Montar a asa delta dos pulmões,
percorrer outros lugares, sonhar
avistar novo amor, novo lar,
novo pet, e repelir, com sofrimento,
velhos sonhos e vomitar
em banheiros fétidos dos botecos
aqueles medos.
(Ah, diriam vocês,
lá vem ele com Nietzsche
e o velho eterno retorno...).
Fodam-se, todos.
Deixei de lado papel e caneta
e poemas e caminhadas,
tive atração por flores e
garotas de maquiagem farta e,
nessas bebedeiras,
uma recaída romântica
levou-me de encontro
ao impulso automático
do imbecil Cadelão.
Restou o previsível,
o de sempre,
e agora as mãos se atrapalham
e tremem
na companhia agitada
de etílicos baratos.
Foi o suficiente pra dama
literatura
se afastar e me trair e apostar
noutros boyzinhos.
Ideias em quarentena,
pé fora do lugar,
coração despido,
num misto de fome e sede,
vou pela avenida
e me deparo com esse carnaval
fora de época,
isso depois de grampear e
lacrar minha pobre arte
nuns envelopes
e entupir a caixa do correio.
Homem que ultrapassa as nuvens.
Asas coladas com cera
o conduzem até pertinho do sol
para então despencar.
Nenhuma linha, nem cartas
para amigos ou editores
ou leitores imaginários.
Nenhuma inspiração,
a imaginação já era.
É o que dá não suportar o verdadeiro
e relativo amor e o medo de morrer
sem realizar o que não sei ao certo.
Não posso parar
vou parar de morrer
não vou mais ler
obituário de jornal.
Belchior não morreu,
e estou vazio de ideias.
Neste momento estou morto,
não passo de prédio em construção.
Sou todo tijolos e ferro e massa e
som e movimento e...
um radinho pendurado
num guindaste, no sétimo andar,
desse prédio qualquer, me chama.
A música toca e embarco num sonho.
Sigo meu caminho,
porém, em sua alucinação,
Belchior grita de lá:
"Você não sente nem vê
mas eu não posso deixar de dizer,
meu amigo, que uma nova mudança
em breve vai acontecer..."
Estou sóbrio e trêmulo e,
portanto, de mau humor,
então grito de cá:
"Foda-se, Belchior,
deixe-me respirar e silenciar e
me afastar desses vermes e vírus e
imagens e vozes que despencam
desses abismos de concreto...".
Eis que o FDP grita de volta:
"Relaxa, Cadelão,
aprenda comigo,
'tenho sangrado demais,
tenho chorado pra cachorro,
ano passado eu morri,
mas esse ano eu não morro'".
(B. B. Palermo)
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