terça-feira, 11 de fevereiro de 2020
sábado, 8 de fevereiro de 2020
Um mamífero escapuliu do zoológico
Se tiver
um carrão importado
você terá outros
rabos.
Não sei se esta
frase navegava
na parte mais
festiva do meu cérebro,
ou se era
projetada pelo outdoor da esquina,
ou se ouvira certo
dia
num melancólico
suspirar do Beiço.
Convenci-me de
que depois de certa idade
o que nos mantém
de pé e olhando pro horizonte
é a ilusão de
que algo bom surgirá, num flash,
como por exemplo
nossa "cara metade".
Enquanto o
marido averiguava as coisinhas
que o frentista
fazia no caminhonetão,
sentada no banco
ao lado do banco do motorista,
séria e gostosa
e contemplativa
e de ray-ban,
ela parecia
olhar pra mim.
Estava sentado a
uns dez metros
e duvidava de que
tivesse alguma curiosidade,
embora seja tipo
raro de mamífero
que vive escapulindo
do zoológico.
Eu a perdoo por
ela não saber
que estou por
dentro de outras coisas
além do cheiro da
fumaça do óleo diesel
e do glifosato e
do 24d que regam nossas terras vermelhas.
Ela não fazia
ideia de que por aqui
tudo se espalha e
inala e se compra e vende
fazendo
crescerem humanos e animais
e plantações de trigo
e soja.
Ela não sabe que
cansei de cheirar
refis que chapam
pernilongos
e o barulho do
ventilador me deprime
nesse cafofo com
tapetes paralisados pelo pó.
Para sua
integridade psíquica,
eu a perdoo por
não saber que sonho me entorpecer da maresia
que vem do mar
aberto do litoral sul do Brasil.
Ela me fitava e
devia pensar qualquer coisa,
algo prático,
tipo o que fazer
pra se livrar do "mala",
como se virar
sem um casamento
com menos grana
e status.
A merda é
conseguir evitar
o sentimento de
culpa
por ter desejos
de liberdade,
por não se
adaptar definitivamente
a uma relação
afetiva que pague impostos à civilização.
Se ela viesse
ter comigo
eu diria que
viver
é estar impregnado
de desejos e frustrações.
Diria: Acredite
no amor,
mas não apenas
nesse daí.
Eis-me aqui, gavião
solitário,
contemplando
espécimes raras e comuns
e tristes e cheias de dúvidas
assim como
eu.
(B. B. Palermo)
segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020
Tá difícil pro escritor competir com a realidade
Onze da noite,
estava assistindo no Youtube uns vídeos estranhos. Um sujeito fala de como é o
pós-morte de alguém que comete suicídio. O incrível descreve casos de suicídio
como se estivesse falando da previsão do tempo. E diz também como os suicidas
serão recebidos quando chegarem no outro lado. Estava boquiaberto assistindo
essa coisarada quando recebo mensagens pelo Messenger.
- Oi Palermo
você é casado quantos anos você tem.
Logo depois
recebo um áudio.
- Manda uma foto
tua grande pra mim te vê.
Aí manda uma
ligação. Não atendo, claro. Escrevo-lhe uma mensagem.
- Oi. Tudo bem?
Te conheço?
- Tu não me
conhece nem eu te conheço mas eu queria ver a tua foto.
Escrevo-lhe o
seguinte:
- Tô na meia
idade e tenho fugido de algumas mulheres.
Recebo outro
áudio.
- Eu tô casada
mas na verdade eu quero me separar, porque meu marido é um idiota. Daí eu quero
ver se arrumo outra pessoa pra mim.
Outro áudio,
onde diz a sua idade, e insiste pra que envie uma foto, das grandes.
Silenciei. Continuou
insistindo. Pouco depois recebo uma foto dela sentada no colo do marido, e com
um gato no seu colo.
Recebo outra
mensagem.
- Eu quero um
relacionamento sério e você também.
Como não
respondi, ela pergunta:
- Não gostou de
mim?
Ganhei tempo.
