sexta-feira, 12 de julho de 2013

Mala

Mala meu lado mais mala vilhoso virou mala mal maleável meticulosa milagrosa milimetricamente mala miserável mala excesso de bagagem supérflua de inutilidade pública esquecida nos achados & perdidos sem alças vazia e cheia de esperança de me preencher assim que te encontrar.

terça-feira, 9 de julho de 2013

Medida provisória


Primeiros goles de cerveja
o gosto é amargo
eu soco soco
até descer.

A cabeça turbinada
zonza alucinada
pergunta o que será 
de mim sem você.

Prometo abraçar a natureza
dar ao povo educação e muita arte
muita saúde e pão na mesa
levar o amor pra toda parte.

Temo que a paixão corrupta
faça a cabeça do meu ser
para que venda a minha alma
só pra poder te corromper.

Meu novo projeto decreto
não será debatido no plenário
socado será medida provisória:
fazer decolar a nossa história!


quarta-feira, 3 de julho de 2013

Poema tirado de uma notícia de jornal - Manuel Bandeira


João Gostoso era carregador de feira livre e morava no morro da Babilônia num barracão sem número
Uma noite ele chegou no bar Vinte de Novembro
Bebeu
Cantou
Dançou
Depois se atirou na lagoa Rodrigo de Freitas e morreu afogado.

segunda-feira, 1 de julho de 2013

É urgente, preciso falar...


É urgente.
Preciso falar
qualquer coisa
agora.
A espera
pelo fim do inverno
o re-começo da primavera,
que seja.
Dos projetos da hora
que me chamem pra dançar,
que seja.
Sonhos individuais
sonhos coletivos
meu lado comum, incomum,
adolescente, adulto, criança,
que seja.
Tentativas
acertos e erros
previstos e imprevistos
lembrados por uma amiga
na combustão mais sincera
de sua mais recente bebedeira.
Quero falar qualquer coisa, agora.
Para qualquer mente, ouvido
ou consciência virtual,
que seja.
O silêncio me incomoda.

Maria pintada de praia - Dalton Trevisan


GRANDALHÃO, voz retumbante, é adorado pelos filhos. João não vive bem com Maria ambiciosa, quer enfeitar a casa de brincos e tetéias. Ele ganha pouco, mal pode com os gastos mínimos. Economiza um dinheirinho, lá se foi com a asma do guri, um dente de ouro da mulher. Ela não menos trabalhadeira: faz todo o serviço, engoma a roupinha dos meninos, costura as camisas do marido. Inconformada porém da sorte, humilhando o homem na presença da sogra.

Para não discutir ele apanha o chapéu, bate a porta, bebe no boteco. Um dos pequenos lhe agarra a ponta do paletó:

— Não vá, pai. Por favor, paizinho.

Comove-se de ser chamado Paizinho. Relutante, volta-se para a fulana: em cada olho um grito castanho de ódio.

— O paizinho vai dar uma volta.

Tão grande e forte, embriaga-se fácil com alguns cálices. Estado lastimável, atropelando as palavras, é o palhaço do botequim. E, pior que tudo, sente-se desgraçado, quer o conchego do corpo gostoso da mulher.

Mais discutem, mais ele bebe e falta dinheiro em casa. Maria se emboneca, muito pintada e gasta pelos trabalhos caseiros. Desespero de João e escândalo das famílias, a pobre senhora, feia e nariguda, canta no tanque e diante do espelho as mil marchinhas de carnaval. Os filhos largados na rua, ocupada em depilar sobrancelha e encurtar a saia — no braço o riso de pulseiras baratas.

Com uma vizinha de má fama inscreve-se no programa de calouro:

— Sou artista exclusiva — ufana-se, com sotaque pernóstico. — A féria é gorda!

Aos colegas de rádio oferece salgadinhos e cerveja. João escapole pelos fundos, envergonhado da barba por fazer. Volta bêbado e Maria tranca a porta do quarto, obrigado a dormir no sofá da sala. Noite de inverno, o filho mais velho, ao escutá-lo gemer, traz um cobertor:

— Durma, paizinho.

A cada sucesso de Maria — o quinto prêmio da marchinha, o retrato no jornal, a carta com pedido de autógrafo:

— Ela ainda recebe uma vaia — é o comentário de João. - Com uma boa vaia ela aprende!

Ó não — essa aí quem é de cabelo oxigenado? Acompanhada a casa, horas mortas, pelo parceiro de vida artística. Ora o cantor de tangos, ora o mágico de ciências ocultas. Demora-se aos beijos na porta e as mães proíbem as crianças de brincar com os dois meninos. João sabe que é o fim — dona casada que tinge o cabelo não é séria. Vai dormir no puxado da lenha, encolhido na enxerga imunda, a garrafa na mão.

Dois dias fechado (assusta-lhe a própria força e jamais bate nos filhos), urra palavrão e desfere murro na parede. Maria faz as malas e, sem que os pequenos se despeçam de João, muda-se para casa dos pais.

Lá deixa os meninos e amiga-se com um pianista de clube noturno. Mais uma bailarina, que obriga os clientes a beber. O pianista, vicioso e tísico, toma-lhe o dinheiro e, se a féria não é gorda, ainda apanha.

Cansada de surra, volta à casa dos pais. Então a velha sai em busca de João e sugere as pazes.

— Ela que fique onde está. Não quero Maria, nem pintada de prata.

Despedido da fábrica por embriaguez, sobrevive com biscates. Ao vestir o paletó, da manga surge uma cobra e, aos berros, lança-o no fogo. Aranha cabeluda morde-lhe a nuca; inútil esmagá-la com o sapato, de uma nascem duas e três — enrodilha-se medroso a um canto e esconde nos joelhos a cabeça.

Domingo recebe a visita dos filhos, enviados pela sogra. Divertem-se no Passeio Público a espiar os macaquinhos. O pai compra amendoim e pipoca, que os três mordiscam deliciados. Afasta-se de mansinho e, atrás de uma árvore, empina a garrafa saliente no bolso traseiro da calça — as mãos cessam de tremer. Os meninos desviam os olhos: sapato furado, calça rasgada, paletó sem botão. Alisando a mão gigantesca:

— Não, paizinho. Não beba mais, pai.

