terça-feira, 9 de abril de 2019
sábado, 6 de abril de 2019
Pode deixar que eu resolvo
Uma
canafístula de uns 80 anos. Ela reinava no pátio, enquanto esperava a morte, e vendavais
ameaçavam jogar seus galhos pra cima de telhados de casas e prédios.
Estou
de cuecas, fugindo do banho há uns três dias e me requebrando na sala pra não
tropeçar nas garrafas vazias espalhadas pelo chão. Batem à porta. É uma gorda,
a dona da pensão, acompanhada da sobrinha, uma garota com cabelos negros
cacheados e olhos negros, mais curiosos do que tímidos.
A
dona trovejou: "Sr. Palermo, que tal servir pra alguma coisa, além de
atrasar o aluguel? O senhor não conhece um lenhador que corte aquela árvore, e
recolha toda a lenha e galhos? A vizinhança está preocupada, e enche o meu saco
nas reuniões de condomínio".
Prometi
que consultaria meus amigos pra ver se conheciam alguém confiável.
A
vida Dela é uma sucessão de penitências. Alguns anos depois de casada, perdeu o
marido e herdou uma gastrite e o intestino preso. Por algum tempo fez dietas, que
não passavam de conselhos de amigas nas salas de espera dos consultórios
médicos e dos salões de beleza. Hoje, Ela carrega livros pra todo lado, e noto que
trazem uma visão otimista da vida.
A
dona, os moradores dos prédios, o cadelão bêbado que se acha escritor e que
atrasa o aluguel, todos, no fundo, são uns "pobres". Foi o que me
veio.
Minha
pobre gorda, tenho um sentimento ambíguo a teu respeito, apesar do olhar de
escárnio que me diriges. Juro que aceito deitar ao teu lado e concentrar meu imaginário
no que foste um dia, ou no que poderias ter sido, com tuas paixões e planos e
crises de ansiedade e sentimento de inferioridade que herdaste dos pais.
Nos
primeiros meses morando ali recebi um tratamento digno, graças ao currículo que
inventei. Porém, depois de tantos porres
e musica alta tarde da noite e garrafas e copos espatifados contra as paredes
minha reputação despencou no abismo.
No bar, comento com meus amigos a respeito do drama
doméstico por causa da velha árvore. Cada um tem uma opinião diferente sobre
como proceder para matar e esquartejar uma canafístula com mais de vinte metros
de altura.
Dr. Biza agarrou a conversa e não largou mais. Desde a infância trepa nas árvores mais altas, ágil
como um macaquinho. Hoje em dia poda as árvores dos quintais da sua família,
amigos e vizinhos, e inclusive as do pátio da casa da sogra. Puteou
esses lenheiros picaretas, disse que eu devia era manter distância.
Seu
cunhado emprestaria cordas e escada e motosserra e ele botaria abaixo a "peltophorum"
por uma bagatela. (Para nosso espanto, Biza sabia inclusive o nome científico
da árvore).
A
grana seria aplicada num churrasco mais uns fardos de latões de cerveja.
Opa
- esfreguei as mãos - isso parece bom.
Para
deixá-lo mais curioso, insinuei detalhes da dona. Podia ser cheinha, mas tinha
um rosto lindo, muito expressivo, deve ter sido uma bela ninfa quando jovem. E,
pelo que recordo, tem tatuagens no dorso de um pé, nas duas panturrilhas, nos
ombros e no dorso das mãos. E, emendei, imagino que a sobrinha também deve ser
fissurada por tatuagens, embora não tenha notado, devem estar escondidas em
lugares paradisíacos, e eu quero um dia visitar esses lugares só pra me
derreter com sua beleza.
Empolgado,
Biza prometeu na tarde do dia seguinte dar uma vasculhada na gigante anciã.
