quarta-feira, 30 de abril de 2025

Uma juba lindona


 


Na Alemanha as pessoas saem pelas ruas com livros

e leem nas praças e metrôs e ônibus.

Ela diz que é independente e é casada

e conversa comigo por chamadas de vídeo.

Adoro imaginá-la assim, longe, tanto faz

se estivesse na minha rua ou na Amazônia

ou Paris ou Nova York ou Berlim ou Londres.

Ela tem alma, e isso me enlouquece,

mas está fora de cogitação

me apaixonar.

Assim como está, alimentando meus canários

e gatos e paranoias, já sou infeliz

o suficiente.

Pedi pra que não mandasse áudios.

É que sua voz me enlouquecia,

internava em clínicas para loucos

o meu sexo nas madrugadas

e era a morte e vida do meu pobre sono.

O que mais queria era que murmurasse

nos meus ouvidos canções de ninar,

sempre linda, sorrindo e peladinha

como veio a esse mundo.

Ontem, quando mandou esta,

junto com uma foto,

meu coração disparou:

– Oi! Estou trançando minha juba.

Amei o que tu disse naquela história.

Eu me vi ali... Logo te explico.

– Tá bem. Vê se manda outras fotos

pra eu me pendurar na tua juba lindona!

 

Já se passaram 24h e nenhuma notícia.

Nem das frases, nem da juba. 

Nossa! Como essa vida solitária

me torna um pobre feliz!

 

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 28 de abril de 2025

Das 24 às 24


 

Meia-noite.
A garganta berrando.
O céu, lá em cima, mijando luz nas calçadas.
Murmuro qualquer coisa pra lua e umas estrelas bêbadas.
Ninguém escuta.
Ótimo.
Sigo pelas ruas mortas,
sem saída,
como eu.
E lá está ela:
a loja de bebidas,
bonitinha, toda cheia de promessas baratas,
me vende a salvação por alguns trocados.
Não me nego.
O cachorro preso num beco late pra cima,
se joga contra as grades,
quer fugir,
quer me levar junto.
Não vai dar.
Ignoro os carros rebaixados,
o som podre rasgando o asfalto,
a lua, minguada,
me acena com pena.
Passei ali de tarde -
vi a igreja lotada,
o bailão da terceira idade bombando,
uns velhos dançando mais vivos do que eu.
Num canto, uma mulher esmagada pelo AVC
empurrava uma bola de basquete devagarzinho,
como se a vida fosse isso:
uma bola murcha num chão rachado.
Do outro lado, um bombado idiota,
cheio de músculos e vazio,
olhava pro nada,
segurando a própria desgraça como se fosse medalha.
Agora, a rua é só minha.
Meia-noite.
Eu e o asfalto.
Descansa, irmão,
amanhã tem mais escravidão,
e menos tempo para sentir
essa m* toda.
(B. B. Palermo)

sábado, 26 de abril de 2025

tarde demais

 

as placas berram no asfalto quente do A. Texas
“leve seu lixo para casa!”
“preserve a natureza!”
“atenção: morada do tuco-tuco!”
como se palavras pudessem conter a estupidez humana
como se alertas em madeira ou metal pudessem domar os cães famintos
ou deter os riquinhos em seus quadriciclos,
rasgando as dunas e praias como se fossem deles
como se tudo fosse deles
como se sempre fosse deles

o tuco-tuco não lê placas
ele cava, se esconde, sobrevive
até que um pneu o esmague
ou um cão o devore​

e eu?
sou só mais um roedor urbano
olhando pro horizonte turvo
preso entre prédios e ruas vazias e promessas vazias
esperando a ratoeira fechar​

as placas continuam lá
firmes, inúteis, ignoradas
como preces em um mundo sem deuses​

tarde demais para arrependimentos
tarde demais para esperança
tarde demais


(B. B. Palermo)


segunda-feira, 21 de abril de 2025

Sei no que vai dar!



Embalado pelas palavras
de queridos e queridas nas redes,
enredado pela lerdeza e opressão
de suas incríveis visões de mundo
(quem comeu quem, quem tem o pau mais grande da city,
quem melhor aplica as fórmulas mágicas das conquistas
e quem sabe amar sem ser machista,
quem tudo sabe de futebol e política e artes e música
e tals e tals e por aí vai...).
Você e aquela falta de ar e um
sufoco e opressão.
Você, admirador e invejoso do que dizem os sábios, os outros,
esquecendo e roubando o espaço
do “verdadeiro” fluxo que vem do teu íntimo.
Por experiência ingênua de tão própria
eu te digo:
tua poesia, se alguma houver,
será uma grande b*!
(B. B. Palermo)

terça-feira, 8 de abril de 2025

O psiquiatra conhece!



No Instagram, me deparo com uma entrevista de um psiquiatra

falando a respeito de uma droga ministrada a pacientes terminais, desenganados.

Diz ele:

“Nos cuidados paliativos, quando a pessoa vai morrer,

dá-se uma dose dissociativa de um psicodélico e a pessoa pode ter um êxtase,

uma epifania, e entender que não existe a morte, que tudo tem começo, meio e fim,

e o fim nada mais é do que o epílogo de um episódio unido

com o prólogo de outro episódio: morre pra cá, nasce pra lá,

numa outra dimensão.

Morre na outra dimensão, nasce pra cá nesse mundo material onde nós vivemos,

e nós estamos condenados ou premiados a viver eternamente na nossa companhia.

Caraio, véio! Tenho que me dar bem comigo mesmo

porque não tem como escapar de mim!

Enquanto tu estiver aqui, para viver o melhor possível

e expandir tua consciência, que é o que tu tanto busca,

sirva mais e ame melhor, simples assim!”.

 

Mostrei isso para alguns personagens e eles se manifestaram.

Diz o Cadelão:

“Carai, véio! Que viagem  Aposto que esse doctor chegou a tal descoberta

depois de ter sugado um balde de Ayahusca...”.

 

Eis o que diz o Damo do Cachorrinho:

“Kkkkk... eu nem achei tão louco o que ele disse, traz algum sentido.

Como saber se nossa consciência não vai viver em um metaverso

baseado em nossas experiências em vida, e passaremos o resto da eternidade

com nós mesmos? Kkk

*É só suposição. Estou lúcido. Haha...”

 

De novo o Cadelão:

“Rapaz, olha que terrível seria, não aguentamos nossa companhia nessa vida,

imagina passarmos uma eternidade nos vendo no espelho e gemendo...

‘Não, não, não! Fiz m* de novo!’ Kkkk”.

 

Outra vez o Damo:

“Bah, nunca fiz essa autoanálise... Só exames de sangue.

Vou consultar meu guru, o Leandro Karnal... hehehe”.

 

Pitaco do Carleone:

“Falei com meu alter ego, o Augusto Severo, e ele diz que o doutor tá certo com os cogumelos e tá fazendo poesia”.

 

Pra fechar, eis a opinião do Beiço:

“Esse usou mais drogas do que eu!”.

 

(B. B. Palermo)


Deu vontade de chorar

Hoje vi o amor. Não nos livros, nem nos filmes, mas ali, nas ruas quietas do A. Texas, caminhando manco e sem pressa. Era o Sergião, andaril...