Lágrimas correm pelo narigão de cogumelo encarnado. Despede-se com sorriso sem dentes. Na esquina gorgoleja a cachaça até a última gota.

Em delírio na sarjeta, recolhido três vezes ao hospício. A crise medonha da desintoxicação, solto quinze dias mais tarde. Mal cruza o portão, entra no primeiro boteco.

Maria cai nos braços do mágico de ciências ocultas e, proibida de cantar com voz tão horrorosa, consola-se no tanque de roupa. Nem o amante nem os velhos querem saber dos piás, internados no asilo de órfãos.

Cada um aprende seu ofício e, no último domingo do mês, com permissão da freira, vão bem penteadinhos à casa do pai. Ainda deitado, curte a ressaca; com alguns goles sente-se melhor. Os pequenos varrem a casa, acendem o fogo, olhinho irritado pela fumaça. No almoço apresentam café com pão e salame rosa. Sentado na cama, o pai contenta-se em vê-los comer. Sorri em paz, um deles enxuga-lhe o suor frio da testa. Sem coragem de abandoná-lo, os filhos a seu lado durante a noite: fala bobagem, treme da cabeça aos pés, bolhas de escuma espirram no canto da boca.

Os meninos adormecem, ouvindo o ronco feio do afogado. O maior acorda no meio da noite, vai espiar o pai em sossego, olho branco. Fala com ele, não se mexe. Tem medo e chama o irmão:

— O paizinho morreu.

Sem chorar, encolhidos na beira da cama, à escuta dos pardais da manhã.



Texto extraído do livro “20 Contos Menores”, Editora Record – Rio de Janeiro, 1979, pág. 43.

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Tinha uma pedra no meu poema



Tinha uma pedra no meu poema
no meu poema tinha uma pedra
jamais esquecerei esse sufoco
nas pupilas de minha vida tão dilatada
tinha uma pedra no meu poema
no meu poema tinha uma pedra.

quinta-feira, 27 de junho de 2013

Pôquer interminável I - Luis Fernando Verissimo



Cinco jogadores em volta de uma mesa. Muita fumaça. Toca a campainha da porta. Um dos jogadores começa a se levantar.
        Jogador 1 - Onde é que você vai? Ninguém sai.
Os outros - Ninguém sai. Ninguem sai.
        jogador 2 - Bateram na porta. Eu vou abrir.
        Jogador 1 - A sua mulher não pode abrir?
        Jogador 2 - A minha mulher saiu de casa. Levou os filhos e foi pra casa da mãe dela.
        Jogador 1 - Sua mulher abandonou você só por causa de um joguinho de pôquer?
jogador 2 - E que nós estamos jogando há duas semanas.
jogador 1 - E dai?
Jogador 2 - Ela disse: "Ou os seus amigos saem, ou eu saio".
jogador 1 - Ninguém sai.
        Os outros - Ninguém sai. Ninguem sai.
        (A campainha toca outra vez. O dono da casa vai abrir, sob
o olhar de suspeita dos outros. É um garoto. O garoto se dirige ao
Jogador 1).
        Garoto - A mãe mandou perguntar se o senhor vai voltar
para casa.
Jogador 1 - Quem é a sua mãe?
Garoto - Ué. A minha mãe é a sua mulher.
        Jogador 1 - Ah. Aquela. Diz que agora eu não posso sair.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
        Garoto - Eu trouxe uma merenda para o senhor.
        jogador 3 - Epa. O golpe do sanduíche. Mostra!
        Jogador 4 - Vê se não tem uma seqüência dentro.
        jogador 1 - Não tem nada. Só mortadela.
        Garoto - A mamãe também mandou pedir dinheiro.
        (todos os jogadores cobrem as suas fichas.)
        Todos - Ninguém dá. Ninguém dá.
        Jogador 1 - Diz pra sua mãe que eu estou com um four de ases na mão. Como ninguém vai ser louco de querer ver, esta mesa é minha e nós estamos ricos.
        Jogador 2- Se você tem four de ases então tem sete ases no baralho, porque eu tenho trinca.
        Jogador 1 - Diz pra sua mãe que o cachorrão falhou.
        (toca o telefone. O dono da casa se levanta para atender.)
        Jogador 3 - Mas o quê? Não se joga mais? Ninguém sai.
        Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
        (Apesar dos protestos, o dono da casa vai atender o telefone. Volta.)


jogador 2 - Era a mulher do Ramiro dizendo que o nené já vai nascer.
Jogador 4 - O Meu filho vai nascer. Tenho que ir lá.
        Jogador 6 - Ninguém sai.
Os outros - Ninguém sai. Ninguém sai.
        Jogador 4 - Mas é o meu filho.
        Jogador 3 - Você vai pro batizado. Quem é que joga?

segunda-feira, 24 de junho de 2013

Isso ou aquilo


Não sei se fico com a Ritinha
ou se vou pra rua protestar
Ritinha não me dá bolo
Ritinha só me dá bola
Ritinha se a-vi-zi-nha
carinhosa só quer amar

todo mundo foi pra rua
lá eu solto a cantoria
lá eu jogo a democracia
lá eu quero transformar

não sei se vou mudar o mundo
ou se me afago com a vizinha
se ganho abraço se ganho beijo
se levo bala se levo bomba
se levo chute se levo tombo
se levo abraço ou se levo flor

meus olhos são
   espelhos caia
                          dos
que vertem lágrimas
la
   cri
       mo
            gê
                neas
por que não sei 
o que eu faço:
Ritinha pra me amar
ruazinha pra protestar.

sexta-feira, 21 de junho de 2013

Falta espaço no Brasil - David Coimbra



Tenho procurado fazer leituras lúcidas, em meio a essa torre de Babel de informações que me deparo a toda hora, com relação aos manifestos que estão ocorrendo no país. Me chamou especial atenção o texto abaixo, com sua lucidez crítico-literária que o diferencia da maioria dos colunistas que tenho lido. 



