quinta-feira, 20 de setembro de 2012
terça-feira, 18 de setembro de 2012
Apólogo brasileiro sem véu de alegoria - Antônio de Alcântara Machado
O trenzinho recebeu em Maguari o pessoal do
matadouro e tocou para Belém. Já era noite. Só se sentia o cheiro doce do
sangue. As manchas na roupa dos passageiros ninguém via porque não havia luz.
De vez em quando passava uma fagulha que a chaminé da locomotiva botava. E os
vagões no escuro.
Trem misterioso. Noite fora noite dentro. O
chefe vinha recolher os bilhetes de cigarro na boca. Chegava a passagem bem
perto da ponta acesa e dava uma chupada para fazer mais luz. Via mal e mal a
data e ia guardando no bolso. Havia sempre uns que gritavam:
– Vá pisar no inferno!
Ele pedia perdão (ou não pedia) e continuava
seu caminho. Os vagões sacolejando.
O trenzinho seguia danado para Belém porque
o maquinista não tinha jantado até aquela hora. Os que não dormiam aproveitando
a escuridão conversavam e até gesticulavam por força do hábito brasileiro. Ou
então cantavam, assobiavam. Só as mulheres se encolhiam com medo de algum
desrespeito.
Noite sem lua nem nada. Os fósforos é que
alumiavam um instante as caras cansadas e a pretidão feia caía de novo. Ninguém
estranhava. Era assim mesmo todos os dias. O pessoal do matadouro já estava
acostumado. Parecia trem de carga o trem de Maguari.
Porém aconteceu que no dia 6 de maio viajava
no penúltimo banco do lado direito do segundo vagão um cego de óculos azuis.
Cego baiano das margens do Verde de Baixo. Flautista de profissão, dera um
concerto em Bragança.
Parara em Maguari.
Voltava para Belém com setenta e
quatrocentos no bolso. O taioca guia dele só dava uma folga no bocejo para
cuspir.
Baiano velho estava contente. Primeiro deu
uma cotovelada no secretário e puxou conversa. Puxou à toa porque não veio
nada. Então principiou a assobiar. Assobiou uma valsa (dessas que vão subindo e
depois descendo, vêm descendo), uma polca, um pedaço do “Trovador”. Ficou
quieto uns tempos. De repente deu uma coisa nele. Perguntou para o rapaz:
– O jornal não dá nada sobre a sucessão
presidencial?
O rapaz respondeu:
– Não sei: nós estamos nos escuro.
– No escuro?
– É.
Ficou matutando calado. Claríssimo que não
compreendia bem. Perguntou de novo:
– Não tem luz?
Bocejo.
– Não tem.
Cuspada.
Matutou mais um pouco. Perguntou de novo:
– O vagão está no escuro?
– Está.
De tanta indignação bateu com o porrete no
soalho. E principiou a grita dele assim:
– Não pode ser! Estrada relaxada! Que é que
faz que não acende? Não se pode viver sem luz! A luz é necessária! A luz é o
maior Dom da natureza! Luz! Luz! Luz!
E a luz não foi feita. Continuou berrando:
– Luz! Luz! Luz!
Só a escuridão respondia.
Baiano velho estava fulo. Urrava. Vozes
perguntaram dentro da noite:
– Que é que há?
Baiano velho trovejou:
– Não tem luz!
Vozes concordaram:
– Pois não tem mesmo.
Foi preciso explicar que era um desaforo.
Homem não é bicho. Viver nas trevas é cuspir no progresso da humanidade. Depois
a gente tem a obrigação de reagir contra os exploradores do povo. No preço da
passagem está incluída a luz. O governo não toma providências? Não toma? A
turba ignara fará valer seus direitos sem ele. Contra ele se necessário.
Brasileiro é bom, é amigo da paz, é tudo quanto quiserem: mas bobo não. Chega
um dia e a coisa pega fogo.
Todos gritavam discutindo com calor e
palavrões. Um mulato propôs que se matasse o chefe do trem. Mas João Virgulino
lembrou:
– Ele é pobre como a gente.
Outro sugeriu uma grande passeata em Belém
com banda de música e discursos.
– Foguetes também?
– Foguetes também.
– Be-le-za!
Mas João Virgulino observou:
– Isso custa dinheiro.
– Que é que se vai fazer então?
Ninguém sabia. Isto é, João Virgulino sabia.
