quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Muito palavrão



O cara falou:
não curto tuas histórias,
têm muito palavrão.
Ele curte notícias de crimes em Ijuí.
Na semana foram três.
Bonito!

(B. B. Palermo)

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Ela se chama Nada



Olhava pra ela, numa mesa próxima,
e cochichava para os meus sombras indiscretos: 
"Mulher vulgar".
Armei o bote, esperando o momento certo pra atacar
quando seu ficante estivesse no banheiro.
O tal estava com mijadeira.
A cada meia hora troquei olhares com a guria.
Na quarta vez que o carinha partiu pro banheiro,
ela pediu meu contato.
Baixinha, bunda apetitosa,
cabelos lisos com tinta roxa,
ao ficar meio alta com as "gelas",
fazia biquinho e parecia melancólica
e com rugas em torno da boca
e envelhecia pelo menos uma dúzia de anos.
Sentou ali por perto o Palhacito, 
um paraguaio que faz malabares nas esquinas,
junto aos semáforos.
O cara andou por toda a América Latina.
Sabe das coisas.
Do jeito como ele observava a garota,
saquei de cara que ela era de programa.
O banheiro ficava do outro lado do bar, nos fundos.
Quando o ficante foi de novo pra lá,
eu disse que escrevia histórias
e que ela me deu a impressão de que viveu boas histórias
e eu precisava ouvi-la
e podíamos gravar no celular e eu estava emocionado
e necessitava incrementar meus personagens
e ela também se emocionou e revelou que sua vida é cheia de
loucuras.
O ficante retornou do banheiro e pareceu meio incomodado.
"Deve ter cheirado", pensei.
"Agora ergue a patinha, o vira-lata,
como se fosse um pit bull,
e mija por todo canto".
Estou no mundo pra cooperar.
"Bem que podia dar umas trepadas com a putinha,
no meu estilo, só pra devolvê-la melhorada".
Dois dias depois ela mandou mensagem.
O ficante meteu-lhe o pé na bunda.
Numa cena de ciúmes, jogou seu celular contra a parede.
Bebemos uns litrões de "gela" no bar do Maneta,
pendurei mais meia dúzia e rumamos pro meu cafofo.
Mesmo arrebentado, o celular funcionava a todo vapor.
Colocou suas músicas pra tocar.
Rebolava, de um lado pro outro da sala,
naquele shortinho que aprisionava o rabo apetitoso.
Vi que ela desprendeu o botão do short,
"Hum... logo ela vai ficar de calcinha...
hoje vai ter streap...".
Deixou seu copo de cerveja no chão, ao lado do sofá,
e eu sabia que logo aquele copo  já era.
"Depois só vai beber em copo de plástico", pensei.
Dançava e falava do seu ficante.
Enchia a cara e falava do vira-lata que se imaginava pit bull.
E nada do shortinho descer.
A garota queria cheirar.
Falei "Meu bem, pra essa semana o orçamento estourou".
Não suporto cheirar, eu quero é foder.
Aí ela veio com essa:
- Tu já comeu mulher menstruada?
- Hum...
Fui ao banheiro e vi na lixeira o chumaço de papel higiênico
manchado de sangue.
"Hum... Não tô bêbado o suficiente...
Hum... Não consigo encarar...".

Passou a noite comigo.
Dormia de bruços e seu ronco era sereno.
Levantei onze da manhã e a encontrei deitada no sofá fazendo o de sempre:
mexendo no celular, ouvindo suas duplas sertanejas.
Ao ver a cena, compreendi porque o ficante jogou o precioso aparelho
contra a parede.
Queria tomar o café da manhã.
Não havia pão nem margarina nem leite ou café,
apenas maçãs e bananas na fruteira.
Arranjei uma desculpa qualquer e pedi pra que fosse embora.
Fiquei matutando:
"Cadelão, não se envolva com essas mulheres.
A conta até pode demorar, mas ela sempre vem".
Dia desses eu navegava no Tinder
e me chamou a atenção algumas fotos de uma garota.
Hum... Idênticas às fotos que ela enviara pelo WhatsApp.
Dizia assim, o seu perfil no Site:
"Nada. 36 anos. Santo Antão-RS. Sei que ninguém lê mas evitaria conversa fútil e respostas desagradáveis sou solteira solteira solteira solteira solteira solteiríssima solteira solteira independente favor homem casado puxar pra esquerda não estou interessada em aventuras sexo casual grana não troco fotos nuds chamadas de vídeo então respeito é bom para todos certo...".
Agora sei seu nome: Nada.
Tudo fez sentido.
Ela não existe.
Apenas o celular, 
meio espatifado
mas funcionando a mil,
com seus contatos e ficantes
e fotos e vídeos
e et cetera e tals.