Sinto falta da Dívida Externa nessas manifestações. Houve um tempo em que todo mundo falava da Dívida Externa. Existia até um cálculo de quanto cada brasileiro devia já ao nascer. Nas manifestações de então, as pessoas carregavam faixas ou pichavam as paredes com a frase clássica: "Fora FMI!".
Tinha uma mulher do FMI que vinha para cá. Ela usava talleur e carregava uma pasta. Era uma mulher muito séria. Obviamente, estava insatisfeita com o Brasil e se reunia com os ministros e o presidente para fazer cobranças. Eu via fotos daquela mulher sisuda nos jornais e ficava com raiva dos Estados Unidos. Malditos ianques! O Briza é quem tinha razão quando falava dos interésses.
Lembro de altruístas na faculdade que juravam que, se ficassem bilionários, pagariam a Dívida Externa. Com o pagamento da Dívida Externa matariam o dragão da inflação e a serpente do desemprego, e o Brasil estaria salvo. Aqueles meus colegas devem ter ficado bilionários, porque a Dívida Externa se extinguiu como as máquinas de escrever, o dragão da inflação virou lagartixa e a serpente do desemprego agora é uma minhoca. Mas, que coisa, o Brasil ainda não foi salvo.
Hoje, nas manifestações, ninguém mais reclama dos Estados Unidos, da Dívida Externa ou do FMI. O inimigo não está mais no Exterior, embora continue no lado de fora e acima do brasileiro: é o Estado, o Sistema ou até a "Grande Mídia" e os empresários. Trata-se de uma atitude muito saudável. Alivia a pressão psicológica interna. Se você compra peças de carro roubadas, faz gato na TV a cabo, superfatura a nota, sonega imposto ou fura a fila, você faz porque o patrão e o Estado o oprimem e a Grande Mídia não denuncia.
Você vive mal, a classe média vive mal. Não teria como viver bem: 80 milhões de pessoas ascenderam de classe social no Brasil, nos últimos 10 anos. São 80 milhões se movimentando, como os hunos pressionando os germanos e os germanos derrubando o Império Romano. 80 milhões ocupando um espaço que antes não ocupavam. O Brasil foi feito para menos gente. Não há tantas estradas, médicos, engenheiros, energia elétrica, pintores, pedreiros e água para tantos consumidores. Falta estrutura para crescimento tão rápido, e quem devia prever a estrutura gastou em corrupção, inchaço da máquina pública, tudo o que sabemos.
Quando o menino cresce rápido, doem-lhe os ossos. Gera mal-estar.
O mal-estar da classe média desbordou para as ruas. A vida está ruim e alguém precisa resolver isso logo. Quem? Alguém que está do lado de fora e acima. É lá que reside o Mal. Não mais nos Estados Unidos, não mais no FMI, talvez nos gabinetes arejados do poder, talvez dentro dos carros com vidros escuros, talvez até debaixo dos capacetes da polícia. Sabe-se lá. Mas isso tudo alguém vai ter que resolver.
* Texto publicado na Zero Hora desta sexta-feira, 21/06/2013.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Nada pessoal


De-fi-ni-ti-va-men-te
eu já não suportava
morar na primeira pessoa
(me sufocava)

glo-ba-li-za-do
olho aberto
peguei no tranco
engatei segunda
           terceira
             quarta
quinta pessoas, eu acho.

- Onde você andou, bicho do mato?
Ela cutuca onça com vara curta, eu acho.

poeticamente
politicamete
(ou vice-versa, tanto faz,
não nessa ordem)
vou soltar o verbo
trocar a marcha
seguir a marcha
o que mais importa
é soltar freio
       da boca
andar numa primeira
acomodado
alienado
é besteira
é vidinha à toa
morar na primeira
pessoa
- eu acho.

