quinta-feira, 27 de junho de 2013

Pôquer interminável I - Luis Fernando Verissimo



Cinco jogadores em volta de uma mesa. Muita fumaça. Toca a campainha da porta. Um dos jogadores começa a se levantar.
        Jogador 1 - Onde é que você vai? Ninguém sai.
Os outros - Ninguém sai. Ninguem sai.
        jogador 2 - Bateram na porta. Eu vou abrir.
        Jogador 1 - A sua mulher não pode abrir?
        Jogador 2 - A minha mulher saiu de casa. Levou os filhos e foi pra casa da mãe dela.
        Jogador 1 - Sua mulher abandonou você só por causa de um joguinho de pôquer?
jogador 2 - E que nós estamos jogando há duas semanas.
jogador 1 - E dai?
Jogador 2 - Ela disse: "Ou os seus amigos saem, ou eu saio".
jogador 1 - Ninguém sai.
        Os outros - Ninguém sai. Ninguem sai.
        (A campainha toca outra vez. O dono da casa vai abrir, sob
o olhar de suspeita dos outros. É um garoto. O garoto se dirige ao
Jogador 1).
        Garoto - A mãe mandou perguntar se o senhor vai voltar
para casa.
Jogador 1 - Quem é a sua mãe?
Garoto - Ué. A minha mãe é a sua mulher.
        Jogador 1 - Ah. Aquela. Diz que agora eu não posso sair.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
        Garoto - Eu trouxe uma merenda para o senhor.
        jogador 3 - Epa. O golpe do sanduíche. Mostra!
        Jogador 4 - Vê se não tem uma seqüência dentro.
        jogador 1 - Não tem nada. Só mortadela.
        Garoto - A mamãe também mandou pedir dinheiro.
        (todos os jogadores cobrem as suas fichas.)
        Todos - Ninguém dá. Ninguém dá.
        Jogador 1 - Diz pra sua mãe que eu estou com um four de ases na mão. Como ninguém vai ser louco de querer ver, esta mesa é minha e nós estamos ricos.
        Jogador 2- Se você tem four de ases então tem sete ases no baralho, porque eu tenho trinca.
        Jogador 1 - Diz pra sua mãe que o cachorrão falhou.
        (toca o telefone. O dono da casa se levanta para atender.)
        Jogador 3 - Mas o quê? Não se joga mais? Ninguém sai.
        Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
        (Apesar dos protestos, o dono da casa vai atender o telefone. Volta.)


jogador 2 - Era a mulher do Ramiro dizendo que o nené já vai nascer.
Jogador 4 - O Meu filho vai nascer. Tenho que ir lá.
        Jogador 6 - Ninguém sai.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
        Jogador 4 - Mas é o meu filho.
        Jogador 3 - Você vai pro batizado. Quem é que joga?

Um comentário:

  1. Esse conto é muito bom! Sempre dou muitas risadas com Luis Fernando Veríssimo.

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