Dei uma espiada nas suas postagens e perfil no Facebook.
Ela fez outra e
mais outra ligação.
Escrevi para
ela:
- Calma, tô no
bar com amigos. Conversamos amanhã.
Outro áudio,
onde ela sussurra:
- Me-man-da-tua-fo-to...
Santo Cristo! O
que que eu faço?
Depois de ler
algumas das suas postagens no Face, enviei-lhe esta mensagem:
- Não te
conheço. Não quero me envolver com mulher casada. Não quero levar uns tiros.
Uma das
postagens dela me chocou, mais do que o vídeo que assistia no Youtube. Não,
tudo tranquilo com as fotos em que ela está ao lado do marido e etecétera e tal.
O que me espantou foi uma foto onde aparecem algumas crianças, tirada há uns
quinze anos, e que ela compartilhou. Uma das crianças era (é) sua filha, e que
foi adotada quando tinha uns seis anos. A mãe biológica não tem a mínima ideia
de onde está sua garota e quem são os pais adotivos. Hoje ela deseja muito
rever sua menina que, aliás, é uma garota de vinte e poucos anos.
Tempos difíceis
para quem pretende ser escritor e viver de ficção.
A realidade,
muitas vezes, dá de dez a zero.
(B. B. Palermo)
domingo, 2 de fevereiro de 2020
Eu tenho vergonha quando bebo e ela está do outro lado da rua
Estou no bar,
sentado junto a uma mesa na calçada, e ela está do outro lado da rua, sentada
em seu banco de concreto, diante de sua pequena casa toda organizada e de pintura
nova. Está acompanhada do seu marido e um amigo do marido e sua cuia de
chimarrão e garrafa térmica e seu cabelo brilhoso e seus brincos e aquela cara
de tédio, observando-me fazer a sucção de alguns litros de cerveja e ser consumido pelo
álcool. Ela não vê outra alternativa senão ciscar com os dedos no teclado
do aparelho e passear pela web, enquanto seu marido conversa com o amigo sobre
o aumento do dólar. Ela faz salgadinhos sob encomenda para festas de
aniversários e outros eventos. Tem uma página no Facebook com diversas
curtidas. Ela está sempre alegre e receptiva e falante, e eu ouvi muitos
elogios a respeito da delícia que são suas coxinhas. Quando os clientes
chegam, ela fala e fala sobre diversos assuntos, mas mantém segredo a respeito
dos temperos orgânicos e caseiros, que fazem com que seus petiscos tenham
personalidade própria. Penso fazer terapia. É que eu tenho vergonha quando bebo
e ela me observa do outro lado da rua.
(B. B. Palermo)
sexta-feira, 31 de janeiro de 2020
São Luiz X Internacional
Quarta-feira eu estava em casa e aguardava a Dolly,
que vinha se divertir e apanhar os 200 reais que ajudariam nas fraldas e numas
roupinhas pro seu bebê. Meia hora antes ela mandou mensagem dando uma desculpa
qualquer, dizendo que não viria. Fiquei puto. Pensei investir os duzentos na
sinuca no boteco do Maneta, mas lembrei que à noite meu time, o São Luiz,
jogaria contra o Internacional, pelo Gauchão.
Então é assim, eu boto dinheiro e ela me sacaneia? Fiquei
frustrado, garoava e estava fresquinho, então aqueci a alma com um latão e fui
"armado" pro jogo. Cheguei no estádio um pouco mais cedo, pra relaxar
na copa antes de subir pro pavilhão. Na entrada, depois de passar pela catraca,
suei frio. Um guarda fortão me revistou, passando as mãos pela minha cintura,
desceu até as nádegas e por sorte não percebeu o volume desproporcional que eu
camuflava perto dos bagos. Fui até a copa e derramei uma latinha de guaraná num
copão, tomei um terço e me afastei do alcance da visão dos garçons e saquei da
braguilha o objeto proibido e fiz a alquimia. Ao sair da copa, em direção às
escadas do pavilhão, sabia que não seria barrado pelo segurança. A vodca é incolor
e não deixa rastros. O cara atuou profissionalmente. Espiou o que havia no copo
que eu carregava e então eu falei "É guaraná, meu irmão".