Duas
da tarde do outro dia o Biza desceu do carro e marchou, como um ex-militar, em
direção à frondosa árvore. Olhou para cima, desde o tronco até o último galho,
e exclamou: "Nossa, como é grande!". Fez cálculos mentais e também com
os dedos das mãos pra saber como passar a corda nos galhos mais altos para
evitar que caíssem sobre telhados, como e onde posicionar a escada, e eu estava
curioso, e tinha receio, como meu amigo vai retalhar essa gigantona? Pensei:
"A missão Dele é bem mais complicada que a do açougueiro, que em poucas
horas transforma o boi em peças de chuletas e picanhas e costelas e etcétera e
tal".
No
momento eu senti que havia algo de errado com o Doutor. Ele ajuda tanta gente
com suas massagens e receitas de chás e palavras pra botar o sujeito pra cima,
mas não sente remorso ao assassinar uma indefesa árvore octagenária.
Com
uma cara nada convincente, Dr. Biza disse que daí a pouco teria umas consultas
e que amanhã à tarde viria com as ferramentas. Perguntei se precisava de ajuda e ele respondeu: "Pode deixar que eu resolvo".
Ontem de tarde, enquanto eu estava rodeado de putas
na casa da Janete, meu amigo foi executar a primeira parte da empreitada:
cortar os galhos mais altos, usando cordas, para evitar que caíssem sobre os telhados.
Liguei pra ele algumas vezes durante a operação, mas seu celular estava
desligado.
Eis que à tardinha recebo uma mensagem: “Fui lá mas não deu certo".
Ligo para ele. O celular está desligado. E permanece desligado durante a noite e todo dia seguinte.
Eis que à tardinha recebo uma mensagem: “Fui lá mas não deu certo".
Ligo para ele. O celular está desligado. E permanece desligado durante a noite e todo dia seguinte.
segunda-feira, 1 de abril de 2019
O desamparado quer falar
Final
de tarde, cruzo por um casal de garotos que transporta um gato numa gaiola.
O
bicho mia de um jeito estranho, e isso me angustia.
Aos
gemidos do gato, o menino e a menina, embaraçados, não sabem o que fazer, enquanto
as pessoas observam.
A
garota, com uma voz que se apegou à infância, implora para que o gato se
acalme.
A
cena me leva a pensar no meu desamparo.
Também
me sinto um felino que deixou de rosnar, livre, pelas florestas,
e
hoje dá seus miados de torturado, acorrentado numa gaiola.
Meu
desamparo se define como um sentimento de solidão misturado a uma tristeza quase
silenciosa, como o zumbido no ouvido do ancião.
Constato
que nenhuma companhia, pelo menos das pessoas que me rodeiam, aplacaria tal
sentimento.
Até
admiro essa garotada que anda em tribos, que se amparam uns nos outros,
desempenham vários papéis,
parecendo
sempre sintonizados, como se fossem irmãos mais velhos, pais, filhos, parentes,
namorados.
Gostaria
de ser assim.
Mas
não me adaptaria.
Penso
coisas fora do padrão.
Cada
vez mais desconfio e tenho medo desses jovens que andam em bandos.
Sozinhos
são umas bonecas.
Porém,
na tribo se sentem autorizados a fazer merda, como incendiar índios e mendigos
e andarilhos.
Outras
coisas me desconcertam.
Estranho
ouvir essa garotada com voz pré-adolescente falando de carros, preços e marcas,
de
gêneros musicais e filmes e pseudo-teorias filosóficas e científicas,
com
convicção e conhecimento a ponto de deixar orelhas vibrando.
Eles,
inclusive, tudo sabem sobre o comportamento e preferências dos clientes.
O
desamparado não consegue imaginar e aceitar bovinamente que a garotada vá se
escorar no mesmo gosto e visão e convicção pro resto da vida.
Essa
garotada, com sua rotina e discurso previsível,
se
assemelha aos ratos de laboratório,
cobaias
servindo a interesses maiores, que ainda bem que não sei dizer quais são.
Ouço
esses jovens universitários, empolgados pelas mesas dos bares.
