quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

O que vier vem bem

 

Depois de certa idade,

não confio no plano A.

Até simpatizo com o plano B.

Plano C, por que não?

Depois de certa idade,

o que vier vem bem.

Certa experiência adquirida

mostra que todas as alternativas

podem estar corretas,

ou que nenhuma está.

Não suporto a visão calculista

de que em tudo na vida

há causas e consequências.

Você simplesmente vai lá e faz.

 

Só quero estar sossegado

no meu canto

inventando histórias,

rindo das apostas ridículas

que fiz

e dos tombos

que caí...

 

(B. B. Palermo)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

MEUS FANTASMAS PARECEM CORVOS


Um senhor vinha pala calçada,

aproximou-se e tive calafrios:

ele era eu.

 

Nuvens no céu desenharam

criaturas de nossa fauna:

cães, gatos, jacarés e lagartos

com suas formas desfiguradas.

 

Entardecia e as cores estavam vivas

e imploravam pelas tintas, pincéis

e o cavalete de Van Gogh.

 

O senhor eu mesmo tinha barriga acentuada,

cabelos brancos e pretos misturados,

e pareciam crescer

despreocupados.

 

Enfim chegou o crepúsculo,

luz e trevas duelando.

 

Olhava para o senhor e me via,

nenhuma dor ou alegria.

Ele eu mesmo carregava uma sacola

e uma mala,

poderia estar indo à escola

para aprender o que se perdera.

Poderia estar voltando

de uma tarde de bons negócios.

Poderia estar saindo de casa,

livre de um matrimônio

de 30 anos.

 

O senhor é meu espelho,

dossiês revelando

meus sucessos,

fracassos,

fiascos.

 

Tenho medo de sair de casa.

Sinto calafrios

ao ver esses fantasmas

rondando por aí

 

feito corvos.

 

(B. B. Palermo)

terça-feira, 30 de novembro de 2021

Contemple o universo

 

Você prosperou,

as riquezas do mundo estão a seus pés.

Acesso à medicina e seus remédios,

educação, tecnologia de ponta,

conforto.

Você dirige um carro que vale mais de cem mil.

Nada justifica esse semblante preocupado,

fumando um cigarro atrás do outro.

Relaxe, observe a obra de arte

que é a dança das águas

beijando as pedras,

nesses córregos cristalinos

correndo pelos campos,

vales e montanhas.

Pare de vez em quando,

fique em silêncio

contemplando o universo.

Devia estar radiante por desfrutar e compartilhar

toda essa aura com seres tão diferentes

e semelhantes a você.

 

Nossas posses,

nossos pulmões,

nosso coração safenado,

nossos rins e fígado, etc., etc.,

fotos, memórias e diários da infância...

Todos eles e tudo o mais

que tu imaginar

um dia qualquer

ficarão para trás.

 

(Pensamentos & poemas espirituosos)

segunda-feira, 29 de novembro de 2021

Esses ônibus alaranjados

 

Vejo esses ônibus

dobrando esquinas

com aparência exausta

de quem está sempre atrasado,

mas convicto do seu destino.

 

Eles sabem de onde partiram,

eles sabem onde querem chegar.

 

Observo essas entidades urbanas,

seguras de si,

me olho no espelho

e não vislumbro

o meu caminho.

 

Esses ônibus alaranjados

dessa cidade perfeitinha

me dão vontade

de chorar.

 

(B. B. Palermo)

domingo, 28 de novembro de 2021

Buda já falou


Alguns seguem cabisbaixos.

Outros assistem o fluxo que passa

de braços cruzados.

Milhares de ideias confusas,

cabeça vazia ou cheia de tudo.

Há esperança,

ódio,

rancor,

compreensão,

desconfiança.

 

Alguns se importam com os outros.

Muitos acham que as pessoas que as cercam

são obstáculos,

barreiras a serem derrubadas.

Tamanho esforço conduz à solidão.

 

Corremos em busca da felicidade.

Mais rápida,

ela escapa,

então andamos na contramão.

 

Há descidas bem suaves,

porém optamos por caminhos mais íngremes.

É que não ligamos para o que Buda falou:

Liberte-se dos pensamentos e emoções

frios,

calculistas,

individualistas.

 

Somos uma partezinha no todo:

tempestades,

fogueiras acesas,

cinzas abandonadas.

Somos quase normais,

somos quase loucos,

somos de tudo um pouco.

 

(Pensamentos & poemas espirituosos)

quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Bukowski repousa atrás da geladeira

Baixou um temporal

e as cachorras do prédio ao lado

dançam na sacada,

bêbadas.

 

A namo está distante,

e não sei expressar direito

o amor que sinto por ela.

 

Sujeitinho bipolar,

minha energia louca

fica mais corrompida

a cada taça de vinho.