Por que o jovem não deve ler - Ulisses Tavares

Calma, prezado leitor, nem você leu errado, nem eu pirei de vez. Este artigo pretende isso mesmo: dar novos motivos para que os moços e moças de nosso Brasil continuem lendo apenas o suficiente para não bombar na escola.
             E continuem vendo a leitura como algo completamente estapafúrdio, irrelevante, anacrônico, e permaneçam habitando o universo ágrafo dos hedonistas incensados nos realitys shows.            (Êpa, acho que exagerei. Afinal, quem não lê, muito dificilmente vai conseguir compreender esta última frase. Desculpem aí, manos:  eu quis dizer que os carinhas, hoje, precisam de dicionário pra entender gibi da Mônica, na onda dos sarados e popozudas que vêem na telinha, e que vou dar uma força  pra essa parada aí, porra.)            Eu explico mais ainda: é que, aproveitando o gancho do Salão do Livro Infanto-Juvenil, em novembro agora no Parque do Ibirapuera, Sampa, pensei em escrever sobre a importância da leitura. Algo leve mas suficiente para despertar em meia dúzia de jovens o gosto pela leitura (de que? De tudo! De jornais a livros de filosofia; de bulas de remédio a conselhos religiosos; de revistas a tratados de física quântica; de autores clássicos a paulos coelhos.)            Daí aconteceram três coisas que me fizeram mudar de rumo e de idéia.            Primeiro eu li que fizeram, alguns meses atrás, um teste de leitura com estudantes do ensino fundamental de uma dezena de vários países. Era para avaliar se eles entendiam de verdade o que estavam lendo. Adivinhem quem tirou o último lugar, até mesmo atrás de paizinhos miseráveis e perdidos no mapa mundi? Acertou, bródi: o nosso Brasil.            Logo depois, li uma notícia boa que, na verdade, é ruim: o (des)governo de São Paulo anuncia maior número de crianças na escola. Mas adotou a política da não reprovação. Traduzindo: neguinho passa de ano, sim, mas continua tecnicamente analfabeto. Porque ler sem raciocinar é como preencher um cheque sem saber quanto se tem no banco.            E, por último, li em pesquisa publicada recentemente nos jornais, que para 56% dos brasileiros entre 18 e 25 anos comprar mais significa mais felicidade, pouco se importando com problemas ambientais e sociais do consumo desenfreado. Ou seja, o jovem brasileirinho gosta de comprar muitas latinhas de cerveja, mas toma todas e joga todas nas ruas ou nas estradas, sem remorso.            Viram como ler atrapalha?            A gente fica sabendo de fatos que, se não soubesse, teria mais tempo para curtir o próprio umbigo numa boa, sem ficar indignado e preocupado com a situação atual de boa parte de nossa juventude.            E também faz o tico e o teco (nossos dois neurônios que ainda funcionam no cérebro, já que se dividirmos o quociente de inteligência nacional pelo número de habitantes não deve sobrar mais que isso per capita) malharem e suarem, em vez de ficarmos admirando o crescimento do bumbum e do muque no espelho das academias de musculação.            Por isso que, num momento de desalento, decidi que, de agora em diante, como escritor e professor, nunca mais vou recomendar a ninguém que leia mais, que abra livros para abrir a cabeça.            A realidade é brutal e desmentiria em seguida qualquer motivo que eu desse para um jovem tupiniquim trocar a alienação pela leitura.            Eu reconheço: a maioria está certa em não ler.            E tem, no mínimo, 5 razões poderosas , maiores e melhores que meus frágeis argumentos ao contrário:
 1.      Se ler, vai querer participar como cidadão dos destinos do País. Não vale à pena o esforço. Como disse o Lula (que não teve muita escola, mas sempre leu pra caramba), a juventude não gosta de política, mas os políticos adoram. Por isso que eles mandam e desmandam há séculos;
2.      Se ler, vai saber que estão mentindo e matando montes de jovens todos os dias em todos os lugares do Brasil impunemente; principalmente porque esses jovens não percebem nem têm como saber (a não ser lendo) a tremenda cilada que é acreditar que bacana é mentir e matar também;
3.      Se ler, vai acordar um dia e se perguntar que diabo é isso que anda acontecendo neste lugar, onde só ladrões, corruptos, prostitutas e ignorantes, aparecem na mídia;
4.      Se ler, vai ficar mais humano e, horror dos horrores, é até capaz de sentir vontade de se engajar num trabalho comunitário, voluntário e parar de ser egoísta;
5.      Se ler, vai comparar opiniões, acontecimentos, impressões e emoções e acabar descobrindo que sua vida andava meio torta, meio gado feliz.
            O espaço está acabando e me deu vontade de lembrar que ninguém -nem mesmo alguém que não vê utilidade na leitura – pode achar que há um belo futuro aguardando uma juventude que vai de revólver pra escola e, lá, absorve não conhecimentos mas um baseado ou uma carreirinha maneira. Sim, é outra pesquisa que li, esta dando conta que sete entre dez estudantes brasileiros andam armados, três entre dez se drogam na escola, sete entre dez bebem regularmente.            Mas paro por aqui já que, apesar destes tristes tempos verdes e amarelos (as cores do vômito, papito), lembro também de tantos poetas, jornalistas e escritores que, ao longo de minha vida de leitor apaixonado, me deram toques de esperança, força e fé na mudança.            De um especialmente – o poeta Tiago de Melo – com seu verso comovido e repleto de coragem:            “Faz escuro, mas eu canto!”            Talvez meu pequeno cantar sirva de guia do homem (e mulher) de amanhã. E que, lendo mais, ele/ela evite de ter como única alternativa para mudar de vida dar a bunda (e a alma) ou engolir baratas (e a dignidade) diante das câmeras de televisão.

quarta-feira, 12 de junho de 2013

Ela disse

Que diabos ela disse
não se faça de difícil
não reclame do roteiro
não atropele o script
não me venha com milongas
não se faça songamonga
ela disse songamonga
juro juro ela disse
não me roube a paciência
com essa cara de inocência
amar assim é impossível
com romance de alto nível
risos lágrimas e platéia
não me venha com tragédia
me amar de noite e dia
não me venha com fobia
amar com rima ou sem rima
numa prosa que não acaba
ela disse te ajeita seu vagaba
ela disse ela disse não se faça 
não se faça não se faça...
Imbecil.

terça-feira, 11 de junho de 2013

ELE & ELA - Chacal




ela quer ir ao cinema
ele já viu esse filme
ela quer um vestidinho
ele o que vai por baixo

ela pensa no futuro
ele entoca o bagulho
ela acredita no amor
ele reclama do calor

ela descabela com o desprezo
ele se penteia com arrogância
ela diz que ele sonha acordado
ele sonha com ela no escuro

ela acha ele tarado
ele coloca ela de lado
ela diz que ele é um número
ele prefere ela de quatro

ela morre de ciúmes
ele não vê nenhum motivo
ela mostra a foto do flagrante
ele diz que com ele é semelhante

ela diz que corta os pulsos
ele apresenta uma gilete
ela chora
ele é duro


O amor acontece - Adriana Falcão



Alguém diz algo e o amor acontece.
Alguém diz um absurdo e o amor acontece.
Alguém não diz nada e o amor acontece.
Alguém toma uma atitude e o amor acontece.
Alguém canta o amor e ele acontece.
Ninguém esta esperando e o amor acontece.
Numa manhã meio nublada de uma data sem importância,
em pleno sol de domingo, no dia da padroeira,
embaixo de um temporal, em qualquer estação do ano,
não importa a ocasião, é no coração que o amor acontece.
Na plateia do cinema, acontece vez por outra: 
uma cena desperta uma emoção, que desperta outra,
que desperta outra, e lá vem o amor provar que 
"a vida é amiga da arte".
Após um beijo casual, no fim de uma noite que
parecia não ter futuro, duas mãos se entrelaçam com 
firmeza, e os corações se aquecem no aconchego
do amor que acontece.
Numa madrugada fria, debaixo de um cobertor,
acontece o amor.
Acontece com a pessoa certa ou com a pessoa errada,
será que o amor descre do erro? 
Acontece de acontecer de um lado só, provocando
 dor, mas se acontece de 
dois lados, como pode ser tão bom? 
Acontece de várias formas,
sejá em encontro escondido, seja em jantar esporádico, seja
em vestido de noiva, seja em casa separadas, seja em
cidades distantes, e às vezes se transforma, modificando crenças
e planos. 
Seja como for, assim penso, vale a peno comemorar o acontecido.
Acontece de durar um dia, uma noite, uma semana,
um mês, um ano, uma década, uma vida, sem certificado de garantia, nem
 prazo de validade, ele e seus perigos, como um equilibrista no frio.
de repente, muitas vezes, o amor vai e desacontece sem que ninguém 
saiba o motivo, mas isso já é uma outra história.


