domingo, 16 de fevereiro de 2020

Você bebeu e transcendeu e agora brinca de roleta russa



Outro dia prometendo afastar-se do
álcool,
perguntando das chances com a baixinha
parruda
devoradora de histórias                       
frustradas
e postagens e fotos pra cima,
no Facebook.
Lembro duma balconista que  esbarrei num site de namoro e
que se queixou do casamento.
Quase todas e todos
queixam-se de seus relacionamentos.
Muita gente investe dezenas de milhares de reais numa festa de
casamento.
Trajes e decoração e comes e bebes e fotos e filmagens.
São tempos românticos, e
o amor é engarrafado e
rotulado e é um belo sonho.

O que você tem com isso?
Você faz contatos imediatos e
busca uma janela
casual.
O Tinder é ótimo.
Fisga uma em que o marido trabalha no pesado e
ao chegar em casa exausto
não dá atenção pra mulher e pras
crianças.
Você insiste, está disponível,  mas ela ainda está agarrada às cortinas do
matrimônio,
ou possuída pelo orgulho.
Quando estava a fim, você deu a
mínima.
Algumas cervejas e você não quer saber de reflexões éticas
ou estéticas ou políticas.
Você se diz do bem, mesmo sendo vazio como caixa de papelão                     
que aguarda o lixeiro diante da
loja.
Numa pontinha de discernimento, reconhece o esforço dessas
guerreiras
em se manterem íntegras diante do observatório
social.
A hora escapa, já passa da meia noite e não é justo você abduzir do
lar
uma diva que está numa boa com sua rua e
seu bairro
e que labutou das sete às sete, mais a creche das crianças e
padaria e mercado.
Não é justo, apenas você bebeu e transcendeu e brinca de
roleta russa e
quase acredita que todos - menos você - se levam a sério demais.
Podes ser meio vazio, quase uma
caixa abandonada
diante da loja,
mas bota fé no currículo,
além das lembranças
que vais carregar até o juízo final.
Lembranças singelas,
como contemplar a chuva
pela janela de casa,
na infância.
Uma imagem anterior aos boletins escolares e
à Primeira Comunhão e às punhetas fodásticas,
entrando em cena a professora de literatura,
ela,
sempre ela,
conduzindo a carruagem do imaginário
e libertando os primeiros jatos de
porra.

Uma chuva enlouquecida
verte goteiras nesse bar
onde me escondo e
deixa os cabelos da garota muito
brilhosos.
Vivemos outros tempos,
muita química,
muita luz e irradiações e compartilhamentos
virtuais e
a religiosidade em torno de nossa
imagem.
Mas não posso (e nem quero) abandonar as lembranças
infantis.
Não desejo engolir potes e frascos da indústria química
nesses institutos de beleza.
Desejo apenas o transcender divino
que me vem com a lembrança
infantil...
Porém, Freud, sempre o filho da puta
do Freud,
teorizando como quem
sempre soube
que tudo acaba
no eterno retorno
das maluquices da infância...
Muita, muita
punheta e...
punheta.


(B. B. Palermo)

Bukowski - do livro "Mulheres"


Quando era jovem, eu vivia deprimido. Mas, agora, o suicídio não era mais uma saída
pra mim. É o que parecia. Na minha idade, já não sobrava muito o que matar. Era bom
envelhecer, a despeito do que os outros diziam. Era razoável que um homem tivesse de
esperar até os cinquenta pra poder escrever com alguma clareza. Quanto mais rios você
atravessa, mais você aprende sobre eles – quer dizer, se você consegue sobreviver à água
translúcida e às rochas ocultas. De vez em quando, era um osso duro de roer, a vida.

PALAVRÓRIO - Chacal


o papel da palavra: palavrão.
a palavra no papel: papelão.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Devaneios do El Cabezón



Graças a Deus, tudo vai brotar e
florir e sorrir.
As plantas vão crescer como bailarinas pré-adolescentes no palco,
em dia de estreia.
Meu pé de cannabis está radiante,
dança e requebra nesse vento leve,
depois da chuva escassa e
tardia e bem-vinda
do início de verão.             
Se não for pra chegar de voadora
nos vitrais dessas igrejas,
eu me demito da arte e do meu emprego fixo
de serviços gerais na prefeitura.
Não me queiram devagar,
dopado pelos tarja preta da vida
que aguardam nas farmácias de esquina.
Não me esperem prestando homenagens à
falange de mortos
expostos nas vitrines funerárias.
Da vida bastam as garotas,
as mais loucas e deliciosas e cretinas.
Já fui expulso do catecismo e
da primeira comunhão,
então não me aguardem com a arma engatilhada
mijando nas pernas das calças,
atiro antes de perguntar.
Tudo bem, sei que é por isso que botei fora em
carreiras os
meus romances.
Não me queiram comum.
É preciso meter o pé na porta e
orquestrar sinfonias
que libertem os medos anais e
mandem pro espaço essa
vidinha vulgar.

