e desceu com uma caixa
que
simbolizava o caixão, e junto com ele veio sua filha e uma amiga.
Cavamos
o buraco e, na despedida antes de enterrar o bichinho,
vi
as lágrimas no rosto da garota,
foi
então que percebi que não estava preparado emocionalmente
pra
cerimônia, pois quando chegaram aqui em casa
devo
ter dito alguma coisa fora de propósito...
Tu
sabe, é difícil sentir as dores dos outros,
muitas
vezes decorrem séculos pra desenvolvermos um mínimo de sensibilidade.
Cara,
num grupo de Whats de meus conterrâneos
uma
senhora Deus Pátria Família compartilhou um áudio
que
circula desde 2018, comprovadamente fake.
Então
fui no Google e copiei o link que atestava ser notícia falsa.
Enviei nesse grupo e comentei que nos poucos dias antes das eleições
circularão
nas redes muitos boatos falsos, por isso é aconselhável não ser bocó
a
ponto de achar verdadeiras tamanhas sandices.
Moral:
fui expatriado do grupo, e isso trouxe algum sentido pra minha vida.
Mas
o fato que mais me alegra é acompanhar, na horta, um tomateiro.
Um
dos tomates deve pesar quase meio quilo.
Observo
de perto seu amadurecimento.
Já
passou dos tons esverdeados pra amarelados.
Creio
que até domingo vai estar beeem vermelho!
(B.
B. Palermo)
Baby,
em vez de dividir
a
laranja ao meio,
vamos
separar cada gomo
e
degustar juntinhos,
como
se fôssemos deuses
orientais.
Construímos
nosso mundo
sujo
atolados
a muita lama,
mas
vamos renascer
e
mostrar ao mundo
nossa
arte.
Podes
rir, Baby,
não
ligo quando
me
chamas de
"doce
delírio".
(B.
B. Palermo)
Apaixonado.
Os
poemas são ruins.
"Podemos
escrever
embriagados
de amor,
mas
o amor
não
estar no texto"
-
disse Carpinejar.
Prefiro
estar
mil
vezes apaixonado.
Poemas
sabem
esperar.
(B.
B. Palermo)
Na
cidade de Sofrência
não
circulam boas novas,
o
que predomina é competição
e
desespero.
Há
ciclovias, mas não estão na rua principal.
Por
ali as colmeias desfilam
seus
carrões e motonas, muitos aparecendo
e
poucos observando.
As
ruas secundárias andam tranquilas,
mas
fazem pouco sentido,
não
servem de espelho
para
tamanhos egos.
Sofrência
é moderninha,
tudo
o que for retrô já era,
dá
um desespero lembrar
que
foi adolescente rebelde.
Transborda
modernidade
e
quase nenhuma
história.
(B.
B. Palermo)
Seja
como for, eu imagino
que
são ninfetas cantando
cedo
da manhã ao lado da janela
do
meu quarto,
em
vez de operários da Corsan
com
suas retroescavadeiras perfurando
as
artérias
e
colocando stents
em
minha rua.
Seja
como for,
eu
imagino,
enquanto
acordo de ressaca
e
me espanto
ao
contemplar as olheiras
diante
do espelho.
(B.
B. Palermo)
Até cogitei ser um homem reto,
levar os deveres da sociedade
a sério,
maneirar no copo
e praticar meditação Zen Budista.
Porém, desconfio que as almas grandes
não se deixam escravizar
pelo trabalho + lar + deveres
cotidianos.
Almas grandes fogem das clínicas psiquiátricas
e se refugiam nos cantinhos escuros
dos botecos.
Almas grandes deliram,
têm loucuras endiabradas
e acreditam que seus anjos da guarda
curtem beber
tanto
quanto.
(De Buk para o Palermo)
As pessoas por perto pareciam murchas, daquele jeito, de ideias, uns sonâmbulos, e cansei também de trocar confidências com os cães ...