O bêbado do meu bairro mudou de
estratégia
para conseguir algumas moedas
para comprar cachaça.
Ontem trouxe uma planta para que eu
cultivasse no quintal.
Era uma dessas flores, parecida
com copo-de-leite.
Não cultivo flores, apenas
algumas hortaliças.
Alcancei-lhe umas moedas e pedi
que desse a planta a algum vizinho.
Hoje trouxe uma planta florida.
Deve ter arrancado do jardim de
sua mãe.
Estava sem moedas, não abri a
porta,
fiz de conta que não estava em
casa.
A mãe frequenta a igreja
regularmente e mantém as oferendas em dia.
Mães foram feitas para amar e
sofrer.
Não é por acaso tantas orações e
promessas.
Se ele esqueceu de botar a tampa
no tubo do creme dental,
ela vai ao banheiro e o faz.
Nas semanas de abstinência devido
ao uso do álcool,
e da insônia que bate à porta,
ela compartilha com o filho tarjas
pretas e noites mal dormidas e
redobra visitas à igreja.
O filho, alto, seco, rosto
sofrido, tem uns trinta anos e
aparenta ter uns sessenta.
Insetos do bairro alardeiam, mais
indiferentes do que tristes,
que ele não passa desse ano.
Eles acreditam que o sujeito não
deu certo nesse mundo.
Ao contrário, eles são os tais,
com seu trabalho e esposa e amante e
novela e rotina cheia de crenças
e pobre de novidades.
À tardinha abro a porta, vou à
padaria buscar queijo e pães.
Havia uma planta no degrau da
porta da frente.
Devo ser pouco espirituoso, mesmo
assim um frio
atravessou-me por todos os
quadrantes.
Percebi que as plantas que ele
trouxe são as mesmas que parentes e
familiares e amigos levam para os
mortos,
no feriado de Dois de Novembro.
O bêbado do bairro e sua mãe e o
maluco que aqui escreve e
todos vocês circulamos pelas vias
de um imenso formigueiro.
Não sei se os insetos que me
rodeiam se perguntam sobre
quem estará presente daqui a alguns
anos.
Como e o que estaremos fazendo?
Isso é o de menos.
O mais importante, para este
inseto que vos fala,
é que a banana e a cebola e as
peras e as batatas e o peito de frango e
o coxão de fora e a cerveja que
bebo estão em promoção no Big mercado.
Enquanto o bêbado do bairro traz
plantas para trocar por moedas para trocar por cachaça,
toda a biodiversidade que nos
rodeia recebe nosso lixo diário.
Movimento desigual. Damos menos
do que recebemos.
Quem sabe o sentido de nossas
vidas, interagindo com a natureza,
seja produzir lixo, muito lixo.
Eis nossa missão número um.
E o álcool é mais uma válvula de
escape para suportarmos o
fato de estarmos sufocados por
esse lixo que produzimos.
(B. B. Palermo)