domingo, 12 de janeiro de 2020

Lendo uns contos de Hemingway e viajando



Gente - ele disse - a coisa mais divertida é você estar tão chapado que mergulha  numa consciência acima da média e acredita que é o momento perfeito para escrever aquele conto... Então, aí vai - ele disse - eis o conto...

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 10 de janeiro de 2020

Deus não veste calcinha nem cueca

A sequencia de bares na avenida chama estes príncipes a sentarem junto às mesas espalhadas pelas calçadas. Vivemos o momento e somos os caras. Garotas são princesas em suas belas posturas padrões e perenes e buscam por admiração e likes e tals.
Só eu sei da história de merda que tivemos. Antepassados imigrantes fodidos, vertendo sangue e quebrando seus ossos em busca da sobrevivência - os nossos bisavós, os avós, os pais.
Agora o ego inflou-se divinamente e toma conta desses desertos. Multidões de robôs e ovelhas sem memória da vida heroica e escrota que herdaram, clicando selfie e selfie e selfie. Ego massageado, em vez de enfiar o dedo no rabo. Muito sorriso ortodôntico e calcinhas e cuecas furadas e sujas e xoxotas com aquele sabor.
Tô ligado. Aqueles papos conhecidos como "clichês", que tanto se vê nas telenovelas. Passo a passo, siga a fórmula, primeiro o conflito e depois a lenga-lenga do "eu te amo", do "não consigo viver sem você", do "foram felizes para sempre".
Uma cambada. Voltando aos capítulos das novelas: mire nas cenas das famílias desfrutando o café da manhã, seus problemas previsíveis. Ó Jesus, e aqueles eletrodomésticos que todo brasileiro, por ser batalhador e sonhador, deveria ter em seu cafofo. E tome-lhe bombardeio da publicidade. E tomem sonhos frustrados.
Dá-lhe selfie. Sou rato que sai da toca, faminto, e sou enxotado por milhares de smartphones e suas luzinhas e seus clics e clics.
Deus nos abandonou. No bar, desperdiçamos e desviamos nossa energia.
Os príncipes meditam... quem comerá quem...
Olhávamos uns aos outros enquanto bebíamos e narrávamos nosso incrível cotidiano... Altos papos, tipo como foi a foda de fulano com sicrana... se foi debaixo do chuveiro ou... (Você diria Faça-me o favor, poupe-me dos detalhes). E se... teve ejaculação precoce ou não alcançou a porra do orgasmo... Se ela gemeu pra caralho naquela escapada no horário de almoço num quartinho de motel...
Muita energia desviada e represada.
E se meu time não fizer grandes contratações... E se não tiver café pra disputar nenhum título... E se o maluco que eu coloquei no poder é de fato um psicopata ignorante...
Quer use calcinhas ou cuecas ou saias ou fraldas, Deus definitivamente nos abandonou. Agora dependemos de uns bostas enlouquecidos que preferem a morte ao amor.
(B. B. Palermo)

quarta-feira, 8 de janeiro de 2020

A borboleta beijava a lâmpada do meu quarto


A fera teve imenso prazer em narrar o último de meus fiascos, que assistiu de camarote.
Mais pesado do que tropeços de bêbado nas madrugadas.
Mais pesado do que foder a puta cinquentona mijada e manjada.
Um coroa sendo zoado e observado pelos olhos atentos de uma multidão de escrotinhos a partir da narrativa de uma biba tinhosa que tem pesadelos anoréxicos por causa de seu complexos, que psicólogas atribuem a uma infância infeliz.
Uma medonha empolgada e triste e em cima do muro.
Nas redes sociais é solidaria às causas das minorias, os excluídos, os desfavorecidos, o sofrimento dos animais... Porém, nos grupos de futebol e beisebol e torcida organizada do glorioso Avante Futebol Clube, ela é o centro, manipuladora, a (o) intelectual, o garoto (a) que semeia o "politicamente correto".
Um musculoso transbordando pureza, e que gosta de coisas simples: jantares com sua esposa oficiala, bons livros e boa música e séries na Netflix.
Sujeito que organiza os eventos da torcida do time, patrocínios e tals e cuida do caixa 2.
Se partirmos pra imagem das bonecas russas, tira máscara e outra e mais outra máscara, emerge um radiante Frankenstein.
Mas não se empolguem, irmãozinhos: ninguém sabe até onde cada um de nós se esconde e se mostra.
A verdade sempre escorrega, desliza, está onde menos esperávamos. Não somos um espelho inteiro, cada figurinha no seu devido lugar. Somos mais uma lixeira trasbordando cacos de vidro.
É uma questão de tempo. A leoa vai se soltando, vai florescendo, uma pétala, outra pétala, bem-me-quer, malmequer, sou-do-bem-sou-do-mal-sou-legal-eu-sou-bad.
O que vale é o que aparece. O bom carro, as propriedades, o discurso, a oficiala que apresentamos nos ilustres momentos.
Mas tem sujeitos com essa aparência tranquila que de uma hora pra outra mergulham de pontes e de prédios ou que se jogam na correnteza de rios apressados, como se fossem garotos kamikazes.
Aqui estou, despedaçado, fazendo intriga. A biba fez isso, a biba fez aquilo.
Todo mundo tem segredos e pensamentos e impulsos e desejos impublicáveis, que nem o FDP do Sombra controla.
Uma da manhã, enroscado nessas mágoas ressentidas, eu atuava numa bronha valente e solitária, na companhia de uma borboleta enorme e colorida e transgênica, que beijava enlouquecidamente a lâmpada do meu quarto.