Inspirado na crônica O amor acaba, de Paulo Mendes Campos.

Inspirado na crônica "o amor acaba".
Inspirado na crônica O amor acaba, de Paulo Mendes Campos.

segunda-feira, 10 de junho de 2013

O amor acaba - Paulo Mendes Campos

"O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba. "

http://www.youtube.com/watch?v=xLcjXpy5exE

quarta-feira, 5 de junho de 2013

Como era bom - Chacal


O tempo em que Marx explicava o mundo
tudo era luta de classes
como era simples
o tempo em Freud explicava
que édipo era tudo explicava
tudo era clarinho limpinho explicadinho
tudo muito mais asséptico
do que era quando eu nasci
hoje rodado sambado pirado
descobri que é preciso
aprender a nascer todo dia. 

segunda-feira, 3 de junho de 2013

Quero que você me locuplete

Não vi seus olhos ao vivo. Pelas fotos no facebook, eles são azuis. Nada de verdes ou escuros, tímidos de esperança.
Olhos lindos, sem a sombra dos óculos, rosto próximo à lente da máquina fotográfica, prenunciando desejos.
Não segurei suas mãos, nem beijei seus lábios. Quando o paraíso me acolher, o suor vai verter das mãos, meu rosto queimará, se avolumará meu sexo.
Não a vi na rua, indo e vindo. Com mochila, sandálias, óculos de sol. Nem a vi em casa, a se contemplar no espelho. Não vi a cor do seu batom, nem sei de tatuagens e detalhes dos cabelos.
Sei que, se puder, beijarei cada centímetro de sua pele, teus pensamentos vão relaxar no meu peito, para ditar o ritmo do meu coração.
De você, tenho apenas o que imagino.
Segurar suas mãos, beijar pescoço, boca, orelhas, morder seus lábios.
O imaginário antecipa a realidade, para o bem de minha felicidade.
Mãos dadas, passear em parques, praias, cidades distantes. Aventureiros, bem-comportados, no cinema, quermesse, na reunião com os amigos.
Na hora de dormir, em silêncio, refaço as teorias sobre o amor, como a antecipar o que sufoca minha paixão. São amores afobados para roubar a cena, como a roseira que aguarda a primavera.
Amor inesperado e desconhecido.
Amor possível e adoidado.
Amor platônico.
Amor tão tão...
Resumindo:
Quero saber tudo dos seus medos, planos, sonhos, adiados ou refeitos.
Quero tudo aquilo que a um apaixonado compete.
Para que você, inteirinha, me sacuda, desentorte e locuplete!

sexta-feira, 31 de maio de 2013

Atividades na escola Boa Vista


No sábado, dia 25 de maio, a Escola Estadual de Ensino Fundamental Boa Vista, de Ijuí, RS, teve um dia especial quando o Escritor -“Autor Presente”, Américo Piovesan proporcionou aos alunos e professores oficinas de contação de histórias e declamação de poesias.
Os alunos que na semana anterior conheceram os poemas do livro Teco, o poeta sonhador, em: canções do despertar  tiveram a oportunidade de dialogar com o autor fazendo perguntas relacionadas à pratica da leitura e escrita.
Neste dia também foi realizada a Feira do Livro e pinturas no rosto das crianças na escola.

http://www.ijui.com/educacao//48738-americo-piovesan-participa-de-atividade-na-escola-boa-vista.html

quarta-feira, 29 de maio de 2013

Bergamota


A bergamota entrou em cena. Cor, cheiro, a olhos vistos. É a fruta da época. Enfeitou-se no outono, quando vamos treinando para enfrentar o frio do inverno. "Enfrentar" porque, para mim, o inverno exige - mais do que roupas e comidas quentes - agasalho, amigos, recolhimento.


Ah, como sentimos falta do sol nesta estação!

Como o vinho, a bergamota precisa ser domada pelo frio, e então se apresentar gostosa aos olhos e paladar.

Minha paixão por bergamota começou na infância, e hoje é bem mais afetuosa. O cheiro que permanece em minhas mãos, quando a descasco, agora é perfume. Vou devorá-la é certo, mas antes acaricio seus gomos, como se tivesse nos braços meu primeiro amor, na adolescência.

Assim é a vida. De braços abertos, a fruteira é amante. Paciente, aguarda as novidades da nova estação. Cada fruta de época tem sua magia, mistérios que se distanciam do propalado custo benefício.

Mudam as estações, caem as folhas no inverno, muitas espécies necessitam hibernar. Mas a seiva, tal como esperma e óvulo, aguarda o seu momento de entrar em cena, para fazer a diferença. Fim de pausa, com a primavera tudo brota, floresce, amadurece. Enfim, a colheita.

Quero pensar que a safra não é o fim do caminho, e sim a continuidade, uma metamorfose, tal qual a lagarta e a borboleta.

Comemos os frutos, passamos, renascemos, florescemos, somos sementes, herdamos e deixamos sementes. Fora de época ou não, há um equilíbri0, basta olhar a natureza. Tudo simples e, ao mesmo tempo, tudo cheio de mistérios.

