quarta-feira, 11 de janeiro de 2023

Sensível demais

 


Os ovos tinham aparência estranha, sei lá,

me esforçava pra raciocinar,

Eram de granja?

Galados?

O que significa, porra, essa cor rosada?

Secava as mãos num pano de prato 

que fedia pra caralho, 

Barbaridade, como pode esse cheiro,

se o estou usando não faz uma semana?

Veio à mente a possibilidade de uma faxina geral. 

Fogão encardido, frituras e molhos derramados, 

a pia entupida, copos, talheres, pratos.

A senhoria deixou um tapete comprido junto ao balcão da pia,

não tive coragem de verificar

a aparência dos monstrinhos que ali se escondiam. 

Ao chegar no nono latão,

me dou conta de que o James está na área, e o ratinho me fita com admiração. 

Óbvio, está aguardando o que lhe pertence.

Desisti da faxina ao lembrar o que o Buk me disse certo dia:


CADELÃO, SE O SUJEITO MORA SOZINHO E ESTÁ COM A COZINHA SEMPRE SUJA, EU TE PROVAREI,  EM 5 ENTRE 9 CASOS, QUE O SUJEITO É FORA DE SÉRIE. 


(Inspirado no conto "Sensível demais", de Bukowski. Livro "Fabulário geral do delírio cotidiano ").


(B. B. Palermo)

segunda-feira, 9 de janeiro de 2023

Espere de você

 


Você está morto e de nada importam 

as cenas das novelas, 

os jogos nos pay-per-views, 

o noticiário nacional e internacional. 

A lua segue seu caminho, 

algumas vezes é lembrada e contemplada por apaixonados, 

enquanto você despenca 

no esquecimento. 

Ator, empresário, 

pai, filho, 

neto, padre, pastor, 

você já teve palcos, 

vacilou, sacudiu a poeira

e se regozijou. 

A vida cansa, 

há a fadiga dos metais,

de cérebros, 

corações, rins,

fígados, etc. etc. etc.

Papéis representados,

provisórios, ilusórios, 

não acreditarmos que somos coadjuvantes 

e por tempo limitadíssimo,

ridículo ou sublime. 

Fique ligado,

você ainda está vivo 

e a vida se alimenta do

movimento, 

somos uns palermas emigrantes, 

mutantes,

agarre a vida enquanto ela te acena.

Você pode ter bons momentos.

Não embarque no pessimismo semeado por aí, 

dizendo:


DOS HUMANOS EU NADA ESPERO.


Tudo certo.

Não espere dos outros. 

Espere de você. 


(B. B. Palermo)

domingo, 8 de janeiro de 2023

1001 tons de camarão



Quis encarar o mar

com a cerveja na mão, 

quis fazer um duelo 

mas saquei o surreal da coisa,

uma multidão sapecava na areia

enquanto me observava 

e se besuntava com uns protetores 

do Paraguai. 

Apalpei minha pança 

sapecada pelo sol

e decidi avançar contra as ondas 

até onde a água acariciasse 

meu umbigo. 

Não sou bobo, 

não brinco com o garoto 

gingando e

roncando e

chicoteando 

este corpitcho 

que tem assumido 1001 tons

de camarão. 


(B. B. Palermo)

sexta-feira, 6 de janeiro de 2023

Alma

 


Meia tarde, esperava 

algo grandioso 

que espantasse o meu tédio. 

Poderiam desembarcar por aqui

centenas de alienígenas 

ou baixar o fim do mundo, 

que fosse. 

Precisava de ação para conter o inevitável:

correr pro bar encher a cara

e o saco de uns bêbados 

ingênuos. 

Foi aí que percebi:

os cães que circulam 

nessas ruas

têm mais alma 

do que os ricaços 

desfilando em seus 

carrões. 


(B. B. Palermo)

quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

Meus pés tostados pelo sol

 


Você pode virar evangélico ou batista, 

ou seja lá o que for,

pode jogar a vida toda na loteria 

sem nunca ter sonhado com as 6 dezenas,

você pode chamar de retardado o garoto que solta fogos 

na virada do ano,

e imediatamente foge pra não levar um tiro 

e até acredita que foi o anjo da guarda que te afastou do perigo,

porque pais, tios, parentes do garoto são traficantes,

você se deixou convencer que uma entidade comanda o universo e, diante dela, não pode fazer nada, 

senão aceitar o destino, 

enquanto bebe todas e 

 todas e todos e etcétera e tals.