(B. B. Palermo)


terça-feira, 7 de janeiro de 2020

O dia em que a verdade se revelou


Lucy saltou fora outra vez. No bar, energias paranoicas dançam no meu copo e me distraem da percepção verdadeira do que acontece ao redor. Aí um amigo mandou pelo WhatsApp umas fotos de uma garota argentina que é stripper em algumas boates daqui, foto toda produzida no Facebook, parece uma estrela de filme hollywoodiano. Pense numa belíssima de pouco mais de 20 anos. E não vi no seu rostinho aquela safadeza que leva um coroa apaixonado à falência.
Eis que chega no bar o Seu Amadeo, para beber seus dois litrões  e trovejar sandices. No semáforo da esquina magrões detonam as caixas de som de suas picapes. Seu Amadeo ergue o tom:
- Caras chatos, nem tico têm e quase não endurece, aí botam a música lá no alto.
Havia uns carinhas por ali, sentados. Nos entreolhamos.
- Pronto.
- A velha ladainha.
- Eu amo todos os meus amigos - seu Amadeo agora é um cidadão preocupado - mas eles não sabem se cuidar. O cara é careca, anda de bicicleta, por que não coloca um gorro na cabeça?
O brotinho em sua corrida, de roupas justíssimas e adequadas,  atende o celular e deixa seu Amadeo puto:
- É o fim da picada! Ela não sabe por onde anda!
A garçonete apanha copos e garrafas e limpa outra mesa e seu Amadeo dispara:
- Guria, eu tem amo, mas fica em segredo.
Pouco depois Ele abana pra atendente de farmácia, do outro lado da rua.
- Olha lá, a minha namorada.
A semana foi de chuvas intensas.
- Queria que chovesse, pra chegar em casa e dormir.
Brotos caminham pela calçada em suas calças leggin e shorts ajustadíssimos. O velho fica babando.
- Elas tão procurando homem!
Cretino, diz que conhece o mundo. Pisco o olho pros outros e pergunto quais capitais ele conhece. Desconversa e desconversa. Setenta e poucos anos, quer uma arma pra se defender.
- Mas o senhor, com uma arma em casa, meio deprimido, não vai se dar um tiro na cabeça?
Mesmo bebendo todas, todos os dias, garante que tem desenvoltura pra encarar qualquer bandido. Isso aí, somos todos machos valentões, e isso é o que importa.
Seu Amadeo é prolixo, cutuca qualquer assunto.
- Até eu, que sou meio bobo, já sabia que esse governo não ia dar certo.

Agora ele ignora os demais e me aluga. Sua papagaiada envolve a rotina familiar. A filha, a neta, o genro, a ex-mulher. Ele não sabe o que é terapia. Cura pela fala. Método de associação livre.
A verdade se revela, assim, num relâmpago: jamais serei psicanalista. Eu não suporto ouvir a repetição e repetição desses dramas, parecidos com aqueles filmes de Woody Allen.
O filho da puta não sabe que terapia implica investimento, pagar alguém pra que nos ouça em nossas paranoias que se repetem.
Falei do CAPS pro velhinho. Um psicólogo, ou psiquiatra, ou psicanalista vai te ouvir de graça, pelo menos uma hora por semana. Ou pega o dinheiro que queima em cerveja e paga pra uma psicóloga te ouvir, com o direito de se apaixonar por ela.
Enfim, outro dia no bar, e que rendeu outra verdade: não vale a pena ficar velho e depender cada vez mais de ouvidos de bebuns, encontrados ao acaso nesses botecos. E o pior: sem ter ideia de que está repetindo pela centésima vez a mesma história.