Tudo muito lindo. O que me assusta (e comove) é ver tanta gente "engarrafada", no trânsito e na vida, hibernando, anestesiada. Sem colocar suas sementes (neurônios?) pra funcionar, deixando de nos ofertar novidades, em meio a esse agitado ir e vir.

terça-feira, 21 de maio de 2013

Minha cidade

Uma cidade colorida não é notada apenas com os olhos.
É sentida com polegares, indicadores, mindinhos... Deles, ganha vida, como manhãs ensolaradas de primavera.
Mãos são pincéis que traçam painéis, nos muros, nos prédios, enchem as árvores de formas e paisagens.
Uma cidade com vida tem troca de olhares interessados no outro, seja vendedor, cobrador, mendigo ou catador...
Tem poesia nas esquinas, leitores ávidos nas livrarias, papos animados (e, quem sabe, indignados) nas rodas de bate-papo na praça.
Uma cidade emocionada oferece mais do que mercadorias e negócios. Tem troca de sorrisos e abraços, os seus gratos congestionamentos.
Uma cidade tem vida porque cada um de nós lhe dá de presente acontecimentos que marcam e tecem essa teia que é o acontecer da cidade, nossa vida.
Uma cidade colorida
é uma cidade emocionada
e uma cidade espirituosa
que ergueu sua obra
com o passar dos anos
não apenas com prédios
avenidas fábricas lojas
mas também com museus
bibliotecas e obras
daqueles que fizeram
e fazem seu coração pulsar.
Essa cidade espirituosa tem imaginação.
Tem fantasmas personagens centenários
que desejam sussurrar suas histórias
a ouvidos curiosos
no silêncio da madrugada.
Nessa cidade as pessoas se movem com paixão.
Por um grande amor, uma causa, uma utopia...

quinta-feira, 16 de maio de 2013

Palavra de homem - Aldir Blanc


No apartamento onde moro existe um cômodo misterioso: o escritório. Não escrevo nele, mas lá estão os livros, o computador, a velha máquina de escrever, o fax, os discos. ... De vez em quando, peço licença e entro lá pra apanhar alguma coisa. O lugar é dominado por minha mulher e quatro filhas. 

Uma noite, fui atrás de um livro policial com Pepe Carvalho, meu detetive favorito, e dei de cara com as cinco me olhando. 

Só o homem que vive com cinco mulheres sabe os riscos dessa convivência. É preciso ser o que meu amigo Mello Menezes chama de "canalha cálido": terno, compreensivo, com apurado senso de justiça. Ajeita daqui, manera de lá, tentando não perder um pedacinho sequer do imenso amor que todas sentem por mim e que eu, modéstia à parte, mereço. 

Na tal noite, que mudou minha vida, as cinco me olhavam, intensas, e pude sentir que o homem não é nada quando mulheres tomam uma decisão. Os olhares diziam mais ou menos assim: isso é assunto nosso, morou? Estamos envolvendo você por consideração, etc, mas ESSE NÃO É SEU DEPARTAMENTO, CERTO? 

Uma delas me deu uma lata de cerveja geladinha, outra me passou uma cigarrilha holandesa, botaram um disco de jazz que eu amo na vitrola, e Isabel, a caçula, me jogou um beijinho como quem diz: coragem! Cumprido esse preâmbulo ritualístico, a Rainha das Amazonas anunciou: - Tatiana está grávida. 

Elas dizem que é folclore, mas eu senti direitinho a fumaça da cigarrilha saindo pelas orelhas. Engasguei, fiz gestos estranhos, e a Patrícia suspirou: - Eu disse que era melhor acender um troço mais forte... 

Eu nasci no Estácio, pô! Qualé? Fui criado em Vila Isabel! Não vou perder a pose mole, não! Eu e o Bruce Willis somos duro de matar, neguinhas! Vou mostrar pra vocês meu famoso jogo de cintura. Quando vocês iam, eu já estava voltando, tá legal? 

Parei de espernear, levantei do chão, Isabel enxugou a lourinha entornada em minha camisa, e tomei ali, na hora, uma decisão de macho: não vou permitir que elas percebam meus verdadeiros sentimentos. Nunca! Para o próprio bem delas, tenho que ficar frio. Vou fazer minha imitação de Robert Mitchum. 

Pronto. Nervos devidamente colocados no lugar, tive um acesso de choro. Nada de BUÁÁÁÁÁÁ e SNIFF, coisa de criança. Sou da Zona Norte. Foi assim: AAAMMMHHHNNNN! Vendo que eu havia conseguido o completo domínio de minha emoção, Mari Lúcia continuou: - São gêmeos. -AAAIIIIIMHHNNNHHHIIIIGRFSS! 

Mais lenha: - A Mariana também está grávida. Voltei a mim, igualzinho no antigo samba, nos braços de Isabel. "Nos braços de Isabel eu sou mais homem, nos braços de Isabel eu sou um deus...? Afagando minha barba em desalinho, Isabel brincou: - Vai ser vovô... 

Mari Lúcia me abanava, Mariana pingava gotinhas de Efortil dentro de outra latinha, Jung (meu bravo e fiel cão de guarda), lambia minha cara, Patrícia rezava um mantra aprendido em Búzios e Tatiana repetia, sorridente: - Assim a gente mata o velho... 

Minha garganta emitia sons gorgolejantes. Todas insistiam: - Fala, tenta falar. Cê vai se sentir melhor. Consegui articular: - Tô com uma vontade louca de comer carambola. É isso, amigas. Fecundado pela palavra vovô, eu estava irremediavelmente grávido de meus netos.

terça-feira, 14 de maio de 2013

Vôo noturno - Carlos Queiroz Telles


Aí ela veio
chegando bem perto,
bem perto,
bem perto...

e me deu um abraço,
e me deu um beijo,
e me deu um amasso,
e me deu um riso maroto
e me disse no ouvido:
"garoto, garoto..."
e me jogou na cama,
e me jogou no céu,
e me fez planeta,
e me fez cometa,
e toda nua
me fez ser lua
astro, sol, estrela,
cosmonauta tonto
na órbita louca
da sua boca infinita,
girando, girando
girando no espaço,
até cair de cansaço
do abismo negro
daquele abraço...

e acordar embrulhado
no lençol molhado
de sonhos e de sol.