Assim que me acomodei no meio de famílias inteiras, que
vestiam camisetas dos dois times, um maluco com credenciais de jornalista,
mochila nas costas e máquina moderninha pendurada no pescoço, se aproximou e
quis tirar umas fotos e fazer umas filmagens. Falei pro cara: "Tô fora,
nada de fotos, meu brother, quero passar em branco, sou foragido". Ele me
olhou espantado e demoradamente, como se fizesse uma tomada com sua câmera, e
vazou.
Os times estavam no aquecimento. Um velhinho não
parava de me cutucar, queria saber os nomes dos jogadores titulares do Inter.
"Quem é aquele negão?" "É o Moledo, senhor". Apontei outros
jogadores: "Aquele é o Musto e o outro que tá tomando água é o
Lindoso". O velhinho tinha problemas de audição e o som que tocava no estádio
era ensurdecedor. Ele sempre perguntava: "Quem? Quem?". O D'Alessandro,
ele identificou. "Nossa, como o gringo é miudinho e ligeiro!".
Mais ao lado e dois degraus acima, um pré-adolescente
que estava empenando, com pressa pra virar galo, jogava sapiência creio que pra
cima do pai e do tio e do avô. Ele sabia das coisas, com aquela voz esganiçada:
"Olha só o D'Alessandro! Os jogadores tão alongando e ele fica fazendo gestos
e falando, isso é que é liderança!". O garoto estava apaixonado pelo
gringo.
No primeiro tempo o jogo foi elétrico, muitas boas
jogadas e passes errados e quatro gols. O São Luiz começou na frente e o Inter
virou, fazendo três. No intervalo, falei pra cambada ali ao redor: "Não
dá, se time pequeno erra muito contra time grande, ele naufraga". As
criaturas me fitaram, concordando, como se dissessem: "Esse cara sabe das
coisas, até parece comentarista de jogos, nas transmissões pelo rádio".
Enquanto os times não voltavam do intervalo,
suportei a vontade de mijar e de beber. Me distraí, apelando pra nostalgia. Falei
pros que estavam por perto: "No meu tempo de futebol de várzea na
Província de Palermo, eu jogava muito mais do que esses dois laterais do São
Luiz. Meu, quem é o padrinho desses caras pra eles serem titulares de um time
que joga a Primeira Divisão?" Como a plateia não ligou muito pra mim, fiquei
contando pro velhinho minhas odisseias pelos gramados de minha juventude. Ele
só repetia: "O quê? O quê?".
No segundo tempo o São Luiz fez dois gols e levou
mais um. O jogo ia pelo meio e a garoa deu as caras. Onde eu estava a cobertura
protegia da chuva. Os que estavam mais abaixo foram subindo e ficamos meio
prensados, como numa lata de sardinha. Assim do nada sentou do meu lado uma
trintona, com uma camiseta toda estilosa do nosso time, tinha cor preta com
detalhes vermelhos. Os olhos verdes me encaravam daquele jeito, tive a
impressão de que gostava de ler e de brincar com algumas sacanagens. "Você
é o Palermo, não é? Leio tuas histórias no Facebook". Fiquei radiante,
como se fosse o craque do time e fizesse mais um gol e conquistássemos pelo
menos um ponto no jogo.
Aos trinta minutos do segundo tempo D'Alessandro foi
substituído. Ao cruzar perto do alambrado, diante do pavilhão, a tietagem foi
enorme. Centenas de celulares apontados na direção do cara. Que bosta de "pátria
de chuteiras", pensei. Quem está bem de vida vem pro estádio lamber o saco
dos famosos. Com o preço dos ingressos nas alturas, alguém notou algum neguinho
de periferia assistindo este jogo?
A cada chance desperdiçada o velhinho que estava do
meu lado esquerdo xingava e me acertava uns tapas. As coisas iam bem do meu
lado direito. Eram coxas enroscando coxas. Já nos acréscimos não resisti e
disse pra garota: "Posso te falar uma coisa? Eu não tenho mediunidade, mas
sinto que você tem uma energia ótima". E ela: "Nossa! que bom!
