Eu podia estar num avião rumo a Fernando de Noronha, contemplando o mar azul-cartão-postal.
Mas estou aqui, duelando com a senhoria do meu cafofo, contas atrasadas e aquela sensação de fracasso latindo no calcanhar.
Piso no freio, tento acionar o velho e gasto Foda-se, que falha quase sempre.
A velha vê tudo - a caninana de olhos treinados - e a filha, ah, a filha… baixinha, com pernas talhadas pra tentação.
Uma pena não tomar mais sol. O bronzeado dela devia ser tombado pelo patrimônio afetivo da vizinhança.
Ensaiava transformar tudo aquilo num bolero barato: eu, ela, a mãe… dois passos pra lá, dois pra cá, a vida nos levando sem autorização.
Elogio as plantas “milagrosas” que cuidam na janela, embora a senhoria afogue as coitadas todo fim de tarde. Aí já penso em decapitações na praia do A. Texas, tráfico, mar gelado - e corro pro bar antes que a imaginação me mate.
Tentei ser um bom homem: nada de brigas, só minhocas disciplinadas cavoucando a fantasia das pernas da filha.
Hoje, pelo menos, o clima tá leve: a senhoria prometeu me ensinar a catar mariscos e fazer pastéis que, segundo ela, são “tudo de bom”. Vou ver se acredito.
Rapaziada, um conselho:
não batam de frente com essas entidades poderosas.
Negociem. Dancem.
Se não souberem o bolero, avancem dois passos e recuem um.
E lembrem-se:
não precisa tocar fogo na casa pra se livrar do cupim.
(B. B. Palermo)


