sexta-feira, 30 de setembro de 2016
O amor, ah o amor
O amor não se deixa aprisionar, por isso é uma peça estranha no jogo da vida!
(Diário de B. B. Palermo)
quinta-feira, 29 de setembro de 2016
Algo mais sobre o amor
O amor é uma promessa que não se cumpre e só por o ignorarmos acreditamos nas suas juras, entregamo-nos a elas, como se do sentimento ou da vida se pudesse dar ou ter garantias. Indissociável do ódio, o amor o é ainda de uma outra paixão humana, a paixão tão humana da ignorância.
(Betty Milan. O que é o amor).
terça-feira, 27 de setembro de 2016
Doutor, a Ninfa disse que sou sensitivo
Quando estou mais pra lá do que pra cá, Doutor,
parece que nasce um cara sensitivo. Isso
me assusta, e então largo da bebida por alguns dias, faço meditação e bebo
litros e litros de água, até me reencontrar (não, não, Doutor, eu não quis
dizer “reencarnar”). Sempre desconfio da veracidade das informações de muitos
sites que pesquiso no Google. Até que possuo algumas características de
sensitividade, mas não passam de palpites, como no caso do “mistério” e do que
chamam de “sobrenatural”.
Duas semanas atrás aconteceu algo que me deixou mais
perplexo do que assustado, daí desconfiar dessa estranha sensibilidade. Uma
amiga da Ninfa dos lindos olhos suicidou-se. O fato me chocou, não por conhecê-la
pessoalmente, mas por compartilhar as dores e o luto da Ninfa. A garota trabalhava
num escritório que fica na avenida que atravessa a cidade de norte a sul. Soube
da tragédia através de uma postagem que a Ninfa fez no facebook. Era final de tarde
e a notícia baqueou meu peito, tanto que providenciei papel e caneta e corri
até o bar mais próximo. Embora não tivesse bebido e usado drogas, minhas mãos
tremiam. Escrevi um poema que dizia mais ou menos assim:
“ Não sei quem está numa melhor. Eu aqui, me entorpecendo de cerveja, ou ela dormindo a algumas horas no caixão, pra nunca mais acordar. Eu, com medos e incertezas, ela despedindo-se do contato com as manhãs, noites de insônia e lua cheia./ Os comerciais de TV mostram jovens brancos, alegres, sarados e saudáveis. A felicidade, na tela, se expande com sorriso fácil. / Pouco sei de suas vidas, se visitam farmácias, se perdem o sono de madrugada. Não levo a sério o mundo que me vendem, até porque as coisas que me pedem pra comprar, como entorpecentes, não garantem mais do que meia hora de euforia. / A garota morreu. Tantas vezes passei em frente ao seu trabalho com a esperança de ser notado por ela, jogando na sorte de que seu olhar me encontrasse.
nunca saquei (como poderia adivinhar?) que seu sorriso e atenção não resumem a essência de uma pessoa, nem tudo que se agita no seu mundo interior. / Agora sei que existe muito mais vida nos silêncios de uma princesa. / Sei que abrir mão da vida talvez não seja um ato de coragem. Mas estou apegado às verdades do senso comum. É mais fácil rastejar na trilha segura do cotidiano do que pensar nos fios tênues que nos sustentam sobre o abismo. / E acreditamos que a angústia, a tristeza e os gestos desesperados só acontecem com os outros. / Muitos me convidam para viajar, conhecer outros povos, estudar outras línguas. Estou convencido de que não devo estacionar neste lugar. / Mas hoje, ao saber de sua partida, acendeu uma luz: o mais importante, mais do que tudo, é buscar conhecer meu mundo interior”.