Muitos
são advogados ou engenheiros ou veterinários.
O
que têm em comum é que espalham faceiramente
todo o seu saber.
As
leis que regem os contratos de casamento, regime de união e separação de bens,
obrigações e valores de pensões alimentícias, etc.
Papagaios
adoram atropelar e ultrapassar verbalmente os outros nas mesas dos bares.
Esses bandos, em tese, apenas em tese,
conhecem as dores de amores que perpassam as relações afetivas.
É
possível um sujeito transcender, ir além de ter uma casa, um carro, uma
família, um discurso padronizado,
e
questionar a linearidade e previsibilidade disso tudo?
Deve
haver uma salvação.
O
engenheiro pode ser também vocalista de uma banda, pintar quadros ou escrever
poemas, mesmo que sejam ruinzinhos.
Pode
ser voluntário num projeto social do bairro, ou cantar no coral da igreja ou
ser ativista pela causa dos animais.
Acho
que às vezes precisamos clicar na opção "mute", dar um tempo e ter
distanciamento das novelas e big brothers,
e
captar alguns momentos mágicos que poderão acordar nossa vida.
Precisamos
transcender a teoria, ir pra rua, sentir a dor do gato,
e
também as vozes agudas ou graves, infantis ou adultas, das pessoas e bichos que
nos rodeiam.
segunda-feira, 25 de março de 2019
O uso gramatical e sexual da língua
Duas
da manhã de um sábado longo e chuvoso e frio de final de março. Eu chegava em
casa do bar e da sinuca e vi estacionado por ali um Ford 1986, um carro pesadão,
símbolo de status há uns vinte e poucos anos. Era o carro do namorado ou marido
ou amante da vizinha e eu simpatizei com a atitude de o cara pousar com
ela, depois de algumas semanas afastado.
O
gesto romântico me fez pensar na diferença entre os verbos "pousar" e
"posar". Baixei o dicionário Aurelião da estante e estabeleci uma
triste ponte entre o uso da língua (gramatical, diga-se) e nosso apetite
sexual. É que esses dias o Beiço comentou, num tom de sinceridade triste, que
ia ficar com uma garota. Mas desistiu. Ela pediu pelo WattsApp se poderia
passar a noite com ele no seu apartamento, isto é, "posar". Antes de
responder a mensagem o Beiço refletiu sobre o uso que a garota fez do verbo "posar"
e concluiu que ela queria passar a noite ao seu lado fazendo pose.
Beiço
imaginou a garota com aquela lingerie especial, numa noite especial, diante de
um cara especial, desfilando até encher seus olhos.
-
Visualize a cena, Cadelão: eu sentado na cama e pousando meu olhar nas curvas
da garota, naquelas carnes e estrias e sobras e faltas e tals... e, claro, não esqueça
do seguinte detalhe, quando estamos sob o efeito do álcool a nossa visão é de
fotoshop, o que poderia ser horroroso torna-se divino.
Fiquei
pensando... Como pode o uso equivocado de um verbo, numa simples mensagem pelas
redes sociais, transformar o Beiço num broxa dos bem melancólicos?
Meu
amigo queria muito fazer sexo, mas depois repousar, isto é, ter tempo para dormir,
pousar. Quem não gostaria, depois de uma viagem cansativa, ter um ótimo repouso
numa pousada agradável?
(B.
B. Palermo)
sábado, 23 de março de 2019
Final feliz
Nada
de luz acesa nos velhos tempos.
O
sexo não conhecia os holofotes.
Dos
seios e bumbum e outras curvas,
nenhuma imagem técnica,
nenhuma imagem técnica,
nenhum arquivo ou pen drive,
pra levar pra casa.
pra levar pra casa.
O
imaginário sempre atento
em
busca do alimento.
Tudo,
ou quase tudo, girava
em
torno do orgasmo,
ansioso,
absurdamente
precoce.