Obrigada".
Perdemos o jogo e eu ganhei uma companhia pra tomarmos
uns chopes no bar do Mestre Luli.
(B. B. Palermo)
quinta-feira, 30 de janeiro de 2020
Algumas tacadas num jogo de sinuca
Não me importo que riem
da minha cara.
Deixem os meninos se
divertirem.
Encaro tudo de bom
humor.
Ninguém se importa
comigo.
Ninguém se importa com
os meninos lixeiros
sentados à sombra junto
ao caminhão
comendo um pastel e
bebendo refri.
Ninguém se importa com
o garoto
servente de pedreiro
sentado no alto de um
andaime
lanchando uma melancia.
Ninguém se importa
até porque nunca saberá
que o Cadelão carrega
um espírito romântico,
está mais pra cadela
- segundo o Beiço.
Apenas algumas tacadas
num jogo de sinuca.
Beiço está certo, sou
menino feio e frio e fraco.
Mesmo me esforçando pra
que dê errado no final,
creio no amor como uma
forma
de não naufragar nesse
mundo estranho.
Ninguém se importa que
ela esteja comigo no bar.
Dê-lhe selfies
num sorriso
ortodôntico.
Sempre me quis,
agora ela fode com o
Beiço.
O menino não percebe a
verdade:
a boceta da garota é
feiticeira
e encantadora e
traiçoeira.
Sempre disse ao meu
amigo,
quando ela trepava comigo:
A mina é demais!
Ninguém se importa.
Nosso mundo é muito
estranho.
(B. B. Palermo)
segunda-feira, 20 de janeiro de 2020
Tudo pela arte
Chegou algo pelo Messenger:
- Oi. Tu tem WhatsApp?
Trinta segundos depois:
- Sim. 999999999.
Um minuto depois chegou algo pelo WhatsApp:
- Oieee...
- Tudo bem?
Dois minutos depois:
- Tu gosta de dançar?
Quarenta e cinco minutos depois:
- Bah... Não sei dançar.
Meia hora depois...
Uma hora e meia depois...
Duas horas depois...
Dez horas depois...
Dez horas depois...
Putz... Dancei.
Mais uma princesa que eu perco no início da jornada
heroica da conquista. É que estava no bar conversando sobre literatura com a
Raquel, a poeta.
Eu sacrifico tanta coisa, inclusive o amor... Tudo
pela arte.
domingo, 19 de janeiro de 2020
Filme de terror
- Velho, alguma coisa
tá errada contigo. Tu tem grana. Investe numa terapia e numas putas.
- Mas como tu sabe?
- Acompanho teus
compartilhamentos e outras postagens nas redes sociais, principalmente no
WhatsApp. Tu não é feliz. E a guria aqui concorda comigo. Ela é muito esperta.
Esperta não, ela é espertíssima.
-
Vocês tão de sacanagem! E ela não conta.
Nem gosta de homem. Vive atrás de mulher.
-
Não, irmãozinho. Ela sabe tudo de homem e de mulher. Inclusive tá me ensinando os
segredos que conduzem as ninfas a loucos orgasmos.
-
Vocês tão é de sacanagem!
-
Lembra daquele maluco que pirou e se enforcou em 2015? Tu tá ficando cada vez
mais parecido com ele! Mas não fique chateado comigo. Como disse Kim Hubbard,
"amigo é aquele que sabe tudo a seu respeito e, mesmo assim, ainda gosta
de você".
(B.
B. Palermo)
sexta-feira, 17 de janeiro de 2020
Telmo, vê aí uma torrada com ovo e uma sukita
Chego no bar sem muita esperança. Quero apenas uma
mesa num canto pra observar e anotar umas coisinhas. Se possível afastado da
multidão, sem exagerar no ódio ou amor, sem estar deprê ou eufórico. A vida
está tranquila porque não coloco nela grandes esperanças. Pratico o que li em
algum lugar: "Jamais se desespere, meu brother".
