Chego
em casa pelas quatro da tarde e me detenho diante do espelho. Uso camiseta
estampada, e logo percebo que está virada. Noto a etiqueta enorme atrás do
pescoço. Fico vermelho de vergonha por não ter passado vergonha diante das
pessoas. Danem-se, não lembro de ter reparado em gente conhecida.
Enfio
as mãos nos bolsos, no esquerdo encontro meu RG e algumas moedas e um bilhete com
o telefone de uma putinha e uma fita vermelha do Santo Expedito. No bolso direito
encontro um preservativo.
Ontem,
lá pelas onze da noite, jogava sinuca e comemorava, com outros comuns, uns
trocados que ganhei no jogo do bicho. Aconselho esses carinhas que sonham em
ganhar nas apostas para que joguem alguns centavos nas centenas, pois assim é
mais fácil ganhar algum, pelo menos pra pagar os jogos da semana. Espiei o
celular e havia um áudio da Janete. "Cadelão, onde tu tá? Vem pra cá,
tenho uma novinha pra ti". Há anos ela joga essa isca pra me atrair ao seu
puteiro. Sempre vou faceiro e chego lá e vejo gordinhas de uns trinta e poucos.
Tinha
novidades. Propôs algo como um estágio. Se dormisse com Ela no final das noites,
poderia passar a semana na boate, rodeado de putas, escrevendo. Gostei da
ideia, quem sabe agora minha literatura deslancha. Vivo um dilema diário: não
trabalho para ter tempo para escrever, mas vocês sabem, no Brasil a maioria dos
escritores têm outra profissão, senão passariam fome. A inspiração não vem,
então tenho um motivo pra correr pro bar. No outro dia baixa uma ressaca e
então a Janete me chama. Ela tem uma boa alma. Ela sabe dos meus sonhos e
bolsos vazios.
Na
boate, embalado pelo álcool e pelas músicas que botei pra rodar, eu não urino
no banheiro. Saio pela porta da frente e vou até os fundos. É um lugar mais
elevado, afastado dos postes mais próximos e suas lâmpadas. Abro a braguilha,
aponto o jato do coiso em direção à grama, olho pro céu e sou tomado por um
encantamento, um momento mágico, uma vertigem me atravessa quando a beleza se
descortina diante dos olhos, nada mais nada menos do que a imensidão
deslumbrante da via láctea.
Perto
do amanhecer, depois que os taxistas
conduzem algumas garotas até suas casas para despacharem as babás e levarem as
crianças pra escola, Janete me leva ao seu quarto. Retira os brincos e os anéis,
que parecem valiosos, e suas mãos calosas, como se fossem de diarista, guardam-nos
num cofrinho sobre a cômoda.
Enquanto
me distraio com os pequenos quadros e miniaturas de estátuas de Nossa Senhora
aparecida sobre um pequeno santuário, ela vai pro chuveiro e logo retorna com
seu pijaminho cor de rosa.
A
lâmpada, de um avermelhado tímido, nos deixa mais bonitos. Ela se enrosca, estou
meio acordado, meio dormindo, apanha meu sexo, ordeno para que aperte sem medo e
ela massageia numa paciência comovente.
-
Calma, meu bem, tenho meu tempo... Sou um cara de outro mundo.
-
Eu sei, meu anjo, eu sei. Você não tá aqui por acaso.
O
escroto, enfim, desperta.
Pelo
que recordo, consegui a todo custo manter a ereção e levar Janete até o paraíso,
mas imediatamente meu amigão desandou. Afobado, arranco a camisinha e massageio
para que permaneça em pé. Esforço inútil.
Duas
da tarde, ao me vestir, não acendo a luz pra não acordá-la. Ela ronca mansinho.
Se
de madrugada, com aquele céu estrelado, tudo era magnífico, à tarde, quando me
dirijo ao portão da saída da boate com a cabeça latejando e pesando toneladas e
num calor de trinta graus, sinto-me às portas do inferno.
Na
rua, além do calor, há um trânsito infernal. Nada de passar um táxi ou motoboy.
(Não chamamos um táxi porque deixei meu celular em casa, e a bateria do
aparelho da Janete estava descarregada).
Carrego
o moletom no ombro, companheiro aconchegante à noite, agora um estorvo, vontade
de depositá-lo na primeira lixeira, não o faço porque é meu agasalho preferido.
Caminho
em direção ao centro, que fica a uns dois quilômetros. Que crise do caralho,
sou cercado por crianças, índios Caigangues, com suas cestinhas e outros
objetos de artesanato. Merda, a essa hora deveriam frequentar escolas de turno
integral. Esse país vai de mal a pior. Jovens senhoras vendendo doces e
salgados e uns caras vendendo frutas e panos de prato e muitos outros
trecos.
Na
parada de ônibus reparo numa morena de uns vinte e poucos, camuflada num
shortinho, tudo lindo a pele das pernas e costas e o cabelão e os lábios
carnudos e tudo o mais me arrepia. Não perco tempo, me aproximo e pergunto se o
ônibus pra Vila Esperança já passou.
A
garota não esboça reação, como se eu fosse invisível. Chego mais perto, ela
acompanha o movimento de meus lábios e faz uns gestos e de sua garganta sai um
grunhido incompreensível. Imediatamente uma senhora que está próxima diz
"passou faz uns dez minutos". Dezenas de pessoas me olham espantadas.
Encharcado pelo álcool, elas parecem sem vida, como manequins das lojas. A
única coisa que me passa pela cabeça é descer do ônibus perto de casa e tomar
um café com leite, bem adoçado.
O
lar me aguarda no lugar de sempre. Misturo o café, o leite em pó, apanho um
pote e coloco três colheradas das grandes, só pra repor a glicose. Agito tudo
com a colher e dou aquele gole. Puta que pariu! Em vez do pote com açúcar, eu
apanhei o pote com sal. Caramba, mal deu tempo pra correr até o banheiro e
vomitar.
Dou
um stop diante do espelho. Do outro lado um ex-adolescente com cara de padre
diz "a partir de hoje nascerá um novo homem". Ele ri até não mais.
(B.
B. Palermo)