(B. B. Palermo)

terça-feira, 31 de dezembro de 2019

Conclusões apressadas de todo ano


As fotos dessas garotas em seus perfis no WhatsApp e Facebook - de sorrisos encantadores e batons vermelhos e poses com pouca roupa - combinam com o calor de 40 graus e a sede por espalhar a sensualidade.
A meteorologia não traz esperança, e o clima derrete minha paciência nessa virada de ano.
A TV mostra e mostra a pirotecnia que será a queima de fogos nas principais capitais do país. São esperadas 3 milhões de pessoas em Copacabana. Grandes shows num palco gigantesco em São Paulo.
Todos correm e gritam e sorriem e renovam os sonhos.
Não conseguirei sentar diante da TV, "com a boca escancarada cheia de dentes esperando..." o dia primeiro de janeiro de 2020 chegar.
Aqui estou surfando na turbulência de um grande tédio.
Todos os anos, a televisão e o resto da mídia e as pessoas se comportam do mesmo jeito: previsíveis.
Numa mesinha de um bar eu refletia sobre essas coisas, quando notei um sujeito descer do carro, falando no celular.
De imediato mapeei seu perfil: eis um cara prático, deve ser engenheiro ou dono de loja de peças para máquinas pesadas.
Aqui está um dos nossos grandes e feios defeitos: partir para conclusões apressadas.
Ele pode ter sido ator famoso de nossa Broadway, ou de Hollywood.
O rei da soja no Centro-oeste brasileiro.
O cara que bancou a mais gostosa da Playboy...
Eu aqui julgando, limitado pelas pretensões de minha míope visão.
Pela manta surrada, de tantos invernos.
Pelo capuz do meu resfriado.
Pela jaqueta e uísque e aparelho de som do Paraguai.
O dia 31/12/2019 é de um calor broxante.
E na minha cabeça o inverno entrou de férias
e levou consigo meu punhado de paciência para com as coisas do mundo.

(B. B. Palermo)


segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

As coisas não estão tão ruins assim



Esses caras que compartilham conteúdos de m**** nas redes sociais me fazem lembrar das minhocas esforçadas que transformam o lixo úmido em adubo pra minha horta.
Que bela missão eles têm!
Isso tudo é o que faz a máquina girar.
Não sei pra onde, e isso é o que menos importa.
Garanto pra vocês que as coisas não estão tão ruins assim.
Se vocês protestarem:
- Não estão ruins, Cadelão? Teu cu!

Eu vos perdoo.
Vivemos de fases, seus malucos.
Conheço uma garota que suga a grana de um plantador de soja.
Ela me chama, entro na festa fantasiado de Homer Simpson. 
O plantador banca tudo e parece feliz.
É isso, meus brothers. Viver requer certo risco.
Mas vamos em frente.
As coisas não estão tão ruins assim.

(B. B. Palermo)

domingo, 29 de dezembro de 2019

Deus! Que domingo de tarde inesquecível!


Deus! Que domingo de tarde inesquecível!
Começou aquela chuva, e as cadelas do prédio ao lado dançam na sacada, bêbadas.
Jesus, dai-me a inspiração do Bukowski nessa hora.
Meu amor está distante, e eu não sei expressar direito o amor que sinto por Ela.
(B. B. Palermo)

sábado, 28 de dezembro de 2019

Eu pensava outras coisas



O casal de garotos bebe em silêncio na mesa ao lado. Sete da noite, 40 graus e eu acabei de retornar da padaria, onde almocei uns pasteizinhos e café com leite, expresso.
Sentado naquela mesinha solitária da padaria eu observava senhoras e crianças e garotas de shortinho na fila do pão. Óbvio, como a sexta, que me perguntava Quem somos nós na fila do pão?
Eu pensava outras coisas. Na Lucy, seus vinte e poucos, aquariana que, segundo os astros, combina com meu signo. Eu sonhava que ela seria a agente literária perfeita do Cadelão, prestativa, como ela se autodefine.
Eu pensava outras coisas. Como seria maravilhoso se eu fosse a reencarnação do Hemingway, se pudesse retomar e tocar adiante sua obra, e também pudesse ser um escritor reconhecido no planeta inteiro, e ter inspirações em português e inglês e italiano e espanhol, e ter um romance roteirizado e transformado em filme.
Eu pensava outras coisas. Em Lucy e seu papel de mãe, em Hemingway e a inveja que ele me despertou quando li "O sol também se levanta" e "Adeus às armas". Porra, quando vou conseguir bolar aqueles diálogos espertos entre os personagens? Quando vou conseguir descrever cenários e paisagens com a riqueza de detalhes e a concisão que o FDP conseguiu?
Eu pensava outras coisas. De que devo ler menos os grandes e mais uns escritorezinhos de merda, uns pretensiosos que encontro por aí, com certeza isso vai levantar meu astral.
Eu pensava outras coisas. De que enchi o saco de tanta punheta e sexo casual e que Lucy devia me compreender, Ela é a garota de minha vida, porque nós dois somos loucos e aventureiros, no fundo ela adora esse coroa bebum e escroto e sensível e espirituoso.