“ Não sei quem está numa melhor. Eu aqui, me entorpecendo de cerveja, ou ela dormindo a algumas horas no caixão, pra nunca mais acordar. Eu, com medos e incertezas, ela despedindo-se do contato com as manhãs, noites de insônia e lua cheia./ Os comerciais de TV mostram jovens brancos, alegres, sarados e saudáveis. A felicidade, na tela, se expande com sorriso fácil. / Pouco sei de suas vidas, se visitam farmácias, se perdem o sono de madrugada. Não levo a sério o mundo que me vendem, até porque as coisas que me pedem pra comprar, como entorpecentes, não garantem mais do que meia hora de euforia. / A garota morreu. Tantas vezes passei em frente ao seu trabalho com a esperança de ser notado por ela, jogando na sorte de que seu olhar me encontrasse.
nunca saquei (como poderia adivinhar?) que seu sorriso e atenção não resumem a essência de uma pessoa, nem tudo que se agita no seu mundo interior. / Agora sei que existe muito mais vida nos silêncios de uma princesa. / Sei que abrir mão da vida talvez não seja um ato de coragem. Mas estou apegado às verdades do senso comum. É mais fácil rastejar na trilha segura do cotidiano do que pensar nos fios tênues que nos sustentam sobre o abismo. / E acreditamos que a angústia, a tristeza e os gestos desesperados só acontecem com os outros. / Muitos me convidam para viajar, conhecer outros povos, estudar outras línguas. Estou convencido de que não devo estacionar neste lugar. / Mas hoje, ao saber de sua partida, acendeu uma luz: o mais importante, mais do que tudo, é buscar conhecer meu mundo interior”.
Doutor, houve muitos
comentários e informações exageradas a respeito do fato. Bem, vou contar o que
me deixou perplexo. Semana passada, depois que o primeiro bar fechou, em torno
de uma da madrugada, eu e alguns amigos fomos beber e jogar sinuca num desses
points que funcionam a noite toda. Acontece que eu tinha bebido muito e, lá
pelas quatro da manhã, senti uma necessidade de voltar para casa, como se fosse
um alerta ou algum “sinal de segurança”. Fiz de conta que ia ao banheiro e me
aventurei sozinho pela avenida deserta rumo de casa. Doutor, a garota
enforcou-se numa construção abandonada ao lado do prédio onde trabalhava. Ao
passar por ali ouvi um estouro, como se fosse uma bomba. Apavorado, perguntei a
mim mesmo “caralho, o que foi isso?”, “de onde saiu esse estrondo?”. Apressei o
passo e me dei conta de que a embriaguez havia passado. Me perguntava: “Será
que existem mesmo espíritos?” Contei o episódio à Ninfa dos lindos olhos e ela
disse CA-TE-GO-RI-CA-MEN-TE que sou sensitivo.
Doutor, será que me impressiono
porque não sou mais garoto? Desde que fiz algumas leituras, principalmente de
Nietzsche e Sartre, me considerava um niilista. Isso, se o cara morreu, tudo
acabou. Agora que me aproximo do limbo, que já estou me acostumando com a ideia
de ser um jovem velho, bêbado e escroto, vejo meu coração derreter como
manteiga. Ou isso tem relação com a minha facilidade em idealizar o amor e
captar as emoções, que sempre andam “à flor da pele”? Hum... voltou a lembrança
de minha infância e adolescência e os mandamentos da igreja católica. Caramba,
Doutor, por que essa tábua de valores, como se fosse a cruz que Cristo
carregou, me acompanha até hoje? Ou quem sabe pago, com altos juros, os
diversos pecados que cometi com namoradas quando tinha uns vinte anos de idade?
Não, Doutor, não chegam a ser fantasmas de arrepiar os pelos. Creio que não
valeria à pena contar. Tudo bem, vou narrar pro senhor assim bem por alto.
Perto da casa onde nasci e cresci, um vilarejo de famílias trabalhadoras,
dóceis e obedientes, há uma gruta que faz companhia a uma linda cachoeira. A
paróquia da cidade, muito católica, nomeou pra essa gruta uma Santa Padroeira –
a Santa Bárbara. Todas as vezes que minhas namoradas vinham visitar meus
familiares eu as levava para conhecerem a gruta, um dos poucos lugares turísticos
da região. Além do encantamento com a beleza do lugar, e após contar um pouco a
história daquela gruta, inclusive algumas lendas quando a região era habitada
por indígenas, eu me esforçava para que rolasse um clima sensual. Está bem, vou
abrir o jogo, Doutor: transávamos diante de uma legião de estátuas, santas e
santos, de velas acesas por pagadores de promessas, e sob o olhar sereno e
complacente da santa padroeira. Quando eu levava as namoradas para conhecerem a
gruta realizava tudo quanto pedi na adolescência, após descobrir as maravilhas
que uma pica proporciona. Foram dezenas de novenas e pedidos realizados diante
da santa. Sim, os adultos, submissos e crentes, pediam para que chovesse depois
de seca, ou pediam uma farta colheita, ou boas vendas no comércio. Meus pedidos
eram menos grandiosos, orbitavam em torno de genitálias, bundas e peitos. Me
diz, Doutor, qual o pecado de se viver a juventude “como se não houvesse
amanhã”, e aproveitar o dia (carpe diem)
como se fossemos (e éramos) uns punheteiros meio “poetas mortos”?
