quinta-feira, 21 de janeiro de 2010

QUEM SABE OUTRO DIA



Não cospe no prato que você comeu. Foi a lição que me veio, límpida, e lúcida. Mas os insensatos, maioria que habita nosso planeta, a desprezam. Pisam, esmagam o território onde se criaram, e as pessoas que cimentaram o chão que lhes serve de apoio.


Almoçou com outro, totalmente insensível, que eu observei. Enquanto comia, ele só reparava nos negócios que ia realizar pela tarde. Fazia sim com a cabeça aos sussurros dela, sem tragar o mínimo do que ela ofertava com a boca. Seus dentes retalhavam o bife e a alface, impacientes com o assunto que ela colocava na sobremesa.


Não importa se eram conversas ensaiadas do dia-a-dia “Será que vai chover?”, “Mas que tempo meio louco!”, ou se eram propostas de uma tarde inesquecível, os dois mergulhados em banheiras e deitados em redes de orgias, de motel em motel, champanhe, espelhos, pelo norte e pelo sul da cidade.


Só que para ele, naquele dia, as conversas eram pasteurizadas, as músicas do sistema de som do restaurante todas se pareciam. O negócio que estava bem atado para aquela tarde era de, pelo menos, cinqüenta mil reais. Já a relação que ele poderia atar com essa jovem estudante, pouco o entusiasmava. Por causa dos negócios? Por que estava separado há pouco, e as feridas não haviam cicatrizado? Por que sua separação havia trazido um rombo em seu capital? Isso eu não sei.

Ela se foi, ele na frente, apressado, pois tempo é dinheiro, ela tentava não perdê-lo de vista, remoendo seus planos, pensados e revistos para aquela tarde. Planejara passar a tarde com ele, seria o máximo, tomar um sorvete num barzinho de vila, bem no meio da tarde, indiferentes aos negócios.


Não queria solucionar os problemas do mundo. Queria apenas estender sua teia, e que ele recebesse, o mínimo que fosse, uma torrente de amor que se desprendia dessa teia. Acreditava que ele soubesse como era importante um cativar o outro, como lera no Pequeno Príncipe. Cativar, cativar era a teia que ela desejava jogar, como um poncho, sobre seus ombros.


Restou a mesa cheia de restos, pratos, talheres, copos. Ela se foi, mas deixou para mim sua boca, emoldurada a batom no guardanapo, com o seguinte recado de seus lábios: “Quem sabe outro dia?”

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