quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Bukowski repousa atrás da geladeira

Baixou um temporal

e as cachorras do prédio ao lado

dançam na sacada,

bêbadas.

 

A namo está distante,

e não sei expressar direito

o amor que sinto por ela.

 

Sujeitinho bipolar,

minha energia louca

fica mais corrompida

a cada taça de vinho.

 

A inocência ridícula

contempla o umbigo

e faz planos,

vai baixar a barriga,

turbinar a musculatura

e atrair olhares e corpos

de algumas princesas.

 

Planos não levam a nada,

Buk já dizia, QUERO AÇÃO,

MENOS BEBEDEIRA

E MAIS INSPIRAÇÃO!

 

Pouco leio, pouco escrevo,

quando saem algumas linhas tortas

amasso a folha e acerto a lixeira.

Há também a vergonha matutina

de bater de frente com o que escrevi

na noite anterior,

depois de duelar com algumas garrafas

de vinho 

barato.

 

Paira no ar uma louca intuição:

sentir a presença do velho poeta

em meio a folhas e guardanapos rabiscados,

porres e amores frustrados.

 

Escolhi O Notas de um velho safado

pra me fazer companhia.

O cômico me observa,

compenetrado,

sobre a mesa.

 

Hoje percebi que boa parte de suas folhas

estão molhadas pelo vinho

que entornei ontem de noite.

Não tem outro jeito:

abro-o pelo meio

e o penduro atrás

da geladeira.

Se ele secar direitinho,

prometo parar de beber.

 

Sei que estou blefando,

sei que sou tão desvairado

quanto ele.

 

Minha vida anda bagunçada

Igualzinha ao meu cafofo,

entupido de latas

e garrafas vazias.

 

Minha alma bêbada

está presa às redes do subsolo,

rasteja por aí,

é ao mesmo tempo

crente e cética.

 

O Velho Safado

desencantou minha vida

com armadilhas

etílicas

 

e poéticas.


(Américo Piovesan)

terça-feira, 23 de novembro de 2021

Uma dúzia de vezes eu sonhei

 

Uma dúzia de vezes vendi meu guarda-roupa.

Pense numa coisa que reina absoluta,

tomando conta de uma parede

do meu quarto.

5 portas,

2 maleiros,

muitas gavetas e cabides,

interior imenso.

Bela árvore de cerejeira,

cuidadosamente retalhada

e envenenada

para expurgar

cupins.

Obra toda lustrosa

que abriga centenas de peças de roupa

que um dia sonho doar.

 

Uma dúzia de vezes mudei de casa,

morei em praias,

viajei pra Europa,

publiquei meus livros.

Uma dúzia de vezes eu sonhei.

Minto.

Sonhei a vida inteira

e vou sonhar mais tantas vezes

 

até a eternidade.

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 18 de novembro de 2021

Lábios levemente lambuzados por batons discretos

 

Nenhum drama moral,

o que vale é que nessa madrugada

você encarou algumas garrafas

e alguns bons poemas.

Você não copiou,

não imitou,

teve coragem de sentar no vaso do banheiro

e dar descarga na originalidade.

Você não vai encontrar estilo

nem classe

nesses poetas engomados,

candidatos a prêmios literários

e a palestras

nas universidades.

Fique down,

não negocie com Dona Morte,

não dê chances ao suicídio.

Você nunca será homenageado

com uma estátua

ou como nome de rua.

Pra dar vida à sua arte,

faça como eu:

me encanto ao contemplar, de longe,

jovens garotas policiais

com suas algemas,

pistolas,

cassetetes e lábios

levemente

lambuzados

por batons discretos.

A imaginação me diz que suas fardas

bem passadas

aprisionam feras

que desejam muito mais

do que manter a ordem

nas ruas.

Sei outras coisas cabeludas,

por isso as observo camuflado

pelos troncos das árvores.

Quando não estou bêbado

eu me calo.

 

(B. B. Palermo)

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Há sonhos e sonhos

 

Dia desses sonhei que convivia há séculos

com uma senhora portadora

de necessidades

indecifráveis,

talvez psíquicas,

talvez físicas.

Desde pequeno

a igreja me convenceu

de que idolatrar o corpo

é obra do desespero,

de quem não tem alma,

de quem não saca o barato

que é ter uma...

Acordei e refleti um tantinho

e concluí que o sonho

foi uma viagem

obediente à rota idealista.