(B. B. Palermo)

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Você bebeu e transcendeu e agora brinca de roleta russa



Outro dia prometendo afastar-se do
álcool,
perguntando das chances com a baixinha
parruda
devoradora de histórias                       
frustradas
e postagens e fotos pra cima,
no Facebook.
Lembro duma balconista que  esbarrei num site de namoro e
que se queixou do casamento.
Quase todas e todos
queixam-se de seus relacionamentos.
Muita gente investe dezenas de milhares de reais numa festa de
casamento.
Trajes e decoração e comes e bebes e fotos e filmagens.
São tempos românticos, e
o amor é engarrafado e
rotulado e é um belo sonho.

O que você tem com isso?
Você faz contatos imediatos e
busca uma janela
casual.
O Tinder é ótimo.
Fisga uma em que o marido trabalha no pesado e
ao chegar em casa exausto
não dá atenção pra mulher e pras
crianças.
Você insiste, está disponível,  mas ela ainda está agarrada às cortinas do
matrimônio,
ou possuída pelo orgulho.
Quando estava a fim, você deu a
mínima.
Algumas cervejas e você não quer saber de reflexões éticas
ou estéticas ou políticas.
Você se diz do bem, mesmo sendo vazio como caixa de papelão                     
que aguarda o lixeiro diante da
loja.
Numa pontinha de discernimento, reconhece o esforço dessas
guerreiras
em se manterem íntegras diante do observatório
social.
A hora escapa, já passa da meia noite e não é justo você abduzir do
lar
uma diva que está numa boa com sua rua e
seu bairro
e que labutou das sete às sete, mais a creche das crianças e
padaria e mercado.
Não é justo, apenas você bebeu e transcendeu e brinca de
roleta russa e
quase acredita que todos - menos você - se levam a sério demais.
Podes ser meio vazio, quase uma
caixa abandonada
diante da loja,
mas bota fé no currículo,
além das lembranças
que vais carregar até o juízo final.
Lembranças singelas,
como contemplar a chuva
pela janela de casa,
na infância.
Uma imagem anterior aos boletins escolares e
à Primeira Comunhão e às punhetas fodásticas,
entrando em cena a professora de literatura,
ela,
sempre ela,
conduzindo a carruagem do imaginário
e libertando os primeiros jatos de
porra.

Uma chuva enlouquecida
verte goteiras nesse bar
onde me escondo e
deixa os cabelos da garota muito
brilhosos.
Vivemos outros tempos,
muita química,
muita luz e irradiações e compartilhamentos
virtuais e
a religiosidade em torno de nossa
imagem.
Mas não posso (e nem quero) abandonar as lembranças
infantis.
Não desejo engolir potes e frascos da indústria química
nesses institutos de beleza.
Desejo apenas o transcender divino
que me vem com a lembrança
infantil...
Porém, Freud, sempre o filho da puta
do Freud,
teorizando como quem
sempre soube
que tudo acaba
no eterno retorno
das maluquices da infância...
Muita, muita
punheta e...
punheta.


(B. B. Palermo)

Bukowski - do livro "Mulheres"


Quando era jovem, eu vivia deprimido. Mas, agora, o suicídio não era mais uma saída
pra mim. É o que parecia. Na minha idade, já não sobrava muito o que matar. Era bom
envelhecer, a despeito do que os outros diziam. Era razoável que um homem tivesse de
esperar até os cinquenta pra poder escrever com alguma clareza. Quanto mais rios você
atravessa, mais você aprende sobre eles – quer dizer, se você consegue sobreviver à água
translúcida e às rochas ocultas. De vez em quando, era um osso duro de roer, a vida.