(B. B. Palermo)
                                              

terça-feira, 11 de fevereiro de 2020

Dizem que o banho é refrescante




Assistia no Youtube um documentário
sobre a Estamira,  
a maluca filósofa que viveu e trabalhou
num lixão em São Paulo.
A toda hora uma luzinha piscava na cabeça
e me lembrava de que estava há uns três dias
bêbado
e fugindo do banho.
Eis que ouço a voz dessa irmã,
como se cavalgasse o vento:
- Nunca tomei banho, mas ouvi dizer que é refrescante.

(B. B. Palermo)




Sexo no casamento



Sexo no casamento é forçar a barra, agora nossos shih tzu dividem a cama, como se fossem espíritos indiscretos.

(B. B. Palermo)

sábado, 8 de fevereiro de 2020

Um mamífero escapuliu do zoológico



Se tiver um carrão importado
você terá outros rabos.
Não sei se esta frase navegava
na parte mais festiva do meu cérebro,
ou se era projetada pelo outdoor da esquina,
ou se ouvira certo dia
num melancólico
suspirar  do Beiço.
Convenci-me de que depois de certa idade
o que nos mantém de pé e olhando pro horizonte
é a ilusão de que algo bom surgirá, num flash,
como por exemplo nossa "cara metade".
Enquanto o marido averiguava as coisinhas
que o frentista fazia no caminhonetão,
sentada no banco ao lado do banco do motorista,
séria e gostosa e contemplativa
e de ray-ban,
ela parecia olhar pra mim.
Estava sentado a uns dez metros
e duvidava de que tivesse alguma curiosidade,
embora seja tipo raro de mamífero
que vive escapulindo do zoológico.
Eu a perdoo por ela não saber
que estou por dentro de outras coisas
além do cheiro da fumaça do óleo diesel
e do glifosato e do 24d que regam nossas terras vermelhas.
Ela não fazia ideia de que por aqui
tudo se espalha e inala e se compra e vende
fazendo crescerem humanos e animais
e plantações de trigo e soja.
Ela não sabe que cansei de cheirar
refis que chapam pernilongos
e o barulho do ventilador me deprime
nesse cafofo com tapetes paralisados pelo pó.
Para sua integridade psíquica,
eu a perdoo por não saber que sonho me entorpecer da maresia
que vem do mar aberto do litoral sul do Brasil.
Ela me fitava e devia pensar qualquer coisa,
algo prático,
tipo o que fazer pra se livrar do "mala",
como se virar sem um casamento
com menos grana e status.
A merda é conseguir evitar
o sentimento de culpa
por ter desejos de liberdade,
por não se adaptar definitivamente
a uma relação afetiva que pague impostos à civilização.
Se ela viesse ter comigo
eu diria que viver
é estar impregnado 
de desejos e frustrações.
Diria: Acredite no amor,
mas não apenas nesse daí.
Eis-me aqui, gavião solitário,
contemplando espécimes raras e comuns
e tristes e cheias de dúvidas
assim como eu.

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2020

Tá difícil pro escritor competir com a realidade



Onze da noite, estava assistindo no Youtube uns vídeos estranhos. Um sujeito fala de como é o pós-morte de alguém que comete suicídio. O incrível descreve casos de suicídio como se estivesse falando da previsão do tempo. E diz também como os suicidas serão recebidos quando chegarem no outro lado. Estava boquiaberto assistindo essa coisarada quando recebo mensagens pelo Messenger.
- Oi Palermo você é casado quantos anos você tem.
Logo depois recebo um áudio.
- Manda uma foto tua grande pra mim te vê.
Aí manda uma ligação. Não atendo, claro. Escrevo-lhe uma mensagem.
- Oi. Tudo bem? Te conheço?
- Tu não me conhece nem eu te conheço mas eu queria ver a tua foto.
Escrevo-lhe o seguinte:
- Tô na meia idade e tenho fugido de algumas mulheres.
Recebo outro áudio.
- Eu tô casada mas na verdade eu quero me separar, porque meu marido é um idiota. Daí eu quero ver se arrumo outra pessoa pra mim.
Outro áudio, onde diz a sua idade, e insiste pra que envie uma foto, das grandes.
Silenciei. Continuou insistindo. Pouco depois recebo uma foto dela sentada no colo do marido, e com um gato no seu colo.
Recebo outra mensagem.
- Eu quero um relacionamento sério e você também.
Como não respondi, ela pergunta:
- Não gostou de mim?
Ganhei tempo. Dei uma espiada nas suas postagens e perfil no Facebook.
Ela fez outra e mais outra ligação.
Escrevi para ela:
- Calma, tô no bar com amigos. Conversamos amanhã.
Outro áudio, onde ela sussurra:
- Me-man-da-tua-fo-to...

