quinta-feira, 15 de julho de 2021

Etanol nas veias

 

Já não me causa estranheza

ouvir algumas pessoas dizerem

que todo dia pensam em se matar.

Quanto mais livros dos grandes elas leem,

quanto mais ampliam sua consciência das coisas da vida,

menos sentido encontram na porra toda.

O poeta quer fugir desses chatos que tudo questionam

e quer encontrar a energia inspiradora

em meio às pessoas comuns,

aos cães e gatos sarnentos,

aos subnutridos e desdentados

que farejam comida e sexo nos porões.

Vai, Cadelão, afasta-te desses intelectuais tristes

que têm enorme prazer em ser deprimidos.

Não é uma questão de ter um comportamento burguês

ou viver apertado.

Não é uma questão de ter ou não ter casas,

carros, apartamentos em praias.

É algo mais profundo que, de tão profundo,

chega a ser raso, e rende muita grana

a psicólogos e psiquiatras.

A coisa é divertida,

e tudo desemboca nuns porres

e comprimidos para dormir.

No outro dia a mente volta a martelar

como betoneira potente alimentando alicerces

e paredes do edifício que sobe.

A mente envia sinais e essas pobres criaturas

assumem de vez o caos, dizendo que todo dia

pensam em partir dessa, mas eu sei

que são covardes demais para tal.

Há um outro suicídio, mais lento,

das criaturas que mergulham nas águas turvas

de sua rasa consciência,

que funcionam como barreiras para evitar

se preocupar com o sentido de suas pobres vidinhas.

Há, sim, um suicídio mais lento,

uma mistura de prazer e sofrimento,

um sentir-se bem dentro da prisão.

Ele se resume em diariamente injetar Etanol nas veias.

 

Um brinde aos que desafiam a vida com fartas doses,

que correm atrás de Dona Morte com sua sede,

manifestando ao mesmo tempo

um puta medo de morrer!

 

(B. B. Palermo)

terça-feira, 13 de julho de 2021

Nenhuma epifania

 

Estava na segunda ceva

e não me vinha qualquer epifania.

Cenas comuns desfilavam diante dos olhos,

ninguém caminhando pelado entre os carros,

no sinal fechado.

Tudo bem, a noite apenas estava chegando.

Nos carros limpos, brilhosos,

havia muita gente com olhar sem graça

de quem já viu o suficiente,

de que sabe e acredita

mais do que o suficiente.

Os loucos estão sumidos,

me esforço mas não consigo enlouquecer,

talvez fingisse, mas não tenho culhões

para tanto.

O ideal seria voltar ao tempo dos 20 e poucos

e duplicar as cagadas com absoluta convicção.

O ideal seria andar pelado na avenida

em pleno meio dia,

e não às 3 da manhã,

como fiz nos tempos de garoto.

Observo o jovem vendendo abacaxis na esquina

e me convenço de que ele não teve tanta sorte,

se comparada à minha.

Seus dias talvez não sejam inspirados,

já que a luta pelo ganha-pão

suga o tempo da poesia.

mas isso é muito relativo,

e eu fico mais morto do que louco

se não tenho a presença

de uma simples

epifania.

 

(B. B. Palermo)

 

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Voluntário do amor

 

Ouço as conversas dos jovens casais

e sinto que o clima está mudando,

o frio penetra até os ossos,

mas eu não ligo,

nada de culpas e medos.

Nascido em noite de geada,

não reclamo do frio metálico,

embora ele invada portas e janelas

dos guetos tristes.

Ouço a voz antes de me deter

no rostinho angelical, olhos, expressão

e os gestos da garotinha.

Aos poucos ela parece se interessar

por minha ficção - tô sabendo, bobinhos,

eu sou uma figura, uma quase ficção

em forma de gente.

Agarro a palavra e invento histórias

de encontros furtivos com entidades

que vêm de mundos pra lá de psicodélicos.

Passeio por entre os jardins do budismo,

as paisagens prosaicas da filosofia exotérica

e as leis de causa e efeito do espiritismo.