Fosse por tantos ideais pregados,

a humanidade seria hoje

letrada

e justa,

um paraíso

com suas portas e janelas

nos abraçando.

Há sonhos que não passam de ano.

Há sonhos que logo desmoronam

no esquecimento.

 

(B. B. Palermo)

terça-feira, 16 de novembro de 2021

Aguaceiro

 

Por qualquer lugar que ande

por qualquer lugar que olhe

pessoas remoem sandices

e tomam muita água,

dilúvios

descendo

goela

a baixo.

Pessoas fazem filas

diante dos banheiros,

muito líquido drenando

rins,

pobrezinhos a todo vapor

como turbinas de aviões

gigantes,

subindo, subindo,

até a mijadeira

explodir.

Bebemos, bebemos, enquanto esperamos

algo

acontecer,

nos esgueiramos

na penumbra,

esguichamos

nossa urina

desenhando

bobageiras

nos pálidos muros

dessa cidade

estranha.

 

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 5 de novembro de 2021

Andrógina

 

Viajamos no tempo,

chegamos à pré-história,

somos estranhos, nos entreolhamos,

não compreendemos que nossos braços e pernas

são bárbaros,

as ferramentas são rústicas,

não sacamos nada porque não temos cérebro.

A linguagem é simples,

hu, hu, hu, roncos, peidos e arrotos

em nossas cavernas

ao redor de fogueiras.

Nada de mães dominadoras,

nada de pais perdedores e fracos,

ou ausentes batalhando por aí.

Nossa labuta é simples,

continuarmos vivos amanhã.

Édipo não é mito,

sexualidade é o que é,

nenhuma teoria ou conceito

para nos alarmar.

Afinal, cérebros não há,

religiões não há...

É o maior barato

viver sem sentimento de culpa

herdado de bandeja de culturas cristãs, judaicas,

ou de descendentes de europeus etc., etc.

Nenhum mal-estar por causa de conceitos

tais como "justiça", "bem", "mal", "Deus",

"amor", "propriedade", etcétera e tals...

 

Acordei num salão de beleza

nu como vim ao mundo,

cabelo e barba

há décadas por fazer.

Uma luzinha me disse que era hora

de desbastar cabelos e pelos

de minha cara

e cuidar com mais carinho

do meu cérebro.

 

A cabeleireira narrava-me um sonho

que teve dias atrás.

Tinha a ver com Platão,

e como o filósofo discorria sobre o conceito "amor".

Depois de algum blá, blá, blá,

a garota disse que curtia ser andrógina...

 

Simpatizei com o conceito,

e na hora intuí que ele

poderia ser aplicado

a qualquer orientação sexual.

 

Um dia ainda vou superar os traumas

que me afastam dos conceitos

(será que conseguirei expurgar tantos recalques?)

vou levar meu cérebro a um mecânico

e vou tentar compreender

as diversas formas

de amar.

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 28 de outubro de 2021

Babacas tomamos conta do mundo

 

A melhor forma de praticar

a liberdade de expressão

é não falar merda.

 

Há um jeito mais fácil:

não abrir a matraca

se não tiver

uma opinião

bem fundamentada.

 

Pobrezinhos.

Não conseguimos diferenciar

uma escada de um poste.

Não conseguimos mijar

no tronco das árvores.

Não nos importamos em descartar

nosso lixo

pelos caminhos

por onde andamos.

Não conseguimos ter um infarto fulminante,

dando uma folga para familiares e amigos.

 

Ainda bem que não raciocinamos muito,

senão sacaríamos que não fazemos por merecer

o ar que respiramos.

 

(B. B. Palermo)

 

domingo, 24 de outubro de 2021

Cobra Coral duelando com gatos

 

Pra fugir do tédio diário

de nadar como peixe no aquário

NADA resta 

senão relaxar

com algumas 

cervejas.

Não consigo distinguir

cegos de míopes,

deslumbrados 

de aleijados.

Já não sei se tropeço

na calçada

ou no verbo.

Não sei se elogio

ou critico,

se sou poeta queridinho

das putas vorazes

ou sujeito estranho

das secretárias

e diaristas.

Vacilo, pendo

ora pra esquerda,

ora pra direita.

Sou cobra Coral capoeirista

duelando com gatos Kickboxings

no pátio.

Meu veneno não mata,

no máximo embriaga,

mas pra isso acontecer

você precisa ao menos sonhar

que um dia vai se libertar

do aquário.

 

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...