Beiço aterrissou aqui em casa
com cara de desconfiado, óbvio,
quis me pegar com a boca na botija.
Invadiu meu lar e encarou minha alma nua.
Eu vestia um pijama surrado,
guardanapos molhados de cerveja sobre a mesa,
cobertores enrolados sobre o sofá,
folhas de jornal espalhadas pelo chão,
a pia entupida de louça pra lavar.
Ele foi logo averiguando quais livros
estavam espalhados sobre a mesa
- que drogas eu andava lendo?
Tudo se confirmou.
Alguém tinha assoprado:
Cadelão, por algum motivo surreal,
ou talvez por estar com medo de morrer,
quis encontrar algum sentido
nos livros de Allan Kardec.
Não sei se o cretino falava sério
ou se apenas debochava:
"Tu para com essa frescura de espirituosismo, Cadelão,
senão um dia desses eu pego meu 38
e dou uns tiros neste cafofo!".
Eu estava realmente oco,
creio que por ter acordado há pouco,
forçava, forçava, e não me vinha
qualquer pensamento bizarro ou austero.
Logo depois olhei pro teto e a verdade se revelou:
Beiço contara a todos os imbecis
que chamamos de amigos
o triste fim do Cadelão,
em sua fraquejada espirituosa.
Eu tenho minhas cartas na manga,
e sei que eles não compreendem,
porque não conhecem os segredos
do escritor intuitivo.
Os cretinos se encheram de existencialismo
e materialismo,
e não sabem a dimensão de minha alegria
ao captar as energias cósmicas que me acariciam
com suas lufadas inspiradoras.
Pobrezinhos desses irmãos céticos,
nunca vão acreditar que, neste exato momento,
estou sendo inspirado por Leminski e Bukowski.
Dois grandes, claro, dentre outros vários FDPs
que de madrugada sopram e assopram
versos perversos.
Meus amigos jamais vão alcançar
minhas "verdades" ocultas.
Quando ouço Mozart, por exemplo,
eu literalmente verto lágrimas,
tamanha é a alegria que a beleza da música
desse espírito da porra
assopra em minha alma.
(B. B. Palermo)
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