Paira no ar um desejo
messiânico de chuva.
Cada um de nós está ansioso
para captar com suas câmeras
pingos prateados despencando do céu,
transbordando de júbilo
humanos, plantas e animais.
Somos viciados nos chutes dos meteorologistas,
suas análises das imagens dos satélites
entupindo os noticiários,
e o que nos resta são os papos
compartilhados o tempo todo
e em todo lugar:
"Amiga, não suporto mais esse calor!".
"Gente, vocês viram quantos graus marcava
o termômetro da praça?".
"Bem feito! O homem tá pagando o preço
pela sua destruição das matas e vertentes!".
Um dia qualquer despencarão dos céus
toneladas de água.
Então redirecionaremos nossas preciosas metralhadoras
para outros assuntos ainda mais nobres:
"Esse BBB é um lixo! Eu que não perco meu precioso tempo
vendo essas coisas!".
"Viram só? O povo só quer saber de festa e aglomeração,
não tão nem aí pro Covid!".
Até em pesadelos eu imploro pela chuva.
Tenho caprichado na ingestão de
líquidos,
é pau a pau a disputa entre água e
cerveja.
Acho que é por isso que venho tendo
uns sonhos estranhos nas madrugadas
mornas.
Estou olhando pro alto e, então, pregos
atingem minha cabeça,
e a massa cinzenta do meu cérebro
se espalha no ar feito chafariz,
como se fosse lava a jato funcionando a
todo vapor,
e não dá outra, a enchente vai
entupindo
sarjetas e bueiros.
Tem algo que eu possa fazer,
enquanto a chuva não vem
e esse calor não abranda?
E se eu tenho superpoderes,
mas nunca me preocupei com isso?
Às vezes desconfio dessa conversa
de que somos limitadíssimos,
de que não passamos de vermes
passeando na lua cheia.
Danem-se as dúvidas.
Nessas alturas escolho tranquilamente
o meio-termo:
metade água, metade cerveja.
(B. B. Palermo)