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Somos uns FDP tão burros que até parecemos ingênuos




Estamos juntos, com nossas bicicletas e esteiras e cacetes e xotas abandonadas num canto.
Estamos juntos, com nossas veias entupidas de tanto transportarem frustrações.
Me identifico com todos, por isso estamos juntos. Flutuo entre uns caras surdos que berram toneladas de amenidades e depositam numa latrina minha sede.
Estamos juntos, com nosso cabelo cada vez mais ralo, nossas olheiras e dentes mal cuidados, nossas orelhas mergulhadas na cera, nossas mulheres que funcionam como babás.
Nossos aluguéis atrasados, nossas mansões e venenos derramados nas plantações e nossos bebês prematuros e seus defeitos, como se recebessem uma tatuagem ou marca, a nossa idolatria ao progresso.
Estamos juntos, com nossos carros econômicos e limpos e brilhantes, como se fossem limusines, com nossas festas de fim de ano, da empresa e da escola e da família, e nossas postagens bonitinhas nas redes sociais com aquela ortografia horrorosa.
Estamos juntos, com nossos chás emagrecedores e frutas que apodrecem na fruteira e legumes mofados na geladeira. Adoramos citar Clarice Lispector e Martha Medeiros e Mario Quintana, aquelas merdas de autoajuda que fingimos não saber que não foram esses caras que escreveram.
Estamos juntos nessa de sermos uns filhos da puta tão burros que parecemos ingênuos.
Estamos juntos com nossa raiva que faz estragos, como se fosse granada explodindo no meio da multidão. Nossas respostas amargas e ríspidas a quem nos contraria revelam imensa fraqueza. É como se abríssemos uma clareira na floresta usando facão sem cabo e sem usar roupa ou qualquer proteção, totalmente nus e expostos às investidas de cobras e insetos.
Estamos juntos nessa de nos considerarmos anjos rodeados de cobras e insetos.
Estamos juntos, com nossos lençóis limpos, sacadas arejadas e amantes discretas e compreensivas, como se existissem apenas no imaginário. Estamos juntos, mulheres perfeitas existem apenas no imaginário. Estamos juntos, homens perfeitos não existem. Me conheço.
Estamos juntos. Se me perguntarem: Pra 2020, escolherei Cristo ou álcool ou drogas? Simplesmente responderei:  Sou todo Lucy, com seus peitos e coxas e bunda musculosa e sacadas espirituosas e sotaque portunhol que bombeia meu sangue até os países baixos e sua personalidade inesquecível que amarei eternamente no ano que vem.
Estamos juntos e sabemos que somos anjos protegidos por nossos deuses e ídolos do esporte e da música e da política, seres reais e imaginários, responsáveis pra dar sentido pra essa vidinha de filhos da puta pra lá de burros, mas tão burros que até parecemos ingênuos.

(B. B. Palermo)
                                                        

sábado, 14 de dezembro de 2019

Nada, nada, nada


A folha em branco, copo d'água e uma cerveja, e nada, nada, nada.
Um velho ansioso pra contar as cagadas que fez na semana, a folha em branco esperando, e nada, nada, nada.
A cerveja pouco gelada, o tímido colarinho, o velhinho que insiste em bater papo, a folha em branco, e nada, nada, nada.
A ressaca que grita mais alto, planos outra vez adiados, o comportamento esquisito do trânsito na noite de sexta, a folha em branco, e nada, nada, nada.
O silêncio dos coerentes, a gritaria dos idiotas, jovens e velhos só falam em negócios e grana, a folha em branco, e nada, nada, nada.
Greves no topo, greves quase estourando, governantes são cocô de cachorro que pisei na calçada, meu coração reclamando, a folha em branco, e nada, nada, nada.
Alarmes disparam, guardas berram salários atrasados, câmeras de segurança estão me vigiando, a folha em branco, e nada, nada, nada.
Mapas estão sobre a mesa, mapas estão nas paredes, mapas estão olhando e rindo de minhas  escolhas, a folha em branco, a caneta fiel e impotente, e nada, nada, nada.
Gostaria de conhecer todas as putas da cidade, gostaria de casar com uma virgem e viver bodas de ouro de fidelidade... hoje estou delirando... a folha em branco, e nada, nada, nada.

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...