quarta-feira, 16 de setembro de 2015
segunda-feira, 14 de setembro de 2015
Um apólogo - Machado de Assis
Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora? A senhora não é alfinete, é agulha. Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa! Porque coso. Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você? Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser. Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco? Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas? Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha:
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico.
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!
(Do livro Meus primeiros contos. Editora Nova Fronteira).
sexta-feira, 11 de setembro de 2015
Solução
Se a vida anda ácida
se tudo se arrasta
se um dia vale a pena
e noutro perde a graça
se a coisa não engrena
se a mula encascata
se a escada desmorona
diz um palavrão
te erga desta lona
se um dia você é tudo
e noutro dia é nada
a solução já foi testada:
um dia chupe limão
no outro limo
nada.
(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)
sexta-feira, 4 de setembro de 2015
Pedro Malasartes
Pedro montou uma
tendinha de ferreiro, e ia muito bem, ferrando cavalos que apareciam por ali,
ou fazendo outros servicinhos. Certo dia apareceram na sua tenda dois
peregrinos, um moço muito suave, e um velho de barbas brancas. Malasartes
pensou que queriam encomendar algum serviço e, pelo visto, coisa de pobre devia
ser, pois usavam túnicas grosseiras, e estavam descalços. Mas queriam apenas a
forja emprestada, por pouco tempo. O mais novo pegou uma velha que ia passando
pela rua, colocou-a em cima das brasas, soprou bem, apanhou a mulher com as
tenazes, colocou-a em cima da bigorna, e deu com o malho nela com vontade.
Malasartes espiava. E o velho espiava. Malha que malha, dali a pouco, quando
deu por acabado o serviço, o moço pôs a mulher no chão e da velha tinha feito
uma moça nova, bonita, sem nenhuma ruga. A moça saiu dançando, contente.
Malasartes assuntou:
- Esse deve ser Jesus
Cristo e o seu discípulo mais velho, São Pedro.
Horas mais tarde,
apareceu sozinho, na ferraria, o discípulo.
- Ferreiro,
empreste-me a forja por uns minutos?
- Como não?
São Pedro trouxe uma
velhinha pela mão e explicou:
- Vou deixar a minha
mãe bem moça e bonita.
Pôs a mãe na forja,
soprou, soprou, e logo a tenda se encheu de cheiro de carne queimada.
- Isso não vai bem,
São Pedro.
- Vai. É assim mesmo.
Tirou os torresmos do
fogo, colocou-os na bigorna, mas quando o malho desceu, espatifou carvão e
cinza para todos os lados. Saiu o velho, porta afora, desesperado, em busca do
Mestre. Trouxe-o e Jesus ajuntou os pedacinhos da velha, arrumou, alisou, pôs
na bigorna, malhou, e fez a velha como era, com o que São Pedro ainda se deu
por muito satisfeito. Iam partir e, antes, o Mestre chamou Malasartes para um
lado e disse-lhe:
- Pelo favor que nos
fez, peça-nos o que quiser.
São Pedro logo falou:
- Peça o reino do
céu, ferreiro.
- Que reino do céu?
Reino do céu não enche a barriga. Quero que aquele que se sentar no banquinho
que está aí diante da porta, não se levante sem eu mandar.
- Concedido – disse o
Cristo – Pode pedir mais uma graça.
- O reino do céu –
bradou São Pedro.
- Lá vem ele com o
tal do reino do céu. Quero que todo aquele que subir na figueira que tenho no
quintal não possa descer sem eu mandar.
- Concedido. E agora
peça a última graça.
- O reino do céu... –
gemeu São Pedro, assombrado por aquele homem não se importar com o descanso
eterno.
- Faça o favor de não
me aborrecer com essa história do reino do céu? Quero que quem entrar no meu
surrão nunca mais possa sair sem o meu consentimento.
- Concedido.
Saíram os peregrinos
e Malasartes ficou na bigorna, malho na mão, bam, bam, bam, pensando na estranha visita daqueles homens, e nos milagres
que presenciara. E então acudiu-lhe ao espírito que se ele tivesse pedido
dinheiro, bastante dinheiro, riquezas, certamente não precisaria estar batendo
malho, para obter algum dinheirinho, para comer.
- Sou um burro. Mas
já dou um jeito nisso.
Chamou o diabo e
disse:
- Que é que você quer
para me dar dinheiro?
- Muito?