Santo Cristo! O que que eu faço?
Depois de ler algumas das suas postagens no Face, enviei-lhe esta mensagem:
- Não te conheço. Não quero me envolver com mulher casada. Não quero levar uns tiros.

Uma das postagens dela me chocou, mais do que o vídeo que assistia no Youtube. Não, tudo tranquilo com as fotos em que ela está ao lado do marido e etecétera e tal. O que me espantou foi uma foto onde aparecem algumas crianças, tirada há uns quinze anos, e que ela compartilhou. Uma das crianças era (é) sua filha, e que foi adotada quando tinha uns seis anos. A mãe biológica não tem a mínima ideia de onde está sua garota e quem são os pais adotivos. Hoje ela deseja muito rever sua menina que, aliás, é uma garota de vinte e poucos anos.

Tempos difíceis para quem pretende ser escritor e viver de ficção.
A realidade, muitas vezes, dá de dez a zero.

(B. B. Palermo)

domingo, 2 de fevereiro de 2020

Eu tenho vergonha quando bebo e ela está do outro lado da rua



Estou no bar, sentado junto a uma mesa na calçada, e ela está do outro lado da rua, sentada em seu banco de concreto, diante de sua pequena casa toda organizada e de pintura nova. Está acompanhada do seu marido e um amigo do marido e sua cuia de chimarrão e garrafa térmica e seu cabelo brilhoso e seus brincos e aquela cara de tédio, observando-me fazer a sucção de  alguns litros de cerveja e ser consumido pelo álcool. Ela não vê outra alternativa senão ciscar com os dedos no teclado do aparelho e passear pela web, enquanto seu marido conversa com o amigo sobre o aumento do dólar. Ela faz salgadinhos sob encomenda para festas de aniversários e outros eventos. Tem uma página no Facebook com diversas curtidas. Ela está sempre alegre e receptiva e falante, e eu ouvi muitos elogios a respeito da delícia que são suas coxinhas. Quando os clientes chegam, ela fala e fala sobre diversos assuntos, mas mantém segredo a respeito dos temperos orgânicos e caseiros, que fazem com que seus petiscos tenham personalidade própria. Penso fazer terapia. É que eu tenho vergonha quando bebo e ela me observa do outro lado da rua.

