domingo, 24 de janeiro de 2010

ANOTAÇÕES

para evitar as náuseas
e a sedução do nada
corro me alimentar
de anotações que fiz e escondi
dentro dos livros.

Algumas delas me trazem à superfície
e drenam os pulmões com vida.
Fazem rir de mim
e até sentir uma certa saudade ao descobrir,
nas promessas que fiz em forma de frases,
o quanto me escondi atrás de um menino sonhador.


Hoje acordei com uma música do Raul
martelando na cabeça.
Batem, rebatem,
sempre os mesmos versos:
"Um psiquiatra disse para que eu me esforçasse
e tentasse voltar à vida...
E eu parei de tomar ácido licérgico
e fiquei quieto
lambendo as minhas próprias feridas".

Os bilhetes que rabisquei
e guardei entre as quatro paredes dos livros
são a droga e o remédio
que mandam pra outros lares
o tédio.

quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

QUEM SABE OUTRO DIA



Não cospe no prato que você comeu. Foi a lição que me veio, límpida, e lúcida. Mas os insensatos, maioria que habita nosso planeta, a desprezam. Pisam, esmagam o território onde se criaram, e as pessoas que cimentaram o chão que lhes serve de apoio.


Almoçou com outro, totalmente insensível, que eu observei. Enquanto comia, ele só reparava nos negócios que ia realizar pela tarde. Fazia sim com a cabeça aos sussurros dela, sem tragar o mínimo do que ela ofertava com a boca. Seus dentes retalhavam o bife e a alface, impacientes com o assunto que ela colocava na sobremesa.


Não importa se eram conversas ensaiadas do dia-a-dia “Será que vai chover?”, “Mas que tempo meio louco!”, ou se eram propostas de uma tarde inesquecível, os dois mergulhados em banheiras e deitados em redes de orgias, de motel em motel, champanhe, espelhos, pelo norte e pelo sul da cidade.


Só que para ele, naquele dia, as conversas eram pasteurizadas, as músicas do sistema de som do restaurante todas se pareciam. O negócio que estava bem atado para aquela tarde era de, pelo menos, cinqüenta mil reais. Já a relação que ele poderia atar com essa jovem estudante, pouco o entusiasmava. Por causa dos negócios? Por que estava separado há pouco, e as feridas não haviam cicatrizado? Por que sua separação havia trazido um rombo em seu capital? Isso eu não sei.

Ela se foi, ele na frente, apressado, pois tempo é dinheiro, ela tentava não perdê-lo de vista, remoendo seus planos, pensados e revistos para aquela tarde. Planejara passar a tarde com ele, seria o máximo, tomar um sorvete num barzinho de vila, bem no meio da tarde, indiferentes aos negócios.


Não queria solucionar os problemas do mundo. Queria apenas estender sua teia, e que ele recebesse, o mínimo que fosse, uma torrente de amor que se desprendia dessa teia. Acreditava que ele soubesse como era importante um cativar o outro, como lera no Pequeno Príncipe. Cativar, cativar era a teia que ela desejava jogar, como um poncho, sobre seus ombros.


Restou a mesa cheia de restos, pratos, talheres, copos. Ela se foi, mas deixou para mim sua boca, emoldurada a batom no guardanapo, com o seguinte recado de seus lábios: “Quem sabe outro dia?”

terça-feira, 19 de janeiro de 2010

O DEUS DE ZILDA ARNS



Ontem à noite estava assistindo a um programa de TV na BAND chamado “É tudo improviso”. Nesse programa atores e platéia contracenam, sem seguir um roteiro prévio - um tema, quais as falas, etc. - e, portanto, não é possível saber o que vai acontecer no final.


Ao assistir esse programa de TV me veio uma certa necessidade de estabelecer uma relação com um livro que estou lendo nesses dias: Jogos para atores e não atores, de Augusto Boal – Civilização Brasileira, 2008. O programa da BAND é interessante porque vai de encontro à seguinte idéia de Augusto Boal: “Todo mundo atua, age, interpreta. Somos todos atores. Até mesmo os atores! Teatro é algo que existe dentro de cada ser humano, e pode ser praticado na solidão de um elevador, em frente a um espelho, no maracanã ou em praça pública por milhares de espectadores. Em qualquer lugar... até mesmo dentro dos teatros.”


O programa da BAND possibilita que o público seja co-autor e co-ator do espetáculo. Isso, com certeza, causa nele um efeito mais interessante do que assistir passivamente a performance dos atores, os quais ensaiaram exaustivamente tal performance. Nesse programa há um encurtamento, ou eliminação da distância entre atores e não-atores.