- Naturalmente que
quero muito. Barras de ouro, carteiras cheias, dinheiro que nunca se acabe
enquanto eu viver, por mais que eu gaste. Isso é o que eu quero.
- Dê-me sua alma em
troca.
- Não tem dúvida.
Daqui a vinte anos pode vir me buscar.
Malasartes, desde
então, levou vida de fidalgo. Passeava a mais não poder, gastava a rodo, tinha
roupas belíssimas, carruagens, criados, adquiriu palácios, terras, milhares de
pessoas trabalhavam para ele. A sorte nos negócios jamais o abandonava. Negócio
em que punha a mão era certo prosperar. E assim ele levou vida boa e regalada.
Depressa passou o tempo, pois tão feliz lhe corria a vida. Mal se lembrava do
seu sócio o diabo, quando um dia chegou à janela e viu diante do portão a
figura temível do Danado. Construíra Malasartes um palácio no lugar da
tendinha, mas conservara, contra as opiniões do construtor, um banquinho de
madeira junto ao portão, uma figueira ramalhuda no quintal, e a tendinha de
ferreiro ao lado.
Vendo o diabo, Pedro
Malasartes se adiantou todo amável.
- Como vai o senhor?
Veio visitar-me?
- Vim buscar você.
Vinte anos já se passaram.
- Já? – estranhou
Malasartes, sinceramente admirado. – Então o senhor sente aí no banquinho e
espere um pouco. Vou pôr as minhas coisas em ordem.
O Diabo sentou e
esperou. E esperou. E esperou. Malasartes não aparecia. Não apareceu até a
noite. O Diabo foi se levantar, para esticar as pernas, e quem disse que podia
se despregar do banquinho? Forcejou por sair e quanto mais fazia, mais preso
ficava. Malasartes estava bem passeando. Quando voltou viu o Diabo urrando como
um desesperado, sem poder sair do banquinho. Riu a mais não poder, e falou:
- Se quiser sair daí,
consinto, mas em troca de mais cinquenta anos de vida. Vida boa e riquezas como
até aqui. Veja lá, hein?! E quero ficar moço e disposto durante todo esse
tempo, como estou até agora e como foi até hoje.
O diabo não teve
remédio senão concordar. Mal se viu livre do malfadado banquinho se escafedeu
para o inferno. E eis Pedro Malasartes, às soltas pelo mundo, fazendo artes e
malandragens quanto quis, moço, disposto, rico e gozando a vida. Nessas
condições, não admira que não sentisse passar o tempo. Um dia, quando assuntou,
cinquenta anos tinham se passado e o Diabo estava na sua porta novamente.
O Malvado foi logo
dizendo:
- Não quero me sentar
em banquinho nenhum. Vá tratando de arrumar a sua trouxa e vamos para o
inferno.
- Está bom, seu
Diabo. Não precisa brigar.
Pedro malasartes foi
para dentro e ficou. Passou uma hora, passaram duas e três. No quintal, o Diabo
via a figueira carregada de lindos figos escuros, madurinhos. Ele estava com
fome, fazia muito tempo que saíra do inferno, e, guloso, subiu à figueira e
comeu os deliciosos frutos, até se fartar. Quando foi descer, quem disse que
podia?
Experimentou
escorregar pelo tronco abaixo, parava no meio. Experimentou pular, armava o
pulo, largava o corpo, nem do lugar saía. Compreendeu então que estava
prisioneiro para sempre do Malasartes. Muitos e muitos dias levou o Malasartes
para voltar. Andava também pelo mundo, fazendo artes. Quando veio, encontrou um
Diabo sucumbido de desgosto, e disse:
- Eu consinto que o
senhor saia, seu Diabo. Mas, já sabe. Amor com amor se paga. O senhor me
concede aí uns cem aninhos mais. Já sabe como: vida boa, riquezas, saúde,
mocidade...
O Diabo concordou com
tudo quanto ele quis, e por cem anos o Pedro Malasartes desfrutou da mais bela
vida que alguém já teve até hoje. Um século depois, na porta do palácio
encontrava-se o mesmo Diabo.
- Entre, Seu Diabo.
Faça o favor. Por aqui. Venha ver a tendinha que eu morava, antes que o senhor,
bondosamente, me concedesse tantos favores.
O Diabo torceu o
nariz, a essa conversa, mas foi entrando. Não quis sentar, ficou em pé. Não
quis comer coisa alguma. Recusou ficar à sombra da árvore.
- Assim o senhor se
cansa. Espere um pouquinho que vou arrumar o meu surrão e já venho.