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

São Luiz X Internacional



Quarta-feira eu estava em casa e aguardava a Dolly, que vinha se divertir e apanhar os 200 reais que ajudariam nas fraldas e numas roupinhas pro seu bebê. Meia hora antes ela mandou mensagem dando uma desculpa qualquer, dizendo que não viria. Fiquei puto. Pensei investir os duzentos na sinuca no boteco do Maneta, mas lembrei que à noite meu time, o São Luiz, jogaria contra o Internacional, pelo Gauchão.
Então é assim, eu boto dinheiro e ela me sacaneia? Fiquei frustrado, garoava e estava fresquinho, então aqueci a alma com um latão e fui "armado" pro jogo. Cheguei no estádio um pouco mais cedo, pra relaxar na copa antes de subir pro pavilhão. Na entrada, depois de passar pela catraca, suei frio. Um guarda fortão me revistou, passando as mãos pela minha cintura, desceu até as nádegas e por sorte não percebeu o volume desproporcional que eu camuflava perto dos bagos. Fui até a copa e derramei uma latinha de guaraná num copão, tomei um terço e me afastei do alcance da visão dos garçons e saquei da braguilha o objeto proibido e fiz a alquimia. Ao sair da copa, em direção às escadas do pavilhão, sabia que não seria barrado pelo segurança. A vodca é incolor e não deixa rastros. O cara atuou profissionalmente. Espiou o que havia no copo que eu carregava e então eu falei "É guaraná, meu irmão".
Assim que me acomodei no meio de famílias inteiras, que vestiam camisetas dos dois times, um maluco com credenciais de jornalista, mochila nas costas e máquina moderninha pendurada no pescoço, se aproximou e quis tirar umas fotos e fazer umas filmagens. Falei pro cara: "Tô fora, nada de fotos, meu brother, quero passar em branco, sou foragido". Ele me olhou espantado e demoradamente, como se fizesse uma tomada com sua câmera, e vazou.
Os times estavam no aquecimento. Um velhinho não parava de me cutucar, queria saber os nomes dos jogadores titulares do Inter. "Quem é aquele negão?" "É o Moledo, senhor". Apontei outros jogadores: "Aquele é o Musto e o outro que tá tomando água é o Lindoso". O velhinho tinha problemas de audição e o som que tocava no estádio era ensurdecedor. Ele sempre perguntava: "Quem? Quem?". O D'Alessandro, ele identificou. "Nossa, como o gringo é miudinho e ligeiro!".
Mais ao lado e dois degraus acima, um pré-adolescente que estava empenando, com pressa pra virar galo, jogava sapiência creio que pra cima do pai e do tio e do avô. Ele sabia das coisas, com aquela voz esganiçada: "Olha só o D'Alessandro! Os jogadores tão alongando e ele fica fazendo gestos e falando, isso é que é liderança!". O garoto estava apaixonado pelo gringo.
No primeiro tempo o jogo foi elétrico, muitas boas jogadas e passes errados e quatro gols. O São Luiz começou na frente e o Inter virou, fazendo três. No intervalo, falei pra cambada ali ao redor: "Não dá, se time pequeno erra muito contra time grande, ele naufraga". As criaturas me fitaram, concordando, como se dissessem: "Esse cara sabe das coisas, até parece comentarista de jogos, nas transmissões pelo rádio".
Enquanto os times não voltavam do intervalo, suportei a vontade de mijar e de beber. Me distraí, apelando pra nostalgia. Falei pros que estavam por perto: "No meu tempo de futebol de várzea na Província de Palermo, eu jogava muito mais do que esses dois laterais do São Luiz. Meu, quem é o padrinho desses caras pra eles serem titulares de um time que joga a Primeira Divisão?" Como a plateia não ligou muito pra mim, fiquei contando pro velhinho minhas odisseias pelos gramados de minha juventude. Ele só repetia: "O quê? O quê?".
No segundo tempo o São Luiz fez dois gols e levou mais um. O jogo ia pelo meio e a garoa deu as caras. Onde eu estava a cobertura protegia da chuva. Os que estavam mais abaixo foram subindo e ficamos meio prensados, como numa lata de sardinha. Assim do nada sentou do meu lado uma trintona, com uma camiseta toda estilosa do nosso time, tinha cor preta com detalhes vermelhos. Os olhos verdes me encaravam daquele jeito, tive a impressão de que gostava de ler e de brincar com algumas sacanagens. "Você é o Palermo, não é? Leio tuas histórias no Facebook". Fiquei radiante, como se fosse o craque do time e fizesse mais um gol e conquistássemos pelo menos um ponto no jogo.
Aos trinta minutos do segundo tempo D'Alessandro foi substituído. Ao cruzar perto do alambrado, diante do pavilhão, a tietagem foi enorme. Centenas de celulares apontados na direção do cara. Que bosta de "pátria de chuteiras", pensei. Quem está bem de vida vem pro estádio lamber o saco dos famosos. Com o preço dos ingressos nas alturas, alguém notou algum neguinho de periferia assistindo este jogo?
A cada chance desperdiçada o velhinho que estava do meu lado esquerdo xingava e me acertava uns tapas. As coisas iam bem do meu lado direito. Eram coxas enroscando coxas. Já nos acréscimos não resisti e disse pra garota: "Posso te falar uma coisa? Eu não tenho mediunidade, mas sinto que você tem uma energia ótima". E ela: "Nossa! que bom! Obrigada".
Perdemos o jogo e eu ganhei uma companhia pra tomarmos uns chopes no bar do Mestre Luli.

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

Algumas tacadas num jogo de sinuca



Não me importo que riem da minha cara.
Deixem os meninos se divertirem.
Encaro tudo de bom humor.
Ninguém se importa comigo.
Ninguém se importa com os meninos lixeiros
sentados à sombra junto ao caminhão
comendo um pastel e bebendo refri.
Ninguém se importa com o garoto
servente de pedreiro
sentado no alto de um andaime
lanchando uma melancia.
Ninguém se importa
até porque nunca saberá
que o Cadelão carrega um espírito romântico,
está mais pra cadela
- segundo o Beiço.
Apenas algumas tacadas num jogo de sinuca.
Beiço está certo, sou menino feio e frio e fraco.
Mesmo me esforçando pra que dê errado no final,
creio no amor como uma forma
de não naufragar nesse mundo estranho.
Ninguém se importa que ela esteja comigo no bar.
Dê-lhe selfies
num sorriso ortodôntico.
Sempre me quis,
agora ela fode com o Beiço.
O menino não percebe a verdade:
a boceta da garota é feiticeira
e encantadora e traiçoeira.
Sempre disse ao meu amigo,
quando ela trepava comigo:
A mina é demais!
Ninguém se importa.
Nosso mundo é muito estranho.

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...