Estamos no meio de uma guerra - digo -     

e você não sabe quem é quem.

Não confie em ninguém, baby.

Ainda estou aceso, ainda articulo meus raciocínios,

primeiro a premissa maior, em seguida a premissa menor,

amarro direitinho justificativas com conclusões.

Me acodem alguns acordes da Quinta Sinfonia de Beethoven

misturados a cenas do filme Laranja Mecânica.

Tchan, tchan, tchan, tchan...

Senti que a musa balançou, ficou encantada,

e me vi no lugar do Alex, personagem principal do filme.

Nada de barreiras, nada de convenções,

eu sou o centro do mundo,

eu sou o Eu penso logo existo

do planeta.

 

O namorido deu sinais de tédio.

Afastou a garota dali.

Não pode ser...

Rolou um ciuminho?

Ah, como eu sofro!

Ah, como eu me divirto!

Ah, como eu queria mergulhar fundo

numas aventuras poliamorosas!

O velho Bukowski precisa saber disso:

seu discípulo escroto também rasteja por aí,

contando histórias divertidas e encantando ninfas,

rodeado e admirado ou odiado pelos garotos ingênuos

e sedentos de aventuras.

Os boysinhos não perdem por esperar.

Estou cansado de passar séculos implorando,

me arrastando feito lesma atrás de afeto,

mas tudo o que consigo é a incompreensão.

Danem-se.

Amanhã  eu tento de novo.

Tô ligado, garotinhos,

eu sou um voluntário do amor.

 

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Picanhas

 

- Cadelão, esse povo tá mal acostumado.

Acha que pode comer carne de primeira a toda hora.

É chegado um novo tempo. É hora de se acostumar

com ossinho de porco!

- Carleone, Carleone... A coisa tá feia!

- Velho, descubra quem são as ladras

e vamos ser receptadores.

Se bonitas, comemos as duas picanhas.

Digo, as quatro.

 

(B. B. Palermo)

https://www.radioprogresso.com.br/ladras-de-picanha-furtam-o-atakarejo-kuchak/

quarta-feira, 16 de junho de 2021

Um bando de papagaios desmiolados

 

Uns caras surgem vagarosamente,

parecem desconfortáveis,

como se usassem cuecas novas apertadas,

bagos saindo pela boca.

Desconfio que esses malucos

serão os próximos psicopatas

a trucidarem crianças e professoras

numa singela escola de um lugar remoto do país.

Eles me fitam e dizem Estamos juntos nessa, brother.

Ganho tempo, enquanto arroto na cara deles

meia dúzia de ovos cozidos,

agorinha devorados.

Garotos, vivemos uma nova onda,

contamos agora com a grande presença

do Darwinismo social.

Os caras me encararam, creio que não sacando

a grandiosidade do que eu disse.

O dono do bar, o Manetta, buscou um litrão de ceva

e iniciou sua jornada apoteótica em torno da mesa de sinuca,

furungando as novidades da política e do futebol.

Lembrou também de um novo vírus,

parece que proveniente dos frangos

criados em cativeiro, sempre na China.

Radiante, mirei aqueles bonecos sonsos,

psicopatas amadores, e falei:

Sacaram? Nós somos os mais fortes,

vamos dar uma surra nesses vírus de quinta categoria.

Nós estamos no nível mais elevado da cadeia alimentar.

Nossa missão não é explodir crianças inocentes nas escolas,

Nossos verdadeiros inimigos são os "invisíveis",

vírus que estão brotando como chatos

nos pentelhos das putas.

Reparei que os moleques falavam as coisas deles,

como se eu não existisse.

Pena eles não conhecerem o Darwin,

nem saberem que somos macacos disfarçados de antas.

Uma pena mesmo, e isso pouco importa,

já que neste exato momento me convenci

de que não passamos de um bando

de papagaios desmiolados.

 

(B. B. Palermo)

domingo, 6 de junho de 2021

Movimente-se


 

Disse um filósofo:

"Conhece-te a ti próprio".