Magarefe-chefe do matadouro de Maguari, tirou a faca da cinta e começou a
esquartejar o banco de palhinha. Com todas as regras do ofício. Cortou um
pedaço, jogou pela janela e disse:
– Dois quilos de lombo!
Cortou outro e disse:
– Quilo e meio de toicinho!
Todos os passageiros magarefes e auxiliares
imitaram o chefe. Os instintos carniceiros se satisfazem plenamente. A
indignação virou alegria. Era cortar e jogar pelas janelas. Parecia um serviço
organizado. Ordens partiam de todos os lados. Com piadas, risadas, gargalhadas.
– Quantas reses, Zé Bento?
– Eu estou na quarta, Zé Bento!
Baiano velho quando percebeu a história
pulou de contente. O chefe do trem correu quase que chorando.
– Que é isso? Que é isso? É por causa da
luz?
Baiano velho respondeu:
– É por causa das trevas!
O chefe do trem suplicava:
– Calma! Calma! Eu arranjo umas velinhas.
João Virgulino percorria os vagões apalpando
os bancos.
– Aqui ainda tem uns três quilos de colchão
mole!
O chefe do trem foi para o cubículo dele e
se fechou por dentro rezando. Belém já estava perto. Dos bancos só restava
armação de ferro. Os passageiros de pé contavam façanhas. Baiano velho tocava a
marcha de sua lavra chamada Às armas cidadãos! O taioquinha embrulhava no
jornal a faca surrupiada na confusão.
Tocando a sineta o trem de Maguari fungou na
estação de Belém. Em dois tempos os vagões se esvaziaram. O último a sair foi o
chefe muito pálido.
Belém vibrou com a história. Os jornais
afixaram cartazes. Era assim o título de um: Os passageiros no trem de Maguari
amotinaram-se jogando os assentos ao leito da estrada. Mas foi substituído
porque se prestava a interpretações que feriam de frente o decoro das famílias.
Diante do teatro da paz houve um conflito sangrento entre populares.
Dada a queixa à polícia foi iniciado o inquérito
para apurar as responsabilidades.
Perante grande número de advogados,
representantes da imprensa, curiosos e pessoas gradas, o delegado ouviu vários
passageiros. Todos se mantiveram na negativa menos um que se declarou
protestante e trazia um exemplar da Bíblia no bolso. O delegado
perguntou:
– Qual a causa verdadeira do motim?
O homem respondeu:
– A causa verdadeira do motim foi a falta de
luz nos vagões.
O delegado olhou firme nos olhos do
passageiro e continuou:
– Quem encabeçou o movimento?
Em meio da ansiosa expectativa dos presentes
o homem revelou:
– Quem encabeçou o movimento foi um cego!
Quis jurar sobre a Bíblia mas foi
imediatamente recolhido ao xadrez porque com a autoridade não se brinca.
Histórias de humor. São Paulo: Scipione, 2004.
segunda-feira, 17 de setembro de 2012
domingo, 16 de setembro de 2012
Ismália - Alphonsus de Guimaraens
Quando Ismália enlouqueceu,
Pôs-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar.
No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...
E, no desvario seu,
Na torre pôs-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...
E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...
As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...
sexta-feira, 14 de setembro de 2012
O repórter policial - Stanislaw Ponte Preta
Vi hoje a foto no jornal Zero Hora, de Porto Alegre. Confesso que senti náuseas. A publicação dessa foto não poderia ser evitada? Por que tanta necessidade de sensacionalismo? Apenas para vender jornal? Agora eu encontrei a mesma foto no google. Aí está.
O texto abaixo, do Stanislaw Ponte Preta, ajuda a pensarmos um pouco sobre parte de nossa imprensa.
O reporter policial, tal como o locutor esportivo, é um camarada que fala uma língua especial. Imposta pela contingência: quanto mais cocoroca, melhor.
Assim como o locutor esportivo jamais chamou nada pelo nome comum, assim também o repórter policial é um entortado literario. Nessa classe, os que se prezam nunca chamariam um hospital de hospital. De jeito nenhum. É nosocômio. Nunca, em tempo algum, qualquer vítima de atropelamento, tentativa de morte, conflito, briga ou simples indisposição intestinal, foi parar num hospital. Só vai pra nosocômio.