O
silêncio e o pulso acelerado e
o
abraço e a vontade de ir ao banheiro
e
as perguntas feitas para dentro:
como
eu me saí nessa porra?
Será
que ela gostou?
Estréia
vencida,
embora
a sensação
de
que o empate foi derrota.
Naquele
tempo até que era bom.
Ao
menos rolava um escurinho no cinema.
(B.
B. Palermo)
quarta-feira, 20 de março de 2019
Um dente de ouro
O
Cara! recebeu umas visitas ilustres e a tarde ia pelo meio. Descendente de italianos,
gosta de agradar, servindo aos amigos uma mesa farta. Então ele foi à padaria e
comprou coxinhas, pasteizinhos, risoles, croquetes, etc., etc.
Duas
garotas, a caixa e a empacotadora, sorriram e ele sorriu e sacou que o momento
merecia um brinde e então apanhou três balas de um estojo, que parecia uma
grande taça de plástico próxima à caixa registradora, e ofereceu uma a cada
garota.
Assim
que se viu na rua, levou sua bala à boca. Tinha sabor de torta de limão. Uma
delícia. Não era muito dura, mas grudaria nos dentes se mordesse em vez de
chupar. É por isso que eu sempre repito: desfrute o doce, sinta o seu sabor, se
você mastigar sem prestar atenção ele logo vai sumir sem ser apreciado.
Ainda
bem que o Cara! não mordeu aquela bala com voracidade, porque daí a pouco notou
algo estranho, metálico, roçando e tilintando em seus dentes.
Ficou
espantado. Apanhou aquela massa contendo em seu interior um objeto duro e
indignou-se... Era um dente!
Deu
uma cusparada contra o muro, enrolou aquele dente na casca da bala, verificando
sua marca.
Estava
a uns cinquenta metros da padaria. Furioso, retornou. As atendentes, as pessoas
na fila, todos precisavam saber do fato gravíssimo. Como um dente foi parar no
meio de uma simples bala?
Uma
garota que estava na fila ficou admirada. "Nossa, parece que ele é de ouro!".
O
Cara! pediu outra bala de brinde, disse que cogitava processar o fabricante. Tinha
um amigo advogado, o Silveirinha, especialista em enfiar no rabo dessas
empresas irresponsáveis volumosas indenizações por danos morais.
Para
distensionar um pouco o ambiente, disse à empacotadora, jovem e bonita e simpática,
que aquilo era nojento.
A
garota sorriu amarelado e confirmou. "Sim, isso é muito nojento".
Tomou
o rumo de casa chupando cuidadosamente a bala que agora tomava o céu de sua
boca. Tentou não pensar no sabor, pra não ter vontade de vomitar. Assim que
dobrou a esquina, passou a língua na parte debaixo e do lado esquerdo da boca e
notou que havia um buraco estranho.
(B.
B. Palermo)
segunda-feira, 18 de março de 2019
Embarquei nesse destino
![]() |
O feitiço do teu olhar
e
o olho grande do teu ego
te
fizeram crer que o mundo
se
curva ao teu brilho.
Juntos,
perdemos o sono,
perdemos
o senso,
nos
devoramos.
Juntos,
alimentamos nossas olheiras,
mas
ocultamos dos outros.
Não
devo me lamentar,
quis
embarcar nesse destino.
da
direção que a bússola aponta,
da
largura e fundura do oceano
que
vamos atravessar.
Mas
não contamos pra ninguém.
Nada
é impossível,
mas
é difícil navegar nessa neblina,
não
ter certeza se vai ter porto,
ou
a que outro lugar vamos chegar.
sexta-feira, 8 de março de 2019
Faltou café
Ontem eu caminhava pela calçada de um
bairro de minha cidade e me deparei com um solitário velhinho, com cara de
transtornado. Falava alto e, mesmo que estivesse a poucos metros de distância, não
me notou, continuou falando.
O final do dia, além de abafado, está
meio estranho, pensei.