PALAVRÓRIO - Chacal


o papel da palavra: palavrão.
a palavra no papel: papelão.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Devaneios do El Cabezón



Graças a Deus, tudo vai brotar e
florir e sorrir.
As plantas vão crescer como bailarinas pré-adolescentes no palco,
em dia de estreia.
Meu pé de cannabis está radiante,
dança e requebra nesse vento leve,
depois da chuva escassa e
tardia e bem-vinda
do início de verão.             
Se não for pra chegar de voadora
nos vitrais dessas igrejas,
eu me demito da arte e do meu emprego fixo
de serviços gerais na prefeitura.
Não me queiram devagar,
dopado pelos tarja preta da vida
que aguardam nas farmácias de esquina.
Não me esperem prestando homenagens à
falange de mortos
expostos nas vitrines funerárias.
Da vida bastam as garotas,
as mais loucas e deliciosas e cretinas.
Já fui expulso do catecismo e
da primeira comunhão,
então não me aguardem com a arma engatilhada
mijando nas pernas das calças,
atiro antes de perguntar.
Tudo bem, sei que é por isso que botei fora em
carreiras os
meus romances.
Não me queiram comum.
É preciso meter o pé na porta e
orquestrar sinfonias
que libertem os medos anais e
mandem pro espaço essa
vidinha vulgar.

(B. B. Palermo)
                                              

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Dizem que o banho é refrescante




Assistia no Youtube um documentário
sobre a Estamira,  
a maluca filósofa que viveu e trabalhou
num lixão em São Paulo.
A toda hora uma luzinha piscava na cabeça
e me lembrava de que estava há uns três dias
bêbado
e fugindo do banho.
Eis que ouço a voz dessa irmã,
como se cavalgasse o vento:
- Nunca tomei banho, mas ouvi dizer que é refrescante.

(B. B. Palermo)




Sexo no casamento



Sexo no casamento é forçar a barra, agora nossos shih tzu dividem a cama, como se fossem espíritos indiscretos.

(B. B. Palermo)

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Um mamífero escapuliu do zoológico



Se tiver um carrão importado
você terá outros rabos.
Não sei se esta frase navegava
na parte mais festiva do meu cérebro,
ou se era projetada pelo outdoor da esquina,
ou se ouvira certo dia
num melancólico
suspirar  do Beiço.
Convenci-me de que depois de certa idade
o que nos mantém de pé e olhando pro horizonte
é a ilusão de que algo bom surgirá, num flash,
como por exemplo nossa "cara metade".
Enquanto o marido averiguava as coisinhas
que o frentista fazia no caminhonetão,
sentada no banco ao lado do banco do motorista,
séria e gostosa e contemplativa
e de ray-ban,
ela parecia olhar pra mim.
Estava sentado a uns dez metros
e duvidava de que tivesse alguma curiosidade,
embora seja tipo raro de mamífero
que vive escapulindo do zoológico.
Eu a perdoo por ela não saber
que estou por dentro de outras coisas
além do cheiro da fumaça do óleo diesel
e do glifosato e do 24d que regam nossas terras vermelhas.
Ela não fazia ideia de que por aqui
tudo se espalha e inala e se compra e vende
fazendo crescerem humanos e animais
e plantações de trigo e soja.
Ela não sabe que cansei de cheirar
refis que chapam pernilongos
e o barulho do ventilador me deprime
nesse cafofo com tapetes paralisados pelo pó.
Para sua integridade psíquica,
eu a perdoo por não saber que sonho me entorpecer da maresia
que vem do mar aberto do litoral sul do Brasil.
Ela me fitava e devia pensar qualquer coisa,
algo prático,
tipo o que fazer pra se livrar do "mala",
como se virar sem um casamento
com menos grana e status.
A merda é conseguir evitar
o sentimento de culpa
por ter desejos de liberdade,
por não se adaptar definitivamente
a uma relação afetiva que pague impostos à civilização.
Se ela viesse ter comigo
eu diria que viver
é estar impregnado 
de desejos e frustrações.
Diria: Acredite no amor,
mas não apenas nesse daí.
Eis-me aqui, gavião solitário,
contemplando espécimes raras e comuns
e tristes e cheias de dúvidas
assim como eu.

