terça-feira, 20 de abril de 2021
REFUGIADO NO LAR
Refugiado no meu lar,
ouço sirenes reais e imaginárias,
tanques meia boca dos quartéis,
eles me conduzem ao banheiro
onde sou refém de uns impulsos
que sintetizam a muita vontade de vomitar
e quase nenhuma lembrança de sexo.
Eis a guerra real do terceiro milênio
que encorajou minhas neuroses
a ponto de colocarem em dúvida
se de fato estou vivo.
Sou especialista em pesquisas no Google
e outras plataformas
com meu aparelho de três mil.
Sei bem demais dos alimentos para baixar o peso,
alimentos para aumentar a massa muscular
e para aumentar minha potência sexual.
Um solitário mochileiro das galáxias,
fiel aos puteiros quase falidos,
devido à fuga dos amantes
encagaçados pelo Covid.
Observo minhas mãos limpas
de crimes e de atitudes pouco edificantes
e isso é o que menos importa,
a cabeça é que não anda boa,
fora mais atrevida e sonhadora,
hoje está enferrujada e barulhenta
como portão de prédio abandonado...
Meus olhos cansados pela ressaca
da noite de ontem
estão indiferentes.
Se você quiser se inspirar,
vai se deparar com coisas nada confiáveis.
Uma música do Raul diz que "as pedras
sonham sozinhas no mesmo lugar".
Eu deliro e sambo na avenida, de madrugada,
e também me triplico atrás de namoradas virtuais.
Me jogo pra todo canto,
caio, levanto, sou pior do que pedra,
ainda tenho uma visão romântica
do amor.
(B. B. Palermo)
segunda-feira, 19 de abril de 2021
Janela sobre a palavra (VI) - Eduardo Galeano
A letra A tem as
pernas abertas.
A M é um sobe-desce que vai e vem entre o céu e o inferno.
A O, círculo fechado, asfixia.
A R está evidentemente grávida.
- Todas as letras da palavra AMOR são perigosas- comprova Romy Díaz-Perera.
Quando as palavras saem da boca, ela as vê desenhadas no ar.
sábado, 17 de abril de 2021
Aquela voz
Disse uma voz,
atravessando-se num sonho meu,
de madrugada:
"Um dia nós vamos revelar
segredos cabeludos
de
você!".
(Pensamentos & Poemas Espirituosos)
O fogo que nos transforma
Como o
milho duro, que vira pipoca macia, só mudamos para melhor quando passamos pelo
fogo: as provações da vida. A transformação do milho duro em pipoca macia é
símbolo da grande transformação por que devem passar os
homens, para que eles venham a ser o que devem ser. O milho de
pipoca somos nós: duros, quebra-dentes, impróprios para comer, mas que, pelo
poder do fogo, podemos, repentinamente, voltar a ser crianças!
Mas a
transformação só acontece pelo poder do fogo. O milho de pipoca que não passa
pelo fogo continua a ser milho de pipoca. Assim acontece com a gente. As
grandes transformações acontecem quando passamos pelo fogo. Quem não passa pelo
fogo fica do mesmo jeito, a vida inteira.
O fogo é
quando a vida nos lança em uma situação que nunca imaginamos. Pode ser fogo de
fora: perder um amor, perder um filho, ficar doente, perder um emprego, ficar
pobre. Pode ser fogo de dentro: pânico, medo, ansiedade, depressão --
sofrimentos cujas causas ignoramos.
Há sempre
o recurso dos remédios que apagam o fogo. Sem fogo, o sofrimento diminui. E com
isso a possibilidade de grande transformação. Imagino que a pobre pipoca,
fechada dentro da panela, lá dentro, ficando cada vez mais quente, pense que a
sua hora chegou: "Vou morrer".
De dentro
de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar destino
diferente. Mas, subitamente, a transformação acontece: pum! -- e ela aparece
como outra coisa, completamente diferente, algo que ela mesma nunca havia sonhado.
Mas
existem pessoas PIRUÁS, que, por mais que o fogo esquente, se recusam a mudar.