Demorou desta vez,
mas não muito. Nem sequer saiu de casa. Dali a pouco apareceu, arrastando um
grande surrão.
- Seu Diabo, o senhor
podia ajudar a amarrar meu surrão.
O Diabo não disse
nada. Foi. Quando se abaixou para amarrar o saco, Pedro Malasartes deu-lhe um empurrão
por trás, e o enfiou rapidamente no surrão. O Diabo esperneou quanto pôde,
pererecou que deu o dia, mas viu que não poderia sair. E daí deu de implorar ao
Malasartes que o acudisse.
- Ora, Senhor Diabo.
O senhor onde está, está muito bem. Eu vou acudi-lo para que o senhor me leve
para o inferno hoje ou daqui alguns anos? Não. Fique aí e bom proveito.
Mas depois que o
Diabo prometeu que nunca mais o procuraria, permitiu que ele se fosse.
Malasartes viveu mais
alguns anos e um dia morreu. Morreu e foi direitinho para o céu. Quando São
Pedro abriu a porta e deu com ele, bradou:
- Saia já daqui, seu
herege, seu danado. Vá para o inferno! Você não quis pedir o reino do céu ao
Mestre, agora se afomente!
- Pois então eu vou
para o inferno. Lá não há de ser ruim assim como dizem.
Foi. Bateu à porta,
veio o Vadio abrir, e quando deu com Malasartes, fez uma cara muito feia e
bradou:
- Passe daqui, Malasartes.
Pensa que me esqueci do banquinho, da figueira e do surrão? Já de minha porta,
e não me apareça mais.
Com toda paciência, Malasartes
desandou o caminho e foi à porta do céu, de novo.
Ali, contou a
história a São Pedro, e pediu:
- O senhor podia me
deixar ficar aqui na porta um pouco, descansando.
São Pedro encolheu os
ombros e não se importou mais com ele. Mas, nas idas e vindas do santo
porteiro, às vezes a portava ficava entreaberta. Pela fenda, o Malasartes
atirou o boné lá para dentro. Depois, queria, porque queria ir busca-lo.
- Pois vá, e não me
amole – respondeu São Pedro.
Malasartes, mais que
depressa, entrou e ficou.
- Eu daqui não saio.
Ouvi dizer que quem entra no céu não sai mais.
E então, para que
Malasartes não ficasse fazendo artes no céu, Deus fez erguer um monte de trigo
do tamanho de todas as nuvens juntas; mandou que os anjos misturassem alpiste,
milho e feijão a esse trigo. E mandou por último que o Malasartes separasse as
espécies. Quando já está quase tudo pronto, vem o vento forte e mistura de
novo. E dizem que até hoje o Malasartes está no céu, separando o trigo.
(Do livro Lendas e fábulas do Brasil.
Selecionadas, prefaciadas e recontadas por Ruth Guimarães. Ed. Cultrix)
quarta-feira, 2 de setembro de 2015
Sonhei com Rita Lee
Sonhei com Rita Lee. Ela fazia shows pelo Sul do país. No
intervalo de um show que ela fazia na vila onde nasci fui conversar com ela.
Disse-lhe que sou seu fã desde a música “Ovelha Negra”, do disco “Fruto
proibido”, lançado em 1975. Então ela falou da importância desse disco para a
história do rock nacional que surgia na época. A grata surpresa foi quando, no
meio da conversa, a rainha do rock brasileiro pediu para que eu falasse sobre
quem era o Teco poeta sonhador...
sábado, 29 de agosto de 2015
Preferências
Em vez dos carrões engarrafados na hora do rush, prefiro o
lata-velha que desfila solitário na madrugada.
Em vez do chafariz luxuoso na entrada do shopping, prefiro
crianças brincando com mangueira d’água na periferia.
Em vez de orelhões vandalizados avenida abaixo, prefiro o
muro grafitado diante da escola.
Em vez da limpeza obsessiva com lava-jato das folhas da
calçada, prefiro a vovozinha cultivando flores no jardim.
Em vez de me exercitar monitorado por médico e personal trainer, prefiro caminhar
tomando sorvete.
Em vez de planejar passo a passo meu futuro, prefiro adoçar
o presente com sonhos e devaneios.
Em vez do silêncio dos inocentes, prefiro tomates verdes
fritos.
Em vez de estar a dois passos do paraíso, prefiro apanhar
um táxi pra estação lunar.
