segunda-feira, 9 de agosto de 2021

I love Texas Beach

 


Caminho pelas ruas desertas e frias

que conversam com a praia.

Cercas, grades, alarmes

e quintais bem cuidados,

só o meu coração tremendo de frio

e morrendo de medo

do mau humor da maré.

Converso com alguns nativos de Texas Beach

e eles mostram suas credenciais:

terrenos para vender,

casas para alugar,

material de pesca,

tijolos, areia, cimento,

pacotes de TV e alarmes,

câmeras de vigilância ao longo das ruas

mostrando o rosto de cada moradia

e reprimindo os desejos mais doidos

das pessoas.

Especializei-me nos tipos de isca

para fisgar o Peixe rei e o Papa-terra.

Descobri os dias favoráveis para identificar cardumes de Tainhas

a partir do comportamento psicodélico dos Golfinhos.

Aprendi a fazer a leitura dos ventos

e das correntes marítimas.

Descobri que sou muito corajoso

ao fazer um duelo

particular

entre a minha ressaca

e a ressaca barulhenta

do mar.

Não deu outra:

Pintou uma estranha meditação

sentado na areia

gelada e úmida

e por pouco não alcancei 

o Nirvana.

 

Toda vez que passeio por Texas Beach

eu consigo me libertar.

 

domingo, 8 de agosto de 2021

Vamos operar no ódio

 

Uma voz

me persegue,

e eu sei que é o

eco

do coração metálico

e frio

de um velho

amigo.

 

"Vamos operar no ódio".

 

Tensão acumulada,

raiva de molho,

maldades trocando de pele

como sucuris gigantes

no leito fundo do rio.

O ódio nos liberta,

o ódio nos salva,

o ódio nos despreza,

o ódio nos destrói,

o ódio nos conserva

duros e frios,

o ódio nos deixa

em conserva,

salgados,

ácidos,

com longo prazo

de validade.

 

(B. B. Palermo)

 

domingo, 25 de julho de 2021

Faixas de segurança

 

Atravessava a faixa de segurança

na avenida

e ela vinha toda séria

no seu carro esportivo.

Olhos nos olhos, tentei adivinhar

se ela afundaria o pé no acelerador

ou no freio.

Ela me encarou com um semblante

de quem sofre de azia

e má digestão.

Eu sei, meu bem, não sou remédio

para teus sentimentos gástricos.

Meu coração condicionou-se a pulsar

com altas doses de álcool,

e está soterrado em geleiras

surreais.

Todo dia procuro compreender

meus sentimentos,

os quais vêm ao mundo

com ânsia de vômito,

confundo real com imaginário

e me atraco com umas garotas

que posam nuas para fotos

compartilhadas no Whatts.

Tão próximas e tão distantes

da embriaguez imaginativa do Cadelão.

Elas passeiam tranquilas

pelas minhas faixas de segurança,

é um caminho seguro, garanto, embora invisível.

Peitos, bundas e vaginas

circulam pela Internet e me chamam,

como se fossem fogos em dia de quermesse,

eriçando os ideais perversos

da multidão.

 

Mas isso pouco importa.

Quero falar de meus planos,

quero ouvir amenidades e, por Deus!,

quero encontrar soluções para todas as crises

que o planeta atravessa,

inclusive a crise ambiental.

Gosto de enganar e ser enganado.

Falo falo de meus planos de futuro

e nem percebo que os ouvidos

que me cercam e bebem comigo

não estão nem aí.

Meu desejo de consumo, eu sei,

é evaporar

nessas nuvens

de neblina

da opinião.

 

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 23 de julho de 2021

manicômios

 

você acha que apenas o teu lar

virou manicômio

você não sabe porque não conhece

como se dão as relações

entre funcionários de empresas

e outras organizações

fofoquinhas

picuinhas

e explosões de ódio

e egos ensandecidos

você não leu

por isso não conhece

Dostoiévski disse tudo

em seus livros

a respeito

da perversão que corrói

a alma humana

se você quer saber de um jeito mais específico

leia Memórias do subsolo

todas as engrenagens de nosso psiquismo

nosso comportamento paradoxal

ou qualquer outra merda de conceito psicológico

que você quiser usar

estão nesse livro

o fato de amarmos e odiarmos ao mesmo tempo

corando de vergonha Deus

e os padres e os pastores

que também são paradoxais porque humanos

tudo isso se encontra no velho Dostoiévski

sempre atual e incisivo

revelando linda e profundamente

as chagas de nossas

sublimes

corrupções

 

(B. B. Palermo)

 

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Etanol nas veias

 

Já não me causa estranheza

ouvir algumas pessoas dizerem

que todo dia pensam em se matar.

Quanto mais livros dos grandes elas leem,

quanto mais ampliam sua consciência das coisas da vida,

menos sentido encontram na porra toda.

O poeta quer fugir desses chatos que tudo questionam

e quer encontrar a energia inspiradora

em meio às pessoas comuns,

aos cães e gatos sarnentos,

aos subnutridos e desdentados

que farejam comida e sexo nos porões.

Vai, Cadelão, afasta-te desses intelectuais tristes

que têm enorme prazer em ser deprimidos.

Não é uma questão de ter um comportamento burguês

ou viver apertado.

Não é uma questão de ter ou não ter casas,

carros, apartamentos em praias.