E então iniciamos o exercício

do autoconhecimento.

Aos poucos tudo ficou claro,

primavera invadiu o inverno,

de dia foi outono,

de noite foi verão,

confundindo, inspirando.

 

Há varias luas em você,

indo e vindo,

às vezes entristecem e ficam pálidas

minguantemente...

Mas apesar do pouco brilho,

uma lua cheia te espera

e acredita que pode iluminar

o caminho dos viajantes.

Somos viajantes solitários

contando às vezes com pouca luz.

Caminhamos porque temos esperança

que vamos mudar de fase...

Lua nova,

crescente,

cheia...

No universo, tudo está

em movimento.

Movimente-se!

 

(Pensamentos & Poemas Espirituosos)

quinta-feira, 3 de junho de 2021

Dando uns tiros no cafofo

 

Beiço aterrissou aqui em casa

com cara de desconfiado, óbvio,

quis me pegar com a boca na botija.

Invadiu meu lar e encarou minha alma nua.

Eu vestia um pijama surrado,

guardanapos molhados de cerveja sobre a mesa,

cobertores enrolados sobre o sofá,

folhas de jornal espalhadas pelo chão,

a pia entupida de louça pra lavar.

Ele foi logo averiguando quais livros

estavam espalhados sobre a mesa

- que drogas eu andava lendo?

Tudo se confirmou.

Alguém tinha assoprado:

Cadelão, por algum motivo surreal,

ou talvez por estar com medo de morrer,

quis encontrar algum sentido

nos livros de Allan Kardec.

Não sei se o cretino falava sério

ou se apenas debochava:

"Tu para com essa frescura de espirituosismo, Cadelão,

senão um dia desses eu pego meu 38

e dou uns tiros neste cafofo!".

Eu estava realmente oco,

creio que por ter acordado há pouco,

forçava, forçava, e não me vinha

qualquer pensamento bizarro ou austero.

Logo depois olhei pro teto e a verdade se revelou:

Beiço contara a todos os imbecis

que chamamos de amigos

o triste fim do Cadelão,

em sua fraquejada espirituosa.

Eu tenho minhas cartas na manga,

e sei que eles não compreendem,

porque não conhecem os segredos

do escritor intuitivo.

Os cretinos se encheram de existencialismo

e materialismo,

e não sabem a dimensão de minha alegria

ao captar as energias cósmicas que me acariciam

com suas lufadas inspiradoras.

Pobrezinhos desses irmãos céticos,

nunca vão acreditar que, neste exato momento,

estou sendo inspirado por Leminski e Bukowski.

Dois grandes, claro, dentre outros vários FDPs

que de madrugada sopram e assopram

versos perversos.

Meus amigos jamais vão alcançar

minhas "verdades" ocultas.

Quando ouço Mozart, por exemplo,

eu literalmente verto lágrimas,

tamanha é a alegria que a beleza da música

desse espírito da porra

assopra em minha alma.

 

(B. B. Palermo)

terça-feira, 1 de junho de 2021

Eterno retorno

 

Queria ter boa assistência técnica

para descrever meus heróis

dos becos e botecos da cidade.

Eles sabem de tudo,

por isso o que me resta

é beber e observar.

Sua sabedoria joga dados

com assuntos que não ferem

seus desejos.

Quando pergunto sobre o sentido

de estarmos aqui, hoje, vivos,

depois de mais de 4 bilhões de anos

de existência da Terra,

eles pedem para que pare

de falar difícil.

Então eu silencio

e apenas observo.

Seus olhos e ouvidos estão conectados

com o que gira ao seu redor,

as demais paisagens não existem

- por favor, Cadelão, não force o verbo...

Por tudo isso, eu me calo e observo.

Eles são gente como a gente,

e amanhã pouco será lembrado

do que foi hoje palestrado.

O mais importante

é voltar no final do dia seguinte,

acionando os motores

do eterno retorno.

 

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...