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Tá difícil pro escritor competir com a realidade



Onze da noite, estava assistindo no Youtube uns vídeos estranhos. Um sujeito fala de como é o pós-morte de alguém que comete suicídio. O incrível descreve casos de suicídio como se estivesse falando da previsão do tempo. E diz também como os suicidas serão recebidos quando chegarem no outro lado. Estava boquiaberto assistindo essa coisarada quando recebo mensagens pelo Messenger.
- Oi Palermo você é casado quantos anos você tem.
Logo depois recebo um áudio.
- Manda uma foto tua grande pra mim te vê.
Aí manda uma ligação. Não atendo, claro. Escrevo-lhe uma mensagem.
- Oi. Tudo bem? Te conheço?
- Tu não me conhece nem eu te conheço mas eu queria ver a tua foto.
Escrevo-lhe o seguinte:
- Tô na meia idade e tenho fugido de algumas mulheres.
Recebo outro áudio.
- Eu tô casada mas na verdade eu quero me separar, porque meu marido é um idiota. Daí eu quero ver se arrumo outra pessoa pra mim.
Outro áudio, onde diz a sua idade, e insiste pra que envie uma foto, das grandes.
Silenciei. Continuou insistindo. Pouco depois recebo uma foto dela sentada no colo do marido, e com um gato no seu colo.
Recebo outra mensagem.
- Eu quero um relacionamento sério e você também.
Como não respondi, ela pergunta:
- Não gostou de mim?
Ganhei tempo. Dei uma espiada nas suas postagens e perfil no Facebook.
Ela fez outra e mais outra ligação.
Escrevi para ela:
- Calma, tô no bar com amigos. Conversamos amanhã.
Outro áudio, onde ela sussurra:
- Me-man-da-tua-fo-to...

Santo Cristo! O que que eu faço?
Depois de ler algumas das suas postagens no Face, enviei-lhe esta mensagem:
- Não te conheço. Não quero me envolver com mulher casada. Não quero levar uns tiros.

Uma das postagens dela me chocou, mais do que o vídeo que assistia no Youtube. Não, tudo tranquilo com as fotos em que ela está ao lado do marido e etecétera e tal. O que me espantou foi uma foto onde aparecem algumas crianças, tirada há uns quinze anos, e que ela compartilhou. Uma das crianças era (é) sua filha, e que foi adotada quando tinha uns seis anos. A mãe biológica não tem a mínima ideia de onde está sua garota e quem são os pais adotivos. Hoje ela deseja muito rever sua menina que, aliás, é uma garota de vinte e poucos anos.

Tempos difíceis para quem pretende ser escritor e viver de ficção.
A realidade, muitas vezes, dá de dez a zero.

(B. B. Palermo)

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Eu tenho vergonha quando bebo e ela está do outro lado da rua



Estou no bar, sentado junto a uma mesa na calçada, e ela está do outro lado da rua, sentada em seu banco de concreto, diante de sua pequena casa toda organizada e de pintura nova. Está acompanhada do seu marido e um amigo do marido e sua cuia de chimarrão e garrafa térmica e seu cabelo brilhoso e seus brincos e aquela cara de tédio, observando-me fazer a sucção de  alguns litros de cerveja e ser consumido pelo álcool. Ela não vê outra alternativa senão ciscar com os dedos no teclado do aparelho e passear pela web, enquanto seu marido conversa com o amigo sobre o aumento do dólar. Ela faz salgadinhos sob encomenda para festas de aniversários e outros eventos. Tem uma página no Facebook com diversas curtidas. Ela está sempre alegre e receptiva e falante, e eu ouvi muitos elogios a respeito da delícia que são suas coxinhas. Quando os clientes chegam, ela fala e fala sobre diversos assuntos, mas mantém segredo a respeito dos temperos orgânicos e caseiros, que fazem com que seus petiscos tenham personalidade própria. Penso fazer terapia. É que eu tenho vergonha quando bebo e ela me observa do outro lado da rua.

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...