E assim sucessivamente. Qualquer cidadão que vai à policia prestar declarações que possam ajudá-la numa diligência (apelido que eles puseram no ato de investigar), é logo apelidado de testemunha-chave. Suspeito é Mister X. advogado é causídico, soldado é militar, marinheiro é naval, copeira é doméstica e, conforme esteja deitada a vítima de um crime - de costas ou de barriga pra baixo - fica numa destas duas incômodas posições: decúbito dorsal ou decúbito ventral.
Num crime descrito pela imprensa sangrenta, a vítima nunca se vestiu. A vítima trajava. Todo mundo se veste, tirante a Luz del Fuego, mas basta virar vitima de crime, que a rapaziada sacha ignora o verbo comum e mete lá: a vítima trajava terno azul e gravata do mesmo tom. Eis, portanto, que é preciso estar acostumado ao metier para morar no noticiario policial. Como os locutores esportivos, a Delegacia do Imposto de Renda, os guardas de trânsito, as mulheres dos outros, os repórteres policiais nasceram para complicar a vida da gente. Se um porco morde a perna de um caixeiro de uma dessas casas da banha, por exemplo, é batata... a manchete no dia seguinte dá lá: Suíno atacou comerciante.
Outro detalhezinho interessante: se a vítima de uma agressão morre, tá legal, mas se - ao contrário - em vez de morrer fica estendida no asfalto, está indefectivelmente prostrada. Podia estar caída, derrubada ou mesmo derribada, mas um repórter de crime não vai trair a classe assim à toa. E castiga na página: "Naval prostrou desafeto com certeira facada". Desafeto - para os que são novos na turma devemos explicar que é inimigo, adversário etc. E mais: se morre na hora, tá certo; do contrário, morrerá invariavelmente ao dar entrada na sala de operações.
De como vive a imprensa sangrenta, é fácil explicar. Vive da desgraça alheia, em fotos ampliadas. Um repórter de polícia, quando está sem notícia, fica na redação, telefonando pras delegacias distritais ou para os hospitais, perdão, para os nosocomios, onde sempre tem um cumpincha de plantão. O cumpincha atende lá, e ele fala: "Alô, é do Quinto? Fala Fulano. Alguma novidade? O quê? Estupro? Oba! Vou já para aí. Ou então é pro pronto-socorro: Alô. É Fulano, da Luta. Sim. Atropelamento? Ah... mas sem fratura exposta não interessa. E há também a concorrência entre os coleguinhas da crônica sangrenta, primo Altamirando, quando trabalhou nesse setor, se fez notar pela sua indiscutível capacidade profissional para o posto. Um dia, ele telefonou para o secretario do jornal:
- Alô, quem está falando é Mirinho. Olha, manda um fotógrafo aqui na estação de Cordovil, pra fotografar um cara.
- Que é que houve?
- Foi atropelado pelo trem, está todo esmigalhado. Vai dar uma fotografia linda para a primeira página.
- O cadáver está sem cabeça?
-Não.
- Então não vale a pena.
-Não diga isso, chefe. Mande o fotógrafo que, até ele chegar, eu dou jeito de arrancar a cabeça do falecido.
do livro Dois amigos e um chato. São Paulo: Moderna, 1986.
Samba do approach - Zeca Baleiro
Venha provar meu brunch
Saiba que eu tenho approach
Na hora do rush
Eu ando de ferryboat...
Saiba que eu tenho approach
Na hora do rush
Eu ando de ferryboat...
Eu tenho savoir-faire
Meu temperamento é light
Minha casa é hi-tech
Toda hora rola um insight
Já fui fã do Jethro Tull
Hoje me amarro no Slash
Minha vida agora é cool
Meu passado é que foi trash...
Meu temperamento é light
Minha casa é hi-tech
Toda hora rola um insight
Já fui fã do Jethro Tull
Hoje me amarro no Slash
Minha vida agora é cool
Meu passado é que foi trash...
Fica ligado no link
Que eu vou confessar, my love
Depois do décimo drink
Só um bom e velho engov
Eu tirei o meu green card
E fui pra Miami Beach
Posso não ser pop-star
Mas já sou um noveau riche...
Que eu vou confessar, my love
Depois do décimo drink
Só um bom e velho engov
Eu tirei o meu green card
E fui pra Miami Beach
Posso não ser pop-star
Mas já sou um noveau riche...
Eu tenho sex-appeal
Saca só meu background
Veloz como Damon Hill
Tenaz como Fittipaldi
Não dispenso um happy end
Quero jogar no dream team
De dia um macho man
E de noite drag queen...