Em vez de ser o Poderoso Chefão, prefiro ser Dom Quixote.
Pra quem diz que é feio andar fora dos trilhos, digo que é
tão comum ser normal!
(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)
terça-feira, 25 de agosto de 2015
O enforcado - Lendas e fábulas do Brasil
Era uma vez um homem
que veio de longe, apoiado a um bordão, como um peregrino, e que, como um
peregrino, trazia sandálias de couro e roupas em farrapos. Andou dias e dias,
noites e noites, semanas e meses a fio, buscando sabe Deus o que.
Certa vez as sombras
da noite o alcançaram em pleno descampado e ele não saberia dizer se estava
longe ou perto de uma cidade, porque uma alta montanha em frente lhe fechava o
horizonte. E então, cansado de andar, vendo uma árvore copada, no campo, resolveu
nela passar a noite. Descalçou as sandálias, subiu agilmente pelo tronco,
acomodou-se entre os galhos e adormeceu, como as aves.
Em torno era tudo
silêncio. Pouco a pouco, os animais noturnos, silenciosos, saíram de suas tocas
e iniciaram a caça pelos arredores.
Era tarde já, quando
o homem acordou com um rumor de vozes humanas. Depois, ouviu um longo canto, e,
erguendo a cabeça que tinha apoiado à forquilha formada por dois galhos, viu ao
longe pequeninas luzes que ondulavam com o vento, endireitavam-se, iam de um
para o outro lado, porém caminhavam, evidentemente, para o lado onde ele
estava.
- Que será? – pensou,
com um arrepio na espinha.
Ao aproximarem-se,
reparou que eram homens vestidos com longas camisolas brancas e que levavam
velas acesas. Na frente caminhava um padre, com uma cruz nas mãos.
O homem empoleirado
esfriou.
- Será procissão das
almas? – pensava, batendo os dentes de medo. Decidiu permanecer imóvel, para
que não percebessem que ele estava ali.
Qual não foi, porém,
o seu espanto e o seu susto, quando os homens pararam justamente sob a árvore,
onde ele estava, e um deles falou:
- Qual de nós vai
subir à árvore para trazer o homem?
Viu que eles se
entreolhavam e que nenhum parecia disposto; no entanto, acabariam por se
decidir. E mal pôde falar, de tanto que tremia:
- Ninguém precisa
subir. Eu desço.
Nem podia acreditar
no que viu em seguida, tão esquisito lhe pareceu tudo aquilo. Assim que lhe
ouviram a voz os homens largaram as velas, o padre jogou a cruz para um lado, e
saíram todos correndo, como se tivessem visto, naquele momento, Satanás em
pessoa e, atrás dele, um milhão de demônios.
- Santo Deus! – gemeu
o homem, benzendo-se.
Pulou da árvore e
saiu correndo também, mas em direção oposta à dos outros.
Assim que o dia
clareou, o peregrino voltou ressabiado, curioso para ver se descobria o que
havia acontecido naquele malfadado lugar.
- Eu com medo deles e
eles com medo de mim, essa é boa! – resmungava intrigado.
Foi direto à árvore e
correu-lhe um frio pela espinha. Lá estava, balouçando no ar, um homem
enforcado.
Então, compreendeu
tudo. Os que iam retirar o criminoso enforcado, para enterrá-lo em algum
cemitério, pensaram que fora o morto quem respondeu que ia descer.
Mais tarde, quando o
peregrino chegou à cidade, havia lá uma grande agitação. Faziam-se grupinhos em
todas as esquinas, nas praças, diante da casa do padre.
Ele parou ali, para
ouvir as conversas. Diziam que um enforcado respondia ao que lhe perguntavam.
- Vai-se ver é alguém
que morreu inocente – opinavam.
- É capaz.
- Que aconteceu? –
perguntou o peregrino, acercando-se.
- Pois foi um
criminoso enforcado, fora da cidade, num angico que há no meio do campo, e
ontem à noite Seu Padre e os homens das irmandades religiosas foram buscá-lo,
para fazerem o enterro dele, que é falta de caridade deixar um corpo pendurado
para os urubus comerem. Pois não é que na hora de irem buscar o corpo, quando
confabulavam para ver quem ia subir, o defunto falou lá em cima, que não
precisava ninguém subir não, que ele descia!
O peregrino nada
disse.
Em suas andanças pelo
mundo havia aprendido que às vezes é de boa política ocultar a verdade.