Ela apareceu carregando uma sacola e uma mochila. Vi
que estava faminta e sem grana. Fiquei sensível:
- Senta aí. Você tá com fome? Pago um lanche. Tá
tudo bem na tua vida?
Largou as coisas no chão, sentou e falou:
- Vou colocar as coisas na mesa. Aí vai ter TV e
rádio, até a RBS, a Globo. Eu não sou boba... Que que eu tô ganhando pra vocês ficarem
falando de mim? Ficam aí fazendo quadrinhos, historinhas... Eu tenho 40 anos.
Eu entrego nas mãos de Deus. Eu só tô esperando a minha hora pra colocar as
patinhas na mesa e abrir o jogo. Nem polícia, nem juiz, nem assaltante, não vai
se salvar ninguém.
Dei corda, pra ver onde
queria chegar.
- Eu sou a filha do
Fernandinho Beira Mar? Nem ele foi falado assim... Faz 2 anos... Me chamam que
eu vou contar. Você acha certo os outros ganharem dinheiro às minhas custas?
Que juiz, que fórum, que delegacia, quem poderia fazer essa sem-vergonhice? Eu
não tenho onde dormir, o que comer, muitas vezes eu não tenho onde guardar meus
cacos. Eu ando pelo mundo afora assim e tô na boca do povo.
- Hum... Você tem
filhos?
- Meus filhos estão
bem, graças a Deus.
- E onde estão? Com
quem moram?
- Um casal de filhos tá
com a tia. A outra tá com a avó. A outra tá com outra tia. A outra com minha
mãe... A outra é bem casada, graças a Deus... Entendeu? Só não põe a família no
meio. Eles estão na deles e eu na minha. Não quero que venham me pisar, porque
eu tô sozinha no mundo.
- Mas... E por
que você está sozinha?
- Tô sozinha porque eu
não quis ele. Aí ele fica falando... Foi o egoísmo dele que me deixou longe de
meus filhos... Se ele entregar minha filha, eu volto com ele, eu volto pra
casa.
- Aham...
- Se por acaso eu
faltar no mundo, eu quero um salário por mês pra cada filho, o governo vai ter
que pagar... Se eu faltar no mundo...
- Tu não tem medo de
morrer?
- Não, eu não tenho
medo de morrer. Estou acostumada a ficar na rua.
Mais confiante, ela
confidencia:
- Eu tenho uma filha no
Uruguai... Trabalhei lá, numa casa.
Pedi pra que devorasse
a torrada sem pressa.
- Eu não me importo com
o que eu falei aí... eu tô sempre falando... Entendeu? Eu sei que não tô
errada... Quem tá errado é o mundo. É ele que tá faltando comigo.
E assim, sem mais, ela
se despediu.
- É isso aí... Tudo de
bom... E que tenha uma boa sorte todo mundo do Brasil.
Em pé, ela acrescentou:
- Agora tu me diz... Tu
já viu alguém com a minha coragem? De abrir o jogo pra um estranho, e mandar
todo mundo pro espaço?
- Mastiga bem... Vai
com calma.
-
Mas eu tenho pressa!
- Qual é o teu nome?
- Não posso dizer.
- Inventa um, tipo...
Mirna, a esperançosa.
- Eu sou a Autora
Sinistra. E qual é o teu nome?
- Eu sou o Palermo.
- Vou abrir o Facebook
e te pegar.
- Tu tem Facebook?
- Vou fazer um. Tchau.
E tenha uma boa sorte.
- Tchau. Que Deus te
proteja e te guie.
Telmo, o cara do bar,
acompanhava atento nossa conversa.
Antes de ir, ela pediu
um refrizinho, uma sukita. Falei pro Telmo pendurar na minha conta.
Levantou e partiu.
Nem passou 2 minutos
meu amigo exclamou, detrás do balcão:
- Cadelão, ela esqueceu
a sacola!
- E agora? Meu Deus! To
ouvindo um tic tac, tipo aqueles despertadores antigos!