Você pode acreditar que a democracia está salva, 

independente do contexto histórico e da vontade dos humanos, 

ou acreditar em milagres, 

dizendo que nossa liberdade está nas mãos de um deus.

Desconfio que o todo-poderoso 

anda pouco sensível aos apelos de bilhões de formiguinhas. 

Academias produzem músculos em série, 

homens se adaptam

e o simples movimentar-se torna-se desfile de soldados com cabeça de papel. 

Penso em tantas coisas que imaginamos e fazemos, 

enquanto as ondas do mar

vão e vêm, vêm e vão, 

beijando esses pés

tostados 


pelo sol.


(B. B. Palermo)

terça-feira, 3 de janeiro de 2023

Em direção ao sol do entardecer

 


Uma garota cruzou de bicicleta 

com sua filhinha na garupa. 

Pedalava em direção ao sol 

do entardecer.

Ia serena e esperançosa, 

e a menina segurava 

uma flor. 


(B. B. Palermo)

segunda-feira, 2 de janeiro de 2023

Será que um dia

 


Cambaleantes, latões numa mão,

a outra segurando a caixa térmica 

das bebidas, 

os caras retornam da praia à tardinha. 

Suas esposas enormes e sérias 

e narizes empinados

debulham ladainhas

e seguem na frente, 

indicando o caminho.

As crianças, bem nutridas

e com algum tédio,

caminham lentamente. 

Diante dos sujeitos embriagados,

empurrando seus porres

e casamentos e férias,

é impossível não me perguntar:

Será que um dia eu chego lá?


(B. B. Palermo)

sábado, 31 de dezembro de 2022

Seja leve

 


Seja leve, 2023,

como um garoto 

zen budista

que ensina 

a esperar

o que era pra ter sido 

e quase foi.

Seja bom garoto, 2023,

continuo 

a esperar.


(B. B. Palermo)

sexta-feira, 30 de dezembro de 2022

Juízo

 

Dizia pro garoto:

Tu é 30 e poucos anos mais jovem

do que papai,

e tem mais juízo do que ele.

Tudo bem.

Cada um percorre e constrói 

o seu próprio caminho,

mesmo que habitemos 

o mesmo hospício. 


(B. B. Palermo)

quinta-feira, 29 de dezembro de 2022

Medo de morrer

 


Quando as panturrilhas doem,

o coração não vai bem.

O fígado,  ah, esse pobre coitado, deve estar num farelo,

preciso dar uma olhada nele.

O médico falava dos meus órgãos, 

como se fosse mecânico falando de carburadores,

vazamento do radiador ou qualquer outra peça desregulada. 

Cretinos invadem nossa vida

como se fossem moscas em dias de calor e umidade 

e copos de cerveja pela metade

azedando sobre a mesa

de um dia para o outro.

Tantos pitacos,

vontade de fugir,

e não suporto bares vazios,

é terrível encarar a mim mesmo

diante do espelho 

do banheiro. 

Beira a doentio ouvir velhos papos,

futebol,

política, 

negócios...

o mesmo de sempre.


Algo está errado. 

Não consigo me afastar desses cretinos previsíveis. 

Deve ser a idade ou força do hábito,

que nos leva a perguntar do coração, 

rins,

próstata, 

fígado e tals...

como se perguntasse da saúde dos cães e gatos e das amantes. 

Escrotinhos,  eu sei o que se passa: 

temos medo de morrer.


(B. B. Palermo)

quarta-feira, 28 de dezembro de 2022

Pra onde escorre

 


O povo que circula em Texas Beach 

tem comido tanto...

Gente, é um apetite insano,

até as gôndolas dos mercados 

contendo papel higiênico 

esvaziaram. 

Aí eu me locupleto:

Pra onde vai toda

essa merda?

À noite sonho,

deliro,

tenho pesadelos,

e neles estou na praia 

portando faixas, 

cartazes,

pedindo que fechemos as bocas 

e esvaziemos as panças.


(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...