Atravessou a cidade
em silêncio, em silêncio se foi, e nunca souberam os habitantes do lugar o que
havia realmente acontecido.
Do livro Lendas e
fábulas do Brasil. Selecionadas, prefaciadas e recontadas por Ruth Guimarães.
Ed. Cultrix.
segunda-feira, 24 de agosto de 2015
Morreu mesmo - Lindolfo Gomes
Um novato foi mandado
podar umas árvores. Como não tinha prática nesse serviço e era muito tapado,
apoiou a escada num dos galhos e pôs-se a serrá-lo. Passava por ali o vigário
da freguesia (o padre da paróquia) e o advertiu:
- Olha, amigo, desse
modo vens abaixo!
O moço era, além de
estúpido, teimoso. Sem dar maior atenção ao padre, continuou o trabalho.
O padre prosseguiu o
seu caminho. Vai por um pouco... Zás! Parte-se o galho e vem ao chão
tanto a escada como o podador, que ficou com um dos braços em petição de
miséria.
Quando se recuperou,
ficou admirado com a adivinhação do padre, e pensou consigo mesmo que, se o
padre tinha adivinhado seu tombo, poderia também adivinhar o dia de sua morte.
Foi ao encontro do padre e falou-lhe:
- O senhor disse que
eu ia cair da árvore e, dito e feito, caí mesmo. Bem que eu queria agora que o
senhor adivinhasse o dia da minha morte.
O padre achou aquilo
engraçado e resolveu zombar um pouco dele.
- Olha, bem sei
quando você vai morrer. Será na hora em que, indo de viagem, montado na sua
mula, você a vê soltar três puns seguidos.
O rapaz agradeceu
muito e foi-se.
Todas as vezes que
viajava, tranquilo na ruana, ia muito atento pra ver
quando a mula soltava os tais puns.
Certa feita, ao
chegar a uma volta do caminho, a mula preparou-se toda e soltou um, dois, três
puns...
O novato, que os
havia contado com o coração aos pulos e acreditando na previsão do padre,
julgou chegada a sua hora extrema, atirou-se da sela pro chão e soltou um
grito:
- Morri!
Não se moveu mais,
seguro de que estava morto.
Vai depois, passaram
por ali uns trabalhadores que deram com ele estendido no meio do caminho.
Crendo-o morto, foram buscar uma rede no vizinho mais próximo, puseram-no
dentro dela e o conduziram para sua casa, rezando todo o terço.
Lá muito adiante,
obra de uma légua, havia duas encruzilhadas.
Os homens ficaram
indecisos: qual delas seria o caminho mais curto para chegar ao cemitério?
Começaram a teimar
entre si, até que o defunto ergueu a cabeça do fundo da rede e disse-lhes:
- Olhem, amigos, no
tempo que eu era vivo, o caminho mais curto era à esquerda.
Assombrados, os
homens atiraram a rede ao chão com o defunto e tudo e fugiram em disparada.
Com a queda o rapaz
morreu de verdade.
E a adivinhação do
padre foi acertada: o bicho morreu mesmo!
(do livro Contos populares brasileiros, edições Melhoramentos)
domingo, 23 de agosto de 2015
sexta-feira, 21 de agosto de 2015
Tão tão distante...
Sonda chega ao ponto mais próximo de Plutão após nove anos de viagem
Planeta-anão fica na borda do sistema solar, na órbita mais distante do sol.
New Horizons viajou quase cinco bilhões de quilômetros no espaço.
TECO - Cara, você mora muito longe daqui?
ET - Bah, é tão longe que se começo a pensar não paro mais!!
(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)
quinta-feira, 20 de agosto de 2015
Vocês que fazem parte dessa massa
- Teco, não consigo entender como vocês humanos conseguem, ao mesmo tempo, conceber figuras históricas geniais, como Galileu, Da Vinci, Mandela, Drummond, etc. e tal, e massas tão decadentes, como racistas, fascistas, homofóbicos, intolerantes, etc.... Consegues me explicar?
- Hum... Como você anda ácido hoje. Estou me sentindo
naquela confusão intelectual que me pede pra colocar de molho todos os meus
julgamentos...
- Entendi. Você já não sabe o que é certo ou errado, bom ou
ruim... Só não me venha com o papo de que cada um tem a sua opinião.
- O que você quis dizer com isso?
- Massa. Boa parte de vocês é massa de manobra, manada que
segue o rumo que a maioria toma!
- Putz! Hoje você tá pegando pesado com os humanos, hem?
(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)
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