É algo mais profundo que, de tão profundo,

chega a ser raso, e rende muita grana

a psicólogos e psiquiatras.

A coisa é divertida,

e tudo desemboca nuns porres

e comprimidos para dormir.

No outro dia a mente volta a martelar

como betoneira potente alimentando alicerces

e paredes do edifício que sobe.

A mente envia sinais e essas pobres criaturas

assumem de vez o caos, dizendo que todo dia

pensam em partir dessa, mas eu sei

que são covardes demais para tal.

Há um outro suicídio, mais lento,

das criaturas que mergulham nas águas turvas

de sua rasa consciência,

que funcionam como barreiras para evitar

se preocupar com o sentido de suas pobres vidinhas.

Há, sim, um suicídio mais lento,

uma mistura de prazer e sofrimento,

um sentir-se bem dentro da prisão.

Ele se resume em diariamente injetar Etanol nas veias.

 

Um brinde aos que desafiam a vida com fartas doses,

que correm atrás de Dona Morte com sua sede,

manifestando ao mesmo tempo

um puta medo de morrer!

 

(B. B. Palermo)

terça-feira, 13 de julho de 2021

Nenhuma epifania

 

Estava na segunda ceva

e não me vinha qualquer epifania.

Cenas comuns desfilavam diante dos olhos,

ninguém caminhando pelado entre os carros,

no sinal fechado.

Tudo bem, a noite apenas estava chegando.

Nos carros limpos, brilhosos,

havia muita gente com olhar sem graça

de quem já viu o suficiente,

de que sabe e acredita

mais do que o suficiente.

Os loucos estão sumidos,

me esforço mas não consigo enlouquecer,

talvez fingisse, mas não tenho culhões

para tanto.

O ideal seria voltar ao tempo dos 20 e poucos

e duplicar as cagadas com absoluta convicção.

O ideal seria andar pelado na avenida

em pleno meio dia,

e não às 3 da manhã,

como fiz nos tempos de garoto.

Observo o jovem vendendo abacaxis na esquina

e me convenço de que ele não teve tanta sorte,

se comparada à minha.

Seus dias talvez não sejam inspirados,

já que a luta pelo ganha-pão

suga o tempo da poesia.

mas isso é muito relativo,

e eu fico mais morto do que louco

se não tenho a presença

de uma simples

epifania.

 

(B. B. Palermo)

 

segunda-feira, 21 de junho de 2021

Voluntário do amor

 

Ouço as conversas dos jovens casais

e sinto que o clima está mudando,

o frio penetra até os ossos,

mas eu não ligo,

nada de culpas e medos.

Nascido em noite de geada,

não reclamo do frio metálico,

embora ele invada portas e janelas

dos guetos tristes.

Ouço a voz antes de me deter

no rostinho angelical, olhos, expressão

e os gestos da garotinha.

Aos poucos ela parece se interessar

por minha ficção - tô sabendo, bobinhos,

eu sou uma figura, uma quase ficção

em forma de gente.

Agarro a palavra e invento histórias

de encontros furtivos com entidades

que vêm de mundos pra lá de psicodélicos.

Passeio por entre os jardins do budismo,

as paisagens prosaicas da filosofia exotérica

e as leis de causa e efeito do espiritismo.

Estamos no meio de uma guerra - digo -     

e você não sabe quem é quem.

Não confie em ninguém, baby.

Ainda estou aceso, ainda articulo meus raciocínios,

primeiro a premissa maior, em seguida a premissa menor,

amarro direitinho justificativas com conclusões.

Me acodem alguns acordes da Quinta Sinfonia de Beethoven

misturados a cenas do filme Laranja Mecânica.

Tchan, tchan, tchan, tchan...

Senti que a musa balançou, ficou encantada,

e me vi no lugar do Alex, personagem principal do filme.

Nada de barreiras, nada de convenções,

eu sou o centro do mundo,

eu sou o Eu penso logo existo

do planeta.

 

O namorido deu sinais de tédio.

Afastou a garota dali.

Não pode ser...

Rolou um ciuminho?

Ah, como eu sofro!

Ah, como eu me divirto!

Ah, como eu queria mergulhar fundo

numas aventuras poliamorosas!

O velho Bukowski precisa saber disso:

seu discípulo escroto também rasteja por aí,

contando histórias divertidas e encantando ninfas,

rodeado e admirado ou odiado pelos garotos ingênuos

e sedentos de aventuras.

Os boysinhos não perdem por esperar.

Estou cansado de passar séculos implorando,

me arrastando feito lesma atrás de afeto,

mas tudo o que consigo é a incompreensão.

Danem-se.

Amanhã  eu tento de novo.

Tô ligado, garotinhos,

eu sou um voluntário do amor.

 

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 18 de junho de 2021

Picanhas

 

- Cadelão, esse povo tá mal acostumado.

Acha que pode comer carne de primeira a toda hora.

É chegado um novo tempo. É hora de se acostumar

com ossinho de porco!

- Carleone, Carleone... A coisa tá feia!

- Velho, descubra quem são as ladras

e vamos ser receptadores.

Se bonitas, comemos as duas picanhas.

Digo, as quatro.

 

(B. B. Palermo)

https://www.radioprogresso.com.br/ladras-de-picanha-furtam-o-atakarejo-kuchak/

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...