- Pelo que lembro, ela era a Jane, a
rainha das selvas, e estava seminua, a imagem que tenho é como se fosse um
close de suas nádegas, ela subindo numa árvore e sussurrando com o indicador
“Vem, Cadelão, vem...”, “Mais, mais, vem...”, “Sobe...”. Então a bandeira
começou a subir no mastro e era tão... mas era tão bom! Ah, Doutor, o sonho
deve ter relação com a chegada da primavera, os sabiás e os pombos se
acasalando. Doutor, acho que mostra o despertar de uma nova estação.
- Hum...
- Lembro de quando eu tinha uns seis anos
e estava com o pulso da mão direita engessado. Mamãe me dava banho, enquanto lá
fora a primavera sorria com os ipês floridos, o canto dos sabiás e os uivos dos
cães. Ela passava o sabonete por todo o meu corpo e dizia “Olha só o pintinho
do Nenê”, “Que fofo, o pintinho do nenê acordou!” Doutor, ainda bem que na
época não havia internet, câmeras nos celulares e redes sociais, senão é claro
que a perversa ia compartilhar com as amigas do grupo que vende perfumes e
cosméticos. As cretinas acreditam que têm um trabalho à altura e que contribuem
para melhorar o mundo. Tem cabimento, Doutor, essa mulherada gasta uma nota
todo mês pra se perfumar e embelezar, mas comprar um livro, que é bom, nada! O
pouco que a maioria lê são aquelas frases de autoajuda que postam no facebook,
e acreditam naquilo como a tábua de salvação, e se emperiquitam e vão pras
baladas sonhando encontrar o grande amor, ai vêm uns caras sarados com roupa de
marca, retardados com idade mental de uns 10 anos, é só prestar atenção nos
papos e nas músicas que ouvem, os fodões transam com elas, algumas até
engravidam, e dão um pé na bunda, Doutor, como é que pode, é por isso que as
igrejas e as farmácias sempre estão cheias de gente!
- Hum... E a Jane...
- Pensando agora no sonho, Doutor, o que
me vem é que ela era uma tremenda aranha e estava atraindo este minúsculo
inseto para sua teia, porque diante dela me sinto um nada, vigiado e controlado,
ela com seu poder matriarcal, enquanto eu uma reles mosca ou barata tonta, como
a do Kafka, paralisado à espera do bote... Não, Doutor, aranha aqui não é metáfora
para a boceta da ninfa, estou dizendo que ela é igual àquele aracnídeo gigante
esperando o momento certo para trucidar sua frágil presa.
- Aham...
- Se eu quero que ela me devore? Claro,
Doutor, estou ansioso pelo próximo sonho, para ouvir a doçura de sua voz e ter
o encanto de suas palavras. Sabe, Doutor, o Ulisses da Odisseia de
Homero? Ele, para não ser refém do canto sedutor das sereias, pediu aos
marinheiros que o amarrassem ao mastro do navio e tapassem seus ouvidos com
cera. Eu faria diferente: me embriagaria com seu canto e saltaria pro mar, com
o mastro e tudo, e desfrutaria do mais intenso gozo, mesmo que fosse o
derradeiro em minha vida.
- Hum...
- Como pode, Doutor, o que ganhei ao
sonhar com a ninfa foi uma tremenda esguichada de porra no meu pijama às cinco
horas da manhã!
(Diário de B. B. Palermo)
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