Elas acham que não pode existir coisa mais maravilhosa do que o jeito delas
serem. Ignoram o dito de Jesus: "Quem preservar a sua vida,
perdê-la-á". A sua presunção e o seu medo são a dura casca do milho que
não estoura. O destino delas é triste. Vão ficar duras a vida inteira. Não vão
se transformar na flor branca macia. Não vão dar alegria para ninguém.
Terminado
o estouro alegre da pipoca, no fundo da panela, ficam os piruás, que não servem
para nada. Seu destino é o lixo. Quanto às pipocas que estouraram, são adultos
que voltaram a ser crianças e que sabem que a vida é uma grande
brincadeira...
(Rubem Alves)
sexta-feira, 16 de abril de 2021
Milionária
Tudo ao seu redor
parecia uma cascata furiosa
depois da tempestade.
Mas dentro dela havia
uma fonte cristalina,
nascida das coisas simples da vida.
Nada de mansões, carros de luxo,
grandes negócios.
Ela medita, faz Ioga,
gosta de bichos e plantas.
Ela aprendeu a ser milionária
emocionalmente.
(Pensamentos & Poemas Espirituosos)
Anjo
Anjo -
Ser celestial metediço na vida terrena,
uma espécie de Relações-públicas
de Nosso Senhor.
Mario Quintana
quarta-feira, 14 de abril de 2021
Não há vagas - Ferreira Gullar
O preço do feijão
não cabe no poema.
O preço do arroz
não cabe no poema.
Não cabem no poema o gás
luz e telefone
a sonegação
do leite
da carne
do açúcar
do pão
O funcionário público
não cabe no poema
com seu salário de fome
sua vida fechada
em arquivos
Como não cabe no poema
o operário
que esmerila seu dia de aço
e carvão
nas oficinas escuras
- porque o poema, senhores,
está fechado:
"não há vagas"
Só cabe no poema
o homem sem estômago
a mulher de nuvens
a fruta sem preço
O poema senhores,
não fede
nem cheira
terça-feira, 13 de abril de 2021
Onírico e passional
Tinha um bom coração.
Ele não era cardíaco,
era cordial.
Não tinha gordura localizada,
fazia abdominal.
Não acreditava nos anjos,
mas se esforçava pra ser
angelical.
Tinha pena dos fracos,
e a cabeça dava pinotes
quando achava que os fortes
mereciam a pena capital.
Ao ser questionado
por alguma atitude imoral,
dava nos dedos e xingava os amigos
com habilidade digital.
Seu poder bélico não era magistral,
tanto que no final sempre aparecia
um desconforto intestinal.
Não vivia à margem.
Não era marginal.
Nem tinha qualquer poder letal.
No fundo no fundo ele era
exageradamente onírico
e passional.
(Pensamentos & Poemas Espirituosos)
segunda-feira, 12 de abril de 2021
Cobra humana
Dia de receber o Auxílio
do Governo.
Um mar de gente na fila,
dobrando esquinas,
parecendo uma cobra
gigante.
As pessoas procuram no celular
novidades para passar o tempo.
Impaciente, a cobra humana
mal se move...
(Pensamentos & Poemas Espirituosos)
domingo, 11 de abril de 2021
MORREU DE TRISTEZA
Nos atestados de óbito,
médicos relatam que
X morreu de causa externa,
Y morreu de causa violenta,
Z morreu de causa natural.
Um dia ainda vou encontrar
um atestado, dizendo:
Dona Tereza morreu de tristeza.
Seu Adão morreu de solidão.
(Pensamentos & Poemas Espirituosos)
A velha cidade não sai de dentro de você
O ar irresponsável juntou-se à fuligem e estão deixando o mundo em polvorosa. Moços, velhos e crianças se desmontam em tosse e espirros....
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Nada a ver, menino! Baratas, sobreviventes neste planeta há 6 milhões de anos, passeiam pela sala cantarolando um samba do “Demô...
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Garota, nossos destinos têm pernas bambas e percorrem umas trilhas nada paralelas. Veja bem, você não leu Schopenhauer nem Han...