(Diário de B. B.
Palermo)
quarta-feira, 14 de setembro de 2016
Precisamos falar sobre o voo do pavão
Você
quer falar sobre pássaros. É que você ficou admirado com o voo do pavão.
Você
quer falar sobre carros. Você quer falar de negócios imobiliários. Mas a
conversa se distrai e desliza para a notícia do site, de que nossa correta
cidade viveu mais um suicídio.
Não é notícia
qualquer, como o acidente do carro ou da motocicleta, ou do bandido preso. Mesmo
banalizada, não é a notícia de todo setembro, da Chama Crioula acesa, do
aumento da cesta básica, da ameaça de geada para o nosso lindo e frágil trigo.
Você
quer falar de pássaros. Não do voo, mas sim da troca de plumagem e das lições
que podemos tirar de um recomeço.
Você quer
falar do olhar daquele menino ou da pré-adolescente. Quando você olha com mais
cuidado, além da cor, há alegria, tristeza ou algo indiferente. Não esqueça que
ágeis bailarinas fazem suas performances nas retinas.
Você
quer falar do ciclista que aproveita o início do crepúsculo depois do dia de
trabalho. Da maratona do casal que a cada primavera decide entrar em forma.
Você
pode falar dos pacotes que planeja para o final do ano e o verão.
Mais do
que tudo, fale, fale, para ter mais leveza do que o voo do pavão.
Fale,
fale muito, até pra soltar os nós que te prendem a garganta.
Se, além
de falar, aquilo de que falas fizer eco em teus ouvidos, a ponto de te dar
alguns sustos e a bússola apontar um recomeço, perceberás então que és mais do
que papagaio, superarás a inteligência para viver sentimentos.
Você
pode falar de como foi importante a atenção daquela garota. Se para ela não
custou nada, para você abriram-se clareiras emocionais. Mesmo que tua palavra
te pareceu ridícula, não se dissipou com o vento norte, que anuncia ventanias e
trovões.
Fale,
fale em diferentes lugares, para além dos teatros da vida onde usamos coleira e
estamos amarrados porque dizem que “é assim que deve ser”.
Talvez o
pavão seja lindo não porque possa voar, mas por ter uma bela plumagem. Talvez
ele nos fale com as cores que exibe e não com o seu voo. Precisamos ficar
atentos quando o pavão silencia e decide voar, pois ele pode despencar em
direção ao abismo.
Você
precisa falar. Mas não esqueça de que, em certos dias de ventos fortes, as
pessoas também precisam de teus ouvidos.
(Tiradas
do Teco, o poeta sonhador)
sábado, 10 de setembro de 2016
Ela não sabe a força que tem
quando ela aparece com aquele sorriso
de jeans e floresta de cabelos lambidos
pra cima e pra baixo com fone de ouvidos
seu olhar meloso parece dizer
que o crepúsculo hoje vai se atrasar
eu fico bobo eu fico paralisado
não olho não penso não vejo não sinto
o que rola aqui do meu lado
basta o seu olhar distraído
pra tudo parar a viagem
o trabalho o relógio a novela
o apito da fábrica e do trem
e até os sabiás na primavera
apenas ela é quem surge e vem
ela linda e adolescente
e que ainda não sabe
ainda não sabe a força que tem
(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)
domingo, 4 de setembro de 2016
Doutor, eu devia ter dado flores a ela
- Enfrentei o medo de conhecer a garota. Convidei-a para
tomar um café numa padaria do centro da cidade. Bem, receava sentir de novo a
indiferença. É assim, Doutor, você mostra interesse, manda recado, porém a
garota não diz nada. Será que as mulheres desejam que você rasteje, implore?