Saca só meu background
Veloz como Damon Hill
Tenaz como Fittipaldi
Não dispenso um happy end
Quero jogar no dream team
De dia um macho man
E de noite drag queen...
quarta-feira, 12 de setembro de 2012
terça-feira, 11 de setembro de 2012
Quero sofrer por amor
Quero dosar as emoções
fazer a catarse
correta
que resta a um poeta.
Sofrer por amor
não sofrer por futebol
e mandar para o inferno
a inveja
a gula
o medo
me embriagar de amigos
amores
e humor
seus prazeres
flores
e segredos
não quero ser escravo
e propriedade
não quero me submeter
a qualquer feudo
quero teu amor
aleatório e casual
amor de ano novo
férias e carnaval...quinta-feira, 6 de setembro de 2012
Você é importante - Ricardo Azevedo
Mesmo se eu te abandonar
mesmo se eu te disser não
mesmo se eu ficar louco
e quebro tudo no chão
Mesmo se eu me encontrar
mesmo quando eu te perder
mesmo se eu nunca explicar
por que eu dei o fora
Você precisa saber
você precisa entender
pode me ouvir um instante?
Você é importante
Mas se um dia eu voltar
(tudo pode acontecer)
sei que corro o risco
de quebrar a cara
Se você me maltratar
me ferir, me desprezar
pode me ouvir um instante?
Você é, mesmo assim
você é importante
Do livro, Ninguém sabe o que é um poema. Abril Educação.
terça-feira, 4 de setembro de 2012
Mensagem
Procurava na agenda o número do
telefone da pizzaria, e dei de cara com o número do celular de um amigo, que
falecera dois dias antes.
Tive a idéia de ligar para ele, mas
só de pensar na possibilidade de ouvir sua voz, me deu calafrios.
Minha vontade foi contida pelo medo
de despertar, com tal gesto, a ira da morte. E na hora me veio a verdade
inquestionável – e a morte de meu amigo foi um exemplo disso – de que a morte
quase sempre não manda aviso prévio. Ela nos pega desprevenidos.
Minha brincadeira sinistra recebeu
o merecido troco. Ao ligar para o número do amigo que faleceu, o silêncio do
outro lado da linha foi quebrado pela seguinte mensagem da morte: “Vou ficar
mais um pouco na área de vocês, analisando, observando,... Quero saber se vocês
merecem desfrutar da plenitude da vida, que só pode experimentar quem está
vivo!”.
Suando na turbulência desses
pensamentos malucos, lembrei da crônica Mensagem,
da Heloisa Seixas, que reproduzo a seguir.
MENSAGEM
Ficou
chocado quando recebeu o telefonema sobre a morte da amiga. Ele a conhecia
havia muitos anos e nunca soubera que tivesse doença alguma. Era uma mulher
relativamente jovem, bonita, que se cuidava. Muitas vezes caminhava com ele
pela praia, sempre animada e contando casos engraçados. Tinham estado juntos
poucos dias antes. Como é possível, perguntou ao amigo comum que lhe dava a
notícia, ele também perplexo. Foi um mal súbito, respondeu o outro.
Mal
súbito. A expressão ficou ressoando em seu ouvido. Era a junção de duas
palavras fortes, incontornáveis em seu sentido, que resumiam com tirania aquela
morte para ele absurda. Mal súbito. Não podia acreditar.
Passaram-se
alguns minutos e ele ali, parado junto ao telefone, olhando para o aparelho
como se esperasse ver brotar de seus fios a explicação que buscava. De repente,
tomou um susto. Tão confuso ficou ao receber a notícia, que não havia
perguntado nada sobre o horário e local do enterro. Folheou com dedos úmidos o
caderno de telefones, procurando o número do conhecido que acabara de ligar. E,
sem querer, abriu justamente na página que trazia o telefone da amiga morta.
Estremeceu, olhando aquele nome, seguido de algarismos que já não faziam
sentido. Seus olhos ficaram turvos.
Mas
em seguida pensou que talvez fosse melhor ligar para a casa dela. Ela morava
sozinha, é verdade, mas com toda a certeza haveria alguém da família atendendo
ao telefone, justamente para informar sobre o enterro. Talvez, ligando para lá,
ele soubesse mais alguma coisa, algum detalhe que o ajudasse a aceitar o que
acontecera.
Ligou.
O telefone tocou uma, duas, três vezes e, em seguida, após um clique, ele ouviu
a última coisa que esperava ouvir – a voz da amiga.