Quando era criança, cenas como essa me
impressionavam. Mas quem liga pra isso hoje em dia?
Algumas vezes, ao retornar pra casa do
bar, embriagado, eu também falo sozinho. Porém, tomo o cuidado de o fazer um
pouco tarde da noite, quando a comunidade está em sono alto, só assim não me
intimido.
Se é noite de luar ou o céu está
estrelado, converso animadamente com as estrelas e a via láctea, algumas das representantes
de Deus no universo.
Ao servir o exército, numa cidade que
ficava a uns setecentos quilômetros de onde eu morava, trocava cartas com uma
garota adolescente, uma "quase" namorada. Depois de ser colocada no
correio, a carta demorava uma semana pra chegar ao seu destino. Isso quer dizer
que recebia a resposta da garota não menos do que duas semanas depois.
Poderia ter renunciado ao serviço
militar, mas disse ao comandante, na entrevista derradeira, que queria
permanecer. O que fiz aos dezoito anos eu faço até hoje: gosto de sofrer, gosto
de sentir saudade, morando longe das pessoas mais próximas.
Quanto a isso, os
psicanalistas, freudianos ou lacanianos, têm o conceito na ponta da língua pra "classificar"
meu tipo de neurose. Fodam-se todos eles.
Escrevia muitas cartas. Não sei como as
garotas suportavam páginas e páginas daquelas "viagens". Talvez esse
gosto pela escrita me salve (ou liberte?) de caminhar pelas ruas falando
sozinho.
Hoje, Ao recordar minha juventude, até acho
engraçado. Tinha aspirações literárias. Sonhava me imortalizar como poeta. E
não fazia ideia de que todo esse sonho iria pro ralo, bastava me apaixonar por
alguma garota. Foram várias paixões. O poeta amou e deixou a arte em segundo
plano.
Juvenil, não tinha qualquer maturidade e
noção de que poderia "reencarnar" almas altamente criativas de tempos
passados, que me presenteariam com histórias imortalizadoras. Quando a
inspiração surgia, meu espírito apaixonado se desviava dos caminhos criativos,
os insights. E, com certeza, não tive um mínimo de "café" para
compreender e decifrar essas histórias e colocá-las no papel.
É por essas e outras que, ao observar
essa gurizada por aí, não sinto pena ou lamento tamanha ingenuidade. Ao
contrário, me coloco no lugar deles. São o que eu fui um dia.
(B. B. Palermo)
quinta-feira, 7 de março de 2019
Pinheirinho de Natal
Parecia
a rainha da boate.
Desfilava
tendo nos braços pulseiras de várias cores,
que
representavam os drinques que "bebera" com os clientes.
Vermelho, significava champanhe;
azul,
uísque com energético;
amarelo,
cerveja.
Uma
paquera aqui, um strip-tease ali.
Parecia
uma primeira dama com suas jóias chiquérrimas.
Enfeitada
com aquelas "jóias", a garota me fazia lembrar
do
pinheirinho de Natal de minha infância,
tomado de
penduricalhos.
(B.
B. Palermo)
sábado, 2 de março de 2019
Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da baixa - Álvaro de Campos
Cruzou por mim, veio ter comigo, numa rua da Baixa
Aquele homem mal vestido, pedinte por profissão que se lhe vê na cara,
Que simpatiza comigo e eu simpatizo com ele;
E reciprocamente, num gesto largo, transbordante, dei-lhe tudo quanto tinha
(Excepto, naturalmente, o que estava na algibeira onde trago mais dinheiro:
Não sou parvo nem romancista russo, aplicado,
E romantismo, sim, mas devagar...).
Sinto uma simpatia por essa gente toda,
Sobretudo quando não merece simpatia.
Sim, eu sou também vadio e pedinte,
E sou-o também por minha culpa.