- Corre... rápido...
joga essa sacola no terreno baldio daqui do lado do prédio!
quinta-feira, 16 de janeiro de 2020
Meus amigos ronronam como felinos, e eu me escondo debaixo do edredom
Estou acostumado com esses ônibus urbanos que me
cercam e se afastam, indiferentes. A normalidade não é um bom sinal. Aguardar o
reinício dos campeonatos de futebol, lazer para espantar o tempo, isso também
não é um bom sinal. Até que ponto isso é normal?
Quero chegar de voadora nesses vitrais das
instituições que classificam quem escreve algo que valha a pena ser publicado,
e também nos críticos com sua seriedade, dizendo quem é bom poeta.
Essas listas dos livros mais vendidos são cobras
enormes me atacando, nos pesadelos. Pesquiso o verbete "serpente" e
jogo pesado no bicho. A deusa sorte ri e dá de ombros, debochando: "Nada a
ver, irmãozinho".
Meus escritos são novenas pagando promessas. Chutes
nos traseiros dos "bons".
Ainda faço concurso pra servidor municipal. Serviços
gerais ou zelador do cemitério ou jardineiro ou porteiro de alguma creche.
Uma profissão digna abrandaria minha sede e
peregrinação pelos bares.
Ainda vou madrugar com o chamado do radio relógio
comprado no Paraguai. O chuveiro funciona, a barba está feita. Lembro dos
amigos e sei que eles estão tranquilos, ronronando como felinos em seus leitos.
A insônia, às vezes, é um privilegio. Um dia vou retomar a meditação transcendental.
Vou esquecer o velho currículo, de ter sido bom
aluno no catecismo. De nunca passar de um 6,0 em matemática. De ter tido uma
professora jovem e loira e divina e tímida que sacou que eu gostava de
literatura e que me passava livros e livros. Primeira paixão, primeiras
fantasias, primeiros poemas ridículos.
Acostumado e acomodado a tanta coisa. Hora de juntar
pastas e envelopes e caixas com anotações e poemas e rabiscos de histórias que
me foram caros. Vou queimar tudo isso, junto com históricos escolares. Sei, isso
não deve ser normal, como não pode ser normal ter sobrevivido à travessia
desses pequenos mares agitados.
Pessoas adoram filas. Isso me faz lembrar das missas
na infância e adolescência, no momento da comunhão, ao receber a hóstia, o
corpo e o sangue de Cristo. Depois de décadas participei de uma missa, era de
um funeral, missa de "corpo presente". Decidi que também estava preparado
para comungar, e senti que o gosto da hóstia - se comparado ao meu tempo de
Primeira Comunhão - já não era o mesmo. De qualquer maneira, me senti próximo
de Deus.
É possível que volte a ter fé em Deus e na vida eterna,
agora que estou mais velho, e confesso que em algumas noites eu durmo com a luz acesa e o edredom
camuflando a alma e a cabeça.
segunda-feira, 13 de janeiro de 2020
Oi, estou trançando minha juba
Lá as pessoas carregam
livros e leem, nas praças e metrôs e ônibus...
Ela se diz independente
e é casada e conversa comigo no Messenger.
Adoro imaginá-la assim,
longe, tanto faz se estivesse na minha rua ou na Amazônia ou Paris ou Nova York
ou Berlim ou Londres.
Ela tem alma, mas está
fora de questão me apaixonar. Assim como está, já estou infeliz o suficiente.
Até proibi que me
mandasse áudios. Sua voz me enlouquecia e roubava o sono, como se estivesse
murmurando nos meus ouvidos canções de ninar.
Ontem ela veio com
essa:
- Oi. Estou trançando
minha juba. Amei umas frases que tu usou naquela história. Logo te explico.
- Tá bem. Vê se manda
uma foto pra eu ver como ficou tua juba lindona!
Já se passaram 24h e
nenhuma notícia. Nem das frases, nem da juba.
Nossa! Como essa vida solitária me
deixa melancólico e feliz!
(B. B. Palermo)
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