Sei, Doutor, que o jogo é simples, primeiro precisamos cativar, seduzir. Tenho
percebido certa esterilidade nas relações, quando a pessoa, de cara, desiste de
conhecer alguém, e colher os frutos, doces ou amargos. Será que isso acontece
apenas comigo? Doutor, tenho lido sobre “fórmulas mágicas” para conquistar uma
mulher. No Google há muito conteúdo (será que tem conteúdo?) falando sobre
isso, de que, veja só a expressão, “as mulheres se tornam presas fáceis pela
emoção”. Até parece, Doutor, que a magia da conquista se resume numa caça!
- Hum...
- Convidei-a para conversar sobre nossas leituras. Aguardava com
expectativa a chegada de um livro que encomendei pela internet, de um autor que
até hoje nada li. Chama-se Knut Hamsun, e o título do livro é “A fome”. Como
tomei contato com este autor? Em seu livro, “Mulheres”, Charles Bukowski diz
que Knut foi o maior escritor do mundo. Enquanto aguardávamos o café, por baixo
da mesa a mãos tremiam e suavam frio, os pés estavam incontroláveis. Tentava
desviar do seu olhar, mas não conseguia. Não saberia dizer se os seus cabelos,
pretos e lisos, tinham pintura ou eram naturais. Mas isso não importava.
Reparava nos seus brincos e já me distraia com seus olhos. Doutor, isso é o
ETERNO, este instante, momento em que tudo para, os carros na rua ali em
frente, o noticiário da TV, a garçonete que fica como estátua, ao trazer o
café. Quem prega que a alma e os valores são eternos está sendo um grande
cínico! Dane-se a vida eterna! O momento em que estive diante dela é que se
eternizou!
- Aham...
Então ela começou a falar... Foi tão bonito! Seus lábios em
câmera lenta, a música de sua voz... Tudo me enfeitiçava. As mãos saíram do esconderijo,
debaixo da mesa, e não foi apenas para sacudir o sachê com açúcar, Doutor. Os
dedos tamborilavam, insinuavam aproximar-se das mãos dela. E ela aceitou
entrelaçar seus dedos aos meus! Até consegui lembrar um poema, que dizia algo a
respeito do meu amor. Incrível, Doutor, declamei o poema sem esquecer nenhum verso!
- Aham...
- Aí ela exclamou: “Nossa, que lindo! Amei!” Então pensei
“Você que é linda!” “Muito mais do que linda, você é gostosa!” E então, no
mesmo instante, ouvia-se ao fundo a música do Chico Buarque Quero ficar no teu corpo / Feito
tatuagem / Que é pra te dar coragem / Pra seguir viagem / Quando a noite vem...
E eu fiquei cantarolando apenas com o movimento dos lábios...
- Aham...
- Foi bom demais... Mas, enfim...
- Hum...
- Embora não saiba, quem vende flores não é um vendedor
qualquer. Se aquela criança que vendia flores entrasse na padaria e viesse em
direção à nossa mesa, com aquelas rosas vermelhas, impulsionaria um grande amor! Notei a menina cruzar a rua e vir em nossa
direção, mas, não sei por qual motivo, não entrou na padaria, seguiu em frente
pela calçada. Doutor, juro que pensei correr em direção à porta, chamá-la e
comprar um botão de rosas para dar à Ninfa. Porém, vacilei naquele INSTANTE.
Sério, Doutor, minha obsessão pelo eterno presente me levou a deixar escapar
aquele MOMENTO mais do que romântico da ação: dar uma flor à garota.
- Aham...
- Aquele vacilo, que durou poucos segundos, foi a gota d’água
para que eu mergulhasse numa melancolia sem fim, que não sei se vou superar.
Sim, é como uma tatuagem que se instalou no meu corpo, como espinhas num corpo
adolescente, ou como a agonia expressa pela barriga enorme ou pelas costas
curvadas de alguém. É isso, Doutor, a melancolia, e seu peso
invisível, compenso com muita masturbação. Óbvio, depois do gozo me sinto mal,
e aí busco o bar mais próximo para beber e ver futebol pela TV.
- Bem... Todos cultivamos lugares que servem de refúgio...
Será que você se acostumou a habitar uma zona de conforto?
- Será, Doutor, o tal amor platônico?
(Diário de B. B. Palermo)
Imagem do site https://www.one.org/us/2014/06/23/should-you-be-buying-from-children-on-the-streets/.
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