Mas parece que falta algo, um “quase”, a esse programa, mesmo que ele seja muito mais criativo e inventivo se comparado às novelas e ao Big Brother. O “quase” que lhe falta é o de despertar nos sujeitos uma consciência e um desejo de mudar a realidade. Se por um lado “É tudo improviso” traz a platéia para o meio do palco, por outro ele segue o modelo de outros programas de TV, que é o de ter como alvo o mero entretenimento, ou a diversão pela diversão.


Para Augusto Boal, “o teatro deve ajudar-nos a conhecermos melhor a nós mesmos e o nosso tempo. O nosso desejo é o de melhor conhecer o mundo que habitamos, para que possamos transformá-lo da melhor maneira. O teatro é uma forma de conhecimento e deve ser também um meio de transformar a sociedade. Pode nos ajudar a construir o futuro, em vez de mansamente esperarmos por ele”.


Temos a realidade “real” e temos a realidade ficcional, que a arte (teatro, novela, etc.) nos apresenta. O objetivo de Augusto Boal, através de sua proposta teatral, é de que o teatro seja uma ferramenta que leve o sujeito (ator/não-ator, enfim, todos os sujeitos) a tomar consciência da realidade opressora que o cerca, e a buscar superar essa realidade. Nesse sentido, os temas que vão ser encenados na ficção são temas sociais que escravizam e tiram a liberdade dos sujeitos - como os preconceitos raciais e sexuais, o machismo, etc., tão presentes nas últimas décadas do Século XX e início do XXI.


O que cada vez mais anda em falta é recebermos um abalo (quantos graus?) da realidade. Enquanto a tragédia rola solta nas telas de TV dentro de nossas casas (O Haiti é ou não é aqui??; o terremoto é real, quando visto através de fotos diante da tela do computador?? ), nosso tempo desmancha no ar dada a preocupação com as fofocas (ficcionais ou não), com nossa turminha do orkut, onde nos exibimos com fotos, vídeos e frases “inteligentes” que copiamos dos livros. Compartilhamos tanta coisa e tanto tempo com a nossa tribo, que não sobra tempo para nos engajarmos em missões mais “nobres”, como a da Dr. Zilda Arns e outros (as), que estão espalhados pelo Brasil e pelo resto do mundo, agindo de fato em prol de um mundo melhor.


Parece-me que acompanhar o mundo pela TV ou pela internet (seja ou não na ficção) não produz tal choque de realidade. Ocorre o mesmo com o teatro tradicional (vale também para as novelas, etc.). Nesses, há um distanciamento entre ator e público. E, no final do espetáculo, o público não tem despertada a necessidade de melhorar o mundo, pois os atores (sejam heróis ou heroínas) já o fizeram por ele – pena que apenas no âmbito da ficção.
Da mesma forma que os atores do teatro tradicional, o Deus da maioria da população realiza, de maneira heróica, os nossos desejos, sendo o responsável pelo nosso destino. Dessa forma nós, pobres mortais, não temos nenhuma missão a cumprir. Basta depositar nas mãos de Deus, ou dos atores/heróis, nosso futuro.


Já o Deus de Zilda Arns - que morreu no Haiti trabalhando pela causa da vida, a ajuda aos pobres e às crianças – era um Deus solidário. Quem de nós está disposto a contracenar com esse outro Deus, no teatro da vida?

quinta-feira, 14 de janeiro de 2010

SAIONARA



Tanta tragédia eu vejo ao redor

terremotos, guerras, drogas

fofocas fogos de palha

por todo o lugar

a dor absurda se espalha

seja em Ijuí

seja em Araraquara

mas meus olhos se alegram

sorriem e voltam a sonhar

porque apareceu

no seu horizonte

a Saionara!

terça-feira, 12 de janeiro de 2010

MARIO QUINTANA



Eu sonho com um poema

cujas palavras sumarentas escorram

como a polpa de um fruto maduro em tua boca,

um poema que te mate de amor

antes mesmo que tu lhe saibas o misterioso sentido:

basta provares o seu gosto...

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

AMADOR

Na praia, tudo nos empurra a deixar pra depois. Aos poucos nos acostumamos ao sossego, como replay em câmera lenta. Pelo menos até uns vinte e poucos de janeiro o ritmo vai ser de tartaruga (sem querer ofender o bicho!) A não ser que alguma inspiração surja no caminho!

Lua crescente lua minguante

lua me leva pra onde for

contra a corrente ou a favor

sou amador sou amador.

A tua boca e o teu beijo

me envenenam pra onde eu for

seja em marte ou seja em Vênus

sou amador sou amador.

