terça-feira, 16 de novembro de 2010

Paulo Bentancur - A palavra desenha o mundo




No início de novembro pude assistir palestra com o escritor, oficineiro e crítico literário gaúcho Paulo Bentancur. Grande palestra, com texto poético, pegando de surpresa boa parte do público, acostumado a textos mais modestos, introdutórios. O autor é finalista, na categoria de livro infanto-juvenil, ao concurso Açorianos de literatura. Vai a seguir entrevista que retirei do seu blog.



- Há mais de 20 anos você é crítico literário, julgando outras obras e escritores. Qual o critério que utiliza para avaliar as próprias publicações?

 Diria que se procuro ser justo com os outros autores que comento, comigo prefiro (claro, exagerando um pouco) até mesmo ser injusto. Exijo ao máximo de mim (e nem seria bom que exigisse menos que isso). Um bom livro deve ser criativo na trama, ter personagens interessantes e uma linguagem saborosa, com ritmo, quase musical, e ao mesmo tempo fácil de ler. Não posso, como crítico, abrir mão de encontrar isso em qualquer livro que analiso. A diferença é que quando se trata de um livro meu, bom, aí então eu levo essa exigência a um nível extremo. Procuro, em resumo, escrever o livro que eu, como leitor, sonho um dia encontrar para ler. Difícil chegar a tanto, mas não custa tentar (risos).


- Você já escreveu para o público adulto e também para o infantojuvenil. Qual a diferença entre eles? Toda e nenhuma.

Nenhuma porque quando se escreve, busca-se uma doação sem a qual o artista não é artista, mas mero prestidigitador. Entregando-se inteiro ao que conta, vai junto como ser, e acontece junto de sua história, entregando aos leitores um livro que vale uma pessoa inteira e suas obsessões e encantamentos. E também, nos aspectos externos, há toda uma diferença. Isto porque o público adulto, bem, a gente nunca fica sabendo quem é. O infantojuvenil é que faz com que você, como autor, seja convidado a ir nas escolas, e é entrevistado daquela forma livre e espontânea, típica das crianças e adolescentes: perguntam de tudo. A garotada não se intimida na hora da curiosidade. Os leitores adultos já são mais dados a uma reserva compreensível, o que é raro quando se trata de jovens. Quando publico para adultos, acontece uma sessão de autógrafos, sai crítica na imprensa, com sorte ganho algum prêmio, e o resto é um enigma só. Quando publico infantojuvenil, fazem encenações sobre os meus livros, cartazes, me escrevem cartinhas manuscritas lá do interior, mandam recado até pelo Orkut – é uma festa!


- Já são cerca de 30 obras publicadas e sempre com uma história diferente. Como surgem as ideias para escrever os livros?

Como surgem todas as idéias em todas as cabeças de qualquer pessoa. Imprevisivelmente (a gente deve estar sempre de “portas” e “janelas” abertas; no sentido figurado, claro), ao acaso, como quem sai para brincar no parque e nem sabe o que vai acontecer e então se depara com muitos fatos. A vida nos apronta muitas surpresas. Basta não ter medo de imaginar. No fundo, bem lá no fundo, todos nós já temos, como quando estamos sonhando, histórias prontas à espera de que a gente as descubra e as traga para fora de nossa mente e as coloque no papel. Eu sempre sento na frente no computador quase que não tendo a mínima ideia do que vou escrever. Eu disse "quase". Evidentemente, há um projeto básico, um desejo forte que me impele para a frente mas não se mostra visível enquanto não escrevo as primeiras frases. Começo então a escrever, inevitavelmente. De acordo como está o meu espírito nesse dia. E as coisas vão rolando (como uma bola que eu fosse chutando)... e a história tranca aqui, destranca ali, tranca de novo, mas, de repente, acontece! Quando termino um livro, surpreendo-me e digo para mim mesmo: “mas então era isso que eu tinha para contar?!”


- No livro “Três pais” você associa Hamlet com o livro. Como isso acontece

Desconfio que muitas das histórias já escritas no mundo de alguma forma dialogam umas com as outras. No caso do Hamlet, o príncipe é visitado pelo fantasma de seu pai que foi assassinado, pai que pede vingança ao filho, e Hamlet sofre com a presença paterna a exigir dele a difícil justiça e, ao mesmo tempo, o príncipe também sofre com a ausência desse pai, que já não pode se defender. Na outra história, “Carta ao Pai”, do Kafka, o filho acusa o pai de ter sido muito duro, exigente, e aí invertem-se os papéis: é o filho que deseja justiça. E na terceira história, criada por mim, “Pai embrulhado para presente”, eu narro a história de um pai que é desafiado a ficar longe das duas filhas para vencer na carreira, no trabalho. Mas a realização profissional, nesse caso, quase arrisca colocar o afeto pra escanteio. Bom seria ter os dois em seu ponto máximo... Mas é o caso de buscar equilibrar as prioridades, a afetiva e a material – obviamente não excludentes. Naturalmente, esse pai jamais vai parar de trabalhar, ele prefere enfrentar alguns sacrifícios porém sua escolha principal, ali, é ficar sempre perto das filhas. Entre a glória e a fortuna ou o afeto (na verdade uma questão que não podemos aceitar que seja posta assim), ele escolhe o afeto como glória e fortuna legítimas. Dele, do amor paterno, tirará a energia para construir o resto. E aí, voltando ao Hamlet da pergunta, a angústia que se apodera do príncipe que precisa denunciar o assassino de seu pai – o tio! –, é o afeto a força decisiva para que ele crie a coragem nunca antes demonstrada. Afinal, sem afeto de que adiantaria existirem pais e filhos? Que sentido e sabor teria, enfim, a vida?

(Entrevista a Melissa Stranieri)

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