(Carlos Queiroz Teles. Sementes de Sol. São Paulo: Moderna, 1992.)

sábado, 11 de maio de 2013

Ed Mort e o anjo barroco - Luiz Fernando Veríssimo






Mort. Ed Mort. Detetive particular. Está na plaqueta. Durante meses ninguém entrara no meu escri - escritório é uma palavra grande demais para descrevê-lo - a não ser cobradores, que eram expulsos sob ameaças de morte ou coisa pior. De repente, começou o movimento. Entrava gente o dia inteiro. Gente diferente. Até as baratas* estranharam e fizeram bocas. Não levei muito tempo para saber o que tinha havido. Alguém trocou minha plaqueta com a da escola de cabeleireiros, ao lado. A escola de cabeleireiros passou o dia vazia. Voltaire, o ratão albino, que subloca um canto da minha sala, emigrou para lá. Quando recoloquei a plaqueta no lugar, Voltaire voltou. Ele gosta de sossego. Mort. Ed Mort. Está na plaqueta certa.
Eu estava pensando no meu jantar da noite passada - isto é, em nada - quando ela entrou. Nem abri os olhos. Disse: "A escola de cabeleireiros é ao lado". Mas quando ela falou, abri os olhos depressa. Se sua voz pudesse ser engarrafada seria vendida como afrodisíaco. Ela não queria a escola de cabeleireiros.
- Preciso encontrar meu marido.
- Claro - disse eu. - Vá falando que eu tomo nota.
Meu bloco de notas fora levado pelas baratas. Uma ação de efeito psicológico. O bloco não lhes serviria para nada. Só queriam me desmoralizar. Peguei o cartão que um dos pretendentes a cabeleireiro deixara em em cima da minha mesa, com um olhar insinuante, no dia anterior. Tenho um certo charme rude, não nego. Sou violento. Sorrio para o lado. Uso costeletas. No cartão estava escrito Joli Decorações e um nome, Dorilei. Virei do outro lado. Comecei a escrever enquanto ela falava. A Bic era alugada.
- Não fui à polícia para evitar escândalo. Meu marido é de uma família conhecida. Isso não pode sair nos jornais.
Escrevi: "Linda. Linda !"
- Somos muito ricos. Meu marido vive de rendas. Desapareceu há uma semana.
Escrevi: "Se eu conseguir que ela prove o meu fettucine, está no papo". Ela disse:
- Ele saiu para devolver um anjo barroco a uma loja de decorações. Descobriu que o anjo era falso. A loja se chamava Joli Decorações.
Escrevi: "Epa !" Era o nome do cartão. Pedi para ela esperar e fui até a escola de cabeleireiros, ao lado. Dorilei estava tendo trabalho para dominar o boufant.
Recebeu-me com um sorriso brejeiro. Agarreio, com dificuldade, pela camiseta colant. A escola de cabeleireiros estava cheia. Houve gritos. Senti que alguém tentava me arranhar por trás. Dei-lhe um cotovelaço. Bateu no medalhão. Doeu, mas doeu mais nele. Com o rabo do olho vi que outro se aproximava aos pulos. Estava armado com um pente elétrico. Derrubei um secador de cabelo no seu caminho. Fiz Dorilei rodopiar e o usei como escudo, ameaçando quebrar os seus dois pulsos. Isto os deteve. Mandei Dorilei falar, e depressa. Qual era a sua ligação com a Joli Decorações?
- Trabalhei lá até ontem. Não pude continuar. O ambiente ! Por isso vim aprender a ser cabeleireiro.
O dono da Joli Decorações tinha se metido numa encrenca. Vendera um anjo barroco falso a um ricaço. O ricaço ameaçara denunciá-lo. Tinham se trancado no escritório de Randal, o dono, durante horas. Uma briga feia. No fim, saíram do escritório e da loja.
- Os dois juntos?
- Juntinhos.
Randal tinha um sítio em Teresópolis. O endereço foi a última informação que tirei de Dorilei, antes de atirá-lo contra a parede. Saí sob vaias. Gente intolerante. Mort. Ed Mort. Está na plaqueta.
Um detetive particular deve ter o poder da dedução. Deve procurar pistas e segui-las, não importa o risco. Mas às vezes a coincidência ajuda. Disse para ela que sabia onde procurar seu marido. Ela se atirou nos meus braços. As baratas, revoltadas, fizeram uma pequena dança de protesto. Voltaire nem olhou. Ela insistiu em ir comigo para Teresópolis. Iríamos no seu carro. O meu estava num estacionamento e eu não tinha dinheiro para pagar a estada. Três anos. Eu às vezes ia visitá-lo e chutar os pneus. Sou assim. Sentimental. Sei lá.
No caminho para Teresópolis, discutimos o caso. O marido poderia ter sido seqüestrado. Ou então - foi ela mesmo quem disse - eliminado, para não contar o que sabia sobre o anjo barroco. Talvez existisse uma quadrilha de falsificadores de anjos. Como o marido era bem relacionado no meio de compradores de antigüidades, uma palavra sua podia arruinar os falsificadores. Sugeri que avisássemos à polícia. Ela disse que confiava em mim. Perguntou se eu estava armado. Respondi que sim. Meu 38 estava empenhado, mas canivete também é arma. Pensei: se eu morrer por ela, ela será minha devedora. Mas eu não estarei aqui para cobrar. Sorri com o lado da boca que ela podia ver, mas o outro lado pendeu de preocupação. Paradoxo. Perigo. Mamãe disse que eu devia estudar contabilidade.
Não foi preciso chegar até a casa. De uma colina, avistamos o jardim. Randal e o marido dela caminhavam entre os canteiros floridos. Estavam de mãos dadas.
Na volta ao Rio, ela não disse nada. Pensei em convidá-la a deixar aquela vida - apartamento na Vieira Souto, empregados, iates, viagens à Europa, aquela sujeira - e se juntar a mim. Meu fettucine com vinho Boca Negra a faria esquecer tudo. Tenho tudo que o Agnaldo Timóteo já gravou e ainda vou comprar uma eletróla. Perguntei se ela abandonaria o marido. Ela riu e perguntou se eu estava doido. Deixou-me na galeria. Esqueci de cobrar pelo trabalho.
O escri estava todo revirado. Frases escritas a batom nas paredes. A vingança dos cabeleireiros. As baratas só esperavam para ver a minha cara. Voltaire mudou-se para a loja de carimbos. Mort. Ed Mort. Estava na plaqueta, mas o Dorilei atirou no chão e sapateou em cima.
(extraído de "Ed Mort e Outras Histórias")