 

A inocência ridícula

contempla o umbigo

e faz planos,

vai baixar a barriga,

turbinar a musculatura

e atrair olhares e corpos

de algumas princesas.

 

Planos não levam a nada,

Buk já dizia, QUERO AÇÃO,

MENOS BEBEDEIRA

E MAIS INSPIRAÇÃO!

 

Pouco leio, pouco escrevo,

quando saem algumas linhas tortas

amasso a folha e acerto a lixeira.

Há também a vergonha matutina

de bater de frente com o que escrevi

na noite anterior,

depois de duelar com algumas garrafas

de vinho 

barato.

 

Paira no ar uma louca intuição:

sentir a presença do velho poeta

em meio a folhas e guardanapos rabiscados,

porres e amores frustrados.

 

Escolhi O Notas de um velho safado

pra me fazer companhia.

O cômico me observa,

compenetrado,

sobre a mesa.

 

Hoje percebi que boa parte de suas folhas

estão molhadas pelo vinho

que entornei ontem de noite.

Não tem outro jeito:

abro-o pelo meio

e o penduro atrás

da geladeira.

Se ele secar direitinho,

prometo parar de beber.

 

Sei que estou blefando,

sei que sou tão desvairado

quanto ele.

 

Minha vida anda bagunçada

Igualzinha ao meu cafofo,

entupido de latas

e garrafas vazias.

 

Minha alma bêbada

está presa às redes do subsolo,

rasteja por aí,

é ao mesmo tempo

crente e cética.

 

O Velho Safado

desencantou minha vida

com armadilhas

etílicas

 

e poéticas.


(Américo Piovesan)

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Uma dúzia de vezes eu sonhei

 

Uma dúzia de vezes vendi meu guarda-roupa.

Pense numa coisa que reina absoluta,

tomando conta de uma parede

do meu quarto.

5 portas,

2 maleiros,

muitas gavetas e cabides,

interior imenso.

Bela árvore de cerejeira,

cuidadosamente retalhada

e envenenada

para expurgar

cupins.

Obra toda lustrosa

que abriga centenas de peças de roupa

que um dia sonho doar.

 

Uma dúzia de vezes mudei de casa,

morei em praias,

viajei pra Europa,

publiquei meus livros.

Uma dúzia de vezes eu sonhei.

Minto.

Sonhei a vida inteira

e vou sonhar mais tantas vezes

 

até a eternidade.

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Lábios levemente lambuzados por batons discretos

 

Nenhum drama moral,

o que vale é que nessa madrugada

você encarou algumas garrafas

e alguns bons poemas.

Você não copiou,

não imitou,

teve coragem de sentar no vaso do banheiro

e dar descarga na originalidade.

Você não vai encontrar estilo

nem classe

nesses poetas engomados,

candidatos a prêmios literários

e a palestras

nas universidades.

Fique down,

não negocie com Dona Morte,

não dê chances ao suicídio.

Você nunca será homenageado

com uma estátua

ou como nome de rua.

Pra dar vida à sua arte,

faça como eu:

me encanto ao contemplar, de longe,

jovens garotas policiais

com suas algemas,

pistolas,

cassetetes e lábios

levemente

lambuzados

por batons discretos.

A imaginação me diz que suas fardas

bem passadas

aprisionam feras

que desejam muito mais

do que manter a ordem

nas ruas.

Sei outras coisas cabeludas,

por isso as observo camuflado

pelos troncos das árvores.

Quando não estou bêbado

eu me calo.

 

(B. B. Palermo)

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Há sonhos e sonhos

 

Dia desses sonhei que convivia há séculos

com uma senhora portadora

de necessidades

indecifráveis,

talvez psíquicas,

talvez físicas.

Desde pequeno

a igreja me convenceu

de que idolatrar o corpo

é obra do desespero,

de quem não tem alma,

de quem não saca o barato

que é ter uma...

Acordei e refleti um tantinho

e concluí que o sonho

foi uma viagem

obediente à rota idealista.

Fosse por tantos ideais pregados,

a humanidade seria hoje

letrada

e justa,

um paraíso

com suas portas e janelas

nos abraçando.

Há sonhos que não passam de ano.

Há sonhos que logo desmoronam

no esquecimento.

 

(B. B. Palermo)

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Aguaceiro

 

Por qualquer lugar que ande

por qualquer lugar que olhe

pessoas remoem sandices

e tomam muita água,

dilúvios

descendo

goela

a baixo.

Pessoas fazem filas

diante dos banheiros,

muito líquido drenando

rins,

pobrezinhos a todo vapor

como turbinas de aviões

gigantes,

subindo, subindo,

até a mijadeira

explodir.

Bebemos, bebemos, enquanto esperamos

algo

acontecer,

nos esgueiramos

na penumbra,

esguichamos

nossa urina

desenhando

bobageiras

nos pálidos muros

dessa cidade

estranha.

 

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...