Saio pra rua armo barraco

tal qual lunático e agitador

mas quando ganho o teu abraço

viro amador viro amador.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Lya Luft - do livro "Perdas & Ganhos"



Não é preciso consenso

nem arte,

nem beleza ou idade:

a vida é sempre dentro

e agora.

(A vida é minha

para ser ousada.)


A vida pode florescer

numa existência inteira.

Mas tem de ser buscada, tem de ser

conquistada.

quinta-feira, 31 de dezembro de 2009

BEM ANTES DO SUS, PRECISO CUIDAR DO MEU CORAÇÃO


A partir de agora, o Instituto do coração do Hospital de Caridade de Ijuí (HCI) atenderá pelo Sistema Único de Saúde. Serão prestados serviços de Alta Complexidade em Cirurgia Cardiovascular... (...) A estimativa é de que cerca de 1,5 milhão de pessoas sejam beneficiadas com o atendimento. (Zero-hora, 31/12/2009).

Devo continuar judiando meu coraçãozinho para depois, em desespero, depositá-lo ao "deus-dará" nas mãos do SUS?

Tantas vezes o fiz trabalhar dobrado, porque comi e bebi demais.

Tantas vezes o fiz bater acelerado e descompassado, porque tive ódio, inveja, fraqueza e medo. E aí, em vez de dar-lhe folga, devorei copos e pratos cheios de coisas desnecessárias, fazendo-o trabalhar como um escravo.

Nos momentos de correr e caminhar, oportunidade para enrijecer os músculos de meu coração, deixei-me apanhar pela preguiça, e não tive tempo para ouvir a voz da razão e, muito mais, do meu coração.

Não é por acaso que coração simboliza sentimento, emoção. Se alguém te disser, meio rindo, no momento em que você estiver e-xa-ge-ra-da-men-te agressivo, "pra que tanto ódio nesse coraçãozinho!", você tem que responder: "Não meu amigo, não é meu coração que odeia, mas sim minha razão, que é a fonte e depósito de meus pensamentos. Meu coração só quer amar!".

O SUS promete cuidar de meu coração com assistência de alta complexidade, mas eu quero me antecipar a isso, e conhecer a complexidade de meus vasos, os quais permitem o sangue circular pelo meu corpo.

Certo dia fiquei espantado quando li que meus vasos sanguineos, se forem emendados uns nos outros, tem o comprimento tal a ponto de dar duas voltas em nosso planeta. E o meu caro coraçãozinho é quem bombeia sangue para toda essa extensão de mim.

Cuidar do meu coração nada mais é do que cuidar de mim. Porque, se ele parar de bater, o na-da sobre mim se abaterá.

quarta-feira, 30 de dezembro de 2009

SEM TESÃO NÃO HÁ SOLUÇÃO



Até parece que eu sei

o que ele sentiu

quando a viu.

Foi algo do tipo:


Seu cheiro me atrai e enlouquece

e quanto mais me aproximar

mais vou querer e tentar

e tentar e querer...


Até quando esse jogo vai durar, não sei.

O tempo do tesão tem sua própria duração.

domingo, 27 de dezembro de 2009

SOSSEGO


Caramba, nem nas férias temos sossego.
Responder e-mails, cortar a grama, limpar o quintal porque os vizinhos, a toda hora, nos lembram disso com suas indiretas: " -Olha que pode aparecer cobra venenosa!".
Encontrar um lugar decente para os recortes de textos de jornais, livros e cds espalhados pelos cantos.
O pior é que nem nas férias nos livramos dos lapsos. "- Cadê o bilhetinho que continha número do telefone celular e e-mail daquele contato que poderá mudar nosso destino?"
E as compras do mercado, essas ficarão comprometidas, se não levarmos um bilhetinho no bolso, nem que seja para comprar meia dúzia de coisas. Se não anotamos o que vamos comprar, carregamos pra casa um monte de supérfluos. E, o que é pior, vamos entupindo os armários com sacos plásticos, e entupindo nossa consciência com sentimento de culpa.

Mas não tem nada, não. Um dia ainda aprendo a meditar, pra deixar a mente orbitar no seu devido lugar!

sábado, 26 de dezembro de 2009

AVISO IMPORTANTE - Luis Fernando Verissimo



O uso excessivo do telefone celular

frita o seu cérebro como uma fornalha.

Não é verdade mas espalha, espalha.


(Da série "Poesia numa Hora Dessas?")

Toda Lorena

  Olhava pro fogo mágico do entardecer, que mais parecia uma lareira mandando bem em viagens noutras esferas. Me encanto ao ver minha musa p...