Por
um instante, ficou imóvel, apertando o bocal, os dedos muito brancos, enquanto
a voz suave da mulher morta falava com ele. Claro que num segundo se recuperou..
Claro que percebeu logo ser apenas a voz dela gravada na secretária eletrônica
– que continuara ligada.
Mas,
passado o primeiro susto, redobrou a atenção. Começou não apenas a ouvir, mas
também a escutar o que ela dizia. E constatou que não era uma mensagem comum,
apressada, como as que são gravadas pela maioria das pessoas. A amiga deixara
gravada na secretária eletrônica um recado lírico, como um poema, que,
curiosamente, até então ele nunca ouvira. No fim, ela dizia que não estava, mas
que logo voltaria – e eles se reencontrariam. E era como se houvesse, por trás
de suas palavras, um sorriso. Como se falasse de verdade com ele, a ele se
dirigisse. E era como se dissesse que estava feliz.
Ele
próprio sorria também ao repor o fone no gancho, os olhos ainda úmidos. Estava
pacificado.
Eloísa
Seixas, do livro Contos mínimos,
Editora BestSeller.
sexta-feira, 31 de agosto de 2012
Mais um sonho
Tentar despertar sonhos
noturnos para libertar o imaginário se parece com a libertação de um passarinho
da gaiola. O bicho tem medo de se libertar porque é nosso prisioneiro, e não o
queremos ver partir porque nos tornamos seu refém.
Pode ser obra do imaginário,
ou qualquer coisa absurda, mas sou ingênuo a ponto de acreditar que há no meu
inconsciente um Outro Eu, que me manipula, como se eu fosse um fantoche. Mas
confio Nele, a ponto de acreditar que Ele pode dar as respostas para as perguntas
que não consigo responder.
Às vezes imploro a esse “Eu
mais profundo” para que me ajude a me libertar, a fazer uma escolha num
universo cheio de possibilidades, que me tire a sensação de me sentir preso
numa gaiola.
Dia desses fiz um pedido aos
meus sonhos. Vocês podem rir mas, ultimamente, meus pedidos se resumem a obter
uma visão mágica de números que me façam acertar no jogo do bicho.
Como a pressão para tomar uma
decisão era intensa, pedi ao meu Daimon para que me trouxesse uma luz, me
ajudasse a escolher, entre: mudar de vez daqui e ir morar no norte do país,
para materializar um grande amor que conheci pela internet e também para ter
uma profissão mais digna, ou permanecer próximo de meu guri e de meus atuais
amigos.
Relaxei, meditei, pedi com
tamanha intensidade, que naquela madrugada recebi uma resposta através de um
sonho.
Estávamos, eu e meu filho, caminhando por entre as árvores de um bosque,
quando nisso uma enorme sucuri atacou o menino. Desesperado, ele gritou para
mim:
- Papai, me ajude!
Agi igualzinho ao Ulisses, da
Odisséia. Peleei com toda a valentia,
porque me sentia entre a vida e a morte, e tinha uma grande missão a cumprir.
Derrotei a cobra e libertei o
menino.
Acordei assustado, e durante
todo o dia permaneci atordoado com aquela mensagem do sonho.
Mesmo atordoado, não vacilei
naquele dia em jogar na “cobra”. Só jogo no primeiro dia porque, com o passar do
tempo, a rotina me conduz ao esquecimento, e eu deixo tudo como está.
Acreditem, o número da cobra
saiu dois dias depois. Deu na cabeça e no milhar!
Não tenho sorte no jogo. No
amor, pelo que eu me conheço, com o passar do tempo e com a rotina, tudo
permanece como naquela música, do Benito de Paula: “Tudo está no seu lugar,
graças a Deus, graças a Deus...”
Hoje, em vez de pedir respostas
ao meu Daimon, eu rezo para que ele me
ajude a segurar meu amor distante, como a Penélope da Odisséia. Que ela continue a tecer e desfazer o manto dos seus
sentimentos, afugentando os pretendentes que querem roubá-la de mim.
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Ele já estava lá
As pessoas por perto pareciam murchas, daquele jeito, de ideias, uns sonâmbulos, e cansei também de trocar confidências com os cães ...
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Nada a ver, menino! Baratas, sobreviventes neste planeta há 6 milhões de anos, passeiam pela sala cantarolando um samba do “Demô...
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Garota, nossos destinos têm pernas bambas e percorrem umas trilhas nada paralelas. Veja bem, você não leu Schopenhauer nem Han...