quarta-feira, 8 de maio de 2013

Talvez o último desejo - Raquel de Queiroz



Pergunta-me com muita seriedade uma moça jornalista qual é o meu maior desejo para o ano de 1950. E a resposta natural é dizer-lhe que desejo muita paz, prosperidade pública e particular para todos, saúde e dinheiro aqui em casa. Que mais há para dizer?
      Mas a verdade, a verdade verdadeira que eu falar não posso, aquilo que representa o real desejo do meu coração, seria abrir os braços para o mundo, olhar para ele bem de frente e lhe dizer na cara: Te dana!
      Sim te dana, mundo velho. Ao planeta com todos os seus homens e bichos, ao continente, ao país, ao Estado, à cidade, à população, aos parentes, amigos e conhecidos: danem-se! Danem-se que eu não ligo, vou pra longe me esquecer de tudo, vou a Pasárgada ou a qualquer outro lugar, vou-me embora, mudo de nome e paradeiro, quero ver quem é que me acha.
      Isso que eu queria. Chegar junto do homem que eu amo e dizer para ele: Te dana, meu bem! Dora em vante pode fazer o que entender, pode ir, pode voltar, pode pagar dançarinas, pode fazer serenatas, rolar de borco pelas calçadas, pode jogar futebol, entrar na linha de Quimbanda, pode amar e desamar, pode tudo, que eu não ligo!
      Chegar junto ao respeitável público e comunicar-lhe: Danai-vos, respeitável público. Acabou-se a adulação, não me importo mais com as vossas reações, do que gostais e do que não gostais; nutro a maior indiferença pelos vossos apupos e os vossos aplausos e sou incapaz de estirar um dedo para acariciar os vossos sentimentos. Ide baixar noutro centro, respeitável público, e não amoleis o escriba que de vós se libertou!
      Chegar junto da pátria e dizer o mesmo: o doce, o suavíssimo, o libérrimo te dana. Que me importo contigo, pátria? Que cresças ou aumentes, que sofras de inundação ou de seca, que vendas café ou compres ervilhas de lata, que simules eleições ou engulas golpes? Elege quem tu quiseres, o voto é teu, o lombo é teu. Queres de novo a espora e o chicote do peão gordo que se fez teu ginete? Ou queres o manhoso mineiro ou o paulista de olho fundo? Escolhe à vontade - que me importa o comandante se o navio não é meu? A casa é tua, serve-te, pátria, que pátria não tenho mais.
      Dizer te dana ao dinheiro, ao bom nome, ao respeito, à amizade e ao amor. Desprezar parentela, irmãos, tios, primos e cunhados, desprezar o sangue e os laços afins, me sentir como filho de oco de pau, sem compromissos nem afetos.
 Me deitar numa rede branca armada debaixo da jaqueira, ficar balançando devagar para espantar o calor, roer castanha de caju confeitada sem receio de engordar, e ouvir na vitrolinha portátil todos os discos de Noel Rosa, com Araci e Marília Batista. Depois abrir sobre o rosto o último romance policial de Agatha Christie e dormir docemente ao mormaço.
      Mas não faço. Queria tanto, mas não faço. O inquieto coração que ama e se assusta e se acha responsável pelo céu e pela terra, o insolente coração não deixa. De que serve, pois, aspirar à liberdade? O miserável coração nasceu cativo e só no cativeiro pode viver. O que ele deseja é mesmo servidão e intranqüilidade: quer reverenciar, quer ajudar, quer vigiar, quer se romper todo. Tem que espreitar os desejos do amado, e lhe fazer as quatro vontades, e atormentá-lo com cuidados e bendizer os seus caprichos; e dessa submissão e cegueira tira a sua única felicidade.
      Tem que cuidar do mundo e vigiar o mundo, e gritar os seus brados de alarme que ninguém escuta e chorar com antecedência as desgraças previsíveis e carpir junto com os demais as desgraças acontecidas; não que o mundo lhe agradeça nem saiba sequer que esse estúpido coração existe. Mas essa é a outra servidão do amor em que ele se compraz - o misterioso sentimento de fraternidade que não acha nenhuma China demasiado longe, nenhum negro demasiado negro, nenhum ente demasiado estranho para o seu lado sentir e gemer e se saber seu irmão.
      E tem o pai morto e a mãe viva, tão poderosos ambos, cada um na sua solidão estranha, tão longe dos nossos braços.
      E tem a pátria que é coisa que ninguém explica, e tem o Ceará, valha-me Nossa Senhora, tem o velho pedaço de chão sertanejo que é meu, pois meu pai o deixou para mim como o seu pai já lho deixara e várias gerações antes de nós, passaram assim de pai a filho.
      E tem a casa feita pela nossa mão, toda caiada de branco e com janelas azuis, tem os cachorros e as roseiras.
      E tem o sangue que é mais grosso que a água e ata laços que ninguém desata, e não adianta pensar nem dizer que o sangue não importa, porque importa mesmo. E tem os amigos que são os irmãos adotivos, tão amados uns quanto os outros.
      E tem o respeitável público que há vinte anos nos atura e lê, e em geral entende e aceita, e escreve e pede providências e colabora no que pode. E tem que se ganhar o dinheiro, e tem que se pagar imposto para possuir a terra e a casa e os bichos e as plantas; e tem que se cumprir os horários, e aceitar o trabalho, e cuidar da comida e da cama. E há que se ter medo dos soldados, e respeito pela autoridade, e paciência em dia de eleição. Há que ter coragem para continuar vivendo, tem que se pensar no dia de amanhã, embora uma coisa obscura nos diga teimosamente lá dentro que o dia de amanhã, se a gente o deixasse em paz, se cuidaria sozinho, tal como o de ontem se cuidou.
      E assim, em vez da bela liberdade, da solidão e da música, a triste alma tem mesmo é que se debater nos cuidados, vigiar e amar, e acompanhar medrosa e impotente a loucura geral, o suicídio geral. E adular o público e os amigos e mentir sempre que for preciso e jamais se dedicar a si própria e aos seus desejos secretos.
      Prisão de sete portas, cada uma com sete fechaduras, trancadas com sete chaves, por que lutar contra as tuas grades?
      O único desabafo é descobrir o mísero coração dentro do peito, sacudi-lo um pouco e botar na boca toda a amargura do cativeiro sem remédio, antes de o apostrofar: Te dana, coração, te dana!

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...