Ser vadio e pedinte não é ser vadio e pedinte:
É estar ao lado da escala social,
É não ser adaptável às normas da vida,
Às normas reais ou sentimentais da vida —
Não ser Juiz do Supremo, empregado certo, prostituta,
Não ser pobre a valer, operário explorado,
Não ser doente de uma doença incurável,
Não ser sedento de justiça, ou capitão de cavalaria
Não ser, enfim, aquelas pessoas sociais dos novelistas
Que se fartam de letras porque têm razão para chorar lágrimas,
E se revoltam contra a vida social porque têm razão para isso supor.
Não: tudo menos ter razão!
Tudo menos importar-me com a humanidade!
Tudo menos ceder ao humanitarismo!
De que serve uma sensação se há uma razão exterior para ela?
Sim, ser vadio e pedinte, como eu sou,
Não é ser vadio e pedinte, o que é corrente:
É ser isolado na alma, e isso é que é ser vadio,
É ter que pedir aos dias que passem, e nos deixem, e isso é que é ser pedinte.
Tudo mais é estúpido como um Dostoievski ou um Gorki.
Tudo mais é ter fome ou não ter que vestir.
E, mesmo que isso aconteça, isso acontece a tanta gente
Que nem vale a pena ter pena da gente a quem isso acontece.
Sou vadio e pedinte a valer, isto é, no sentido translato,
E estou-me rebolando numa grande caridade por mim.
Coitado do Álvaro de Campos!
Tão isolado na vida! Tão deprimido nas sensações!
Coitado dele, enfiado na poltrona da sua melancolia!
Coitado dele, que com lágrimas (autênticas) nos olhos,
Deu hoje, num gesto largo, liberal e moscovita,
Tudo quanto tinha, na algibeira em que tinha pouco, àquele
Pobre que não era pobre, que tinha olhos
tristes por profissão.
Coitado do Álvaro de Campos, com quem ninguém se importa!
Coitado dele que tem tanta pena de si mesmo!
E, sim, coitado dele!
Mais coitado dele que de muitos que são vadios e vadiam,
Que são pedintes e pedem,
Porque a alma humana é um abismo.
Eu é que sei. Coitado dele!
Que bom poder-me revoltar num comício dentro da minha alma!
Mas até nem parvo sou!
Nem tenho a defesa de poder ter opiniões sociais.
Não tenho, mesmo, defesa nenhuma: sou lúcido.
Não me queiram converter a convicção: sou lúcido.
Já disse: Sou lúcido.
Nada de estéticas com coração: Sou lúcido.
Merda! Sou lúcido.
domingo, 24 de fevereiro de 2019
Baby, é hora de sacar essa obsessão
Uma
obsessão enfeitiçou teus olhos:
atrair
uma dezena de boys,
explorar
o que dispões no momento,
realçar
as curvas do corpo,
metida
num biquini que mostra tons do bronzeado
derramados
sobre tuas curvas.
Isso
me faz lembrar daquela música que diz que
"a
nossa vida corre contra o tempo (...).
Somos
castelo de areia na beira do mar...".
Baby,
deve haver outras saídas,
e logo
chegam os quarenta,
os
cinquenta, os sessenta anos,
e você
vai precisar distrair teu corpo.
Faça
como muitas e muitos por aí:
aprenda
outra língua, leia mais livros,
faça uma pós-graduação.
Você
não está equivocada ao mergulhar nas câmeras fotográficas
que te
refletem em direção aos olhos dos outros.
Nossa
duração não é eterna,
somos
herdeiros do clic, do flash,
de
luzes foscamente brilhantes,
o que
vale é o aqui e agora.
Ninguém
quer saber se amanhã as comportas não suportem o fluxo da vida,
e se o
lago de nossas tentativas e acertos e erros ameaça estourar,
e se
estaremos uns mais vulneráveis do que os outros,
e se
alguns terão mais luz do que os outros...
E é
angustiante demais saber
que
"somos castelos de areia na beira do mar"!
(B. B.
Palermo)
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