domingo, 5 de dezembro de 2010

PATOTA





Patota toca
patota canta
patota dança
patota traça

patota é tudo de bom
e patati patata

patota é cheia de graça
pena que patota passa...

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

QUANDO EU ERA INVISÍVEL - Luis Fernando Veríssimo

Quando eu descobri que podia ficar invisível tinha 13 anos e a primeira coisa que fiz foi entrar no vestiário das mulheres, no clube. Durante algum tempo só usei meu poder para coisas assim. Ver mulher pelada, mudar as coisas de lugar para assustar as pessoas, dizer coisas no ouvido delas quando elas pensavam que estavam sozinhas, ficar atrás do goleiro do meu time para chutar as bolas que ele deixava passar e evitar o gol, coisas assim. Muito jogo importante da época fui eu que decidi, defendendo em cima da linha, e ninguém ficou sabendo, ou pelo menos ninguém acreditou quando eu contei. Também entrava em cinemas sem pagar e ainda cutucava a barriga do porteiro, só por farra. Vi todos os filmes proibidos até 18 anos que ninguém mais da minha geração viu. O único perigo, nos cinemas, era alguém, vendo a minha poltrona vazia, sentar no meu colo. Como eu invariavelmente estava com uma ereção, havia sempre a possibilidade de uma catástrofe.


Aos 16 anos me apaixonei por uma menina de 15, a Beloní, e um dia fiquei invisível e a segui até a sua casa. Queria ver como era o seu quarto e a sua vida, queria vê-la tomando banho, mas não queria ver o que vi, uma briga feia dela com a mãe, depois ela trancada no quarto, chorando, eu sem saber se afagava sua cabeça e a matava de susto ou o quê. No fim quase fiquei preso no apartamento porque todos foram dormir e trancaram as portas, tive que simular batidas na porta da frente para o pai da Beloní vir abrir e me deixar escapar, depois tive que explicar em casa porque ficara na rua até aquela hora, só quando já estava na cama me dei conta que perdera a viagem porque a Beloní, de tão amargurada, nem tomara banho e dormira vestida. Voltei à casa dela no dia seguinte, atraído não apenas pela possibilidade de vê-la nua como a de, de alguma forma, interferir no seu drama doméstico, ajudá-la, mudar seu destino, em último caso empurrar sua mãe pela janela. Desta vez peguei uma briga da mãe com o pai da Beloní. Fiquei achatado contra uma parede, apavorado. Era terrível, como as pessoas se comportavam quando achavam que não estavam sendo observadas. E era terrível não poder fazer nada. Era terrível ser invisível, ter aquele poder e nenhum outro. Eu não podia mudar a vida da minha amada Beloní como podia mudar o resultado de um jogo. Podia andar pela sua casa sem ser visto e sentir o cheiro doce de sua nuca, tendo apenas o cuidado de não encostar o nariz, mas não podia salvá-la.


Acho que foi então que me convenci de que a invisibilidade era, na verdade, um poder trágico. Depois da minha imersão na vida privada da família da Beloní - que eu revi o outro dia e e me contou que está bem, que se casou com um astrônomo belga que tem até uma estrela com o nome dele, que ela não se lembrava como era, está claro que enlouqueceu - nunca mais consegui me divertir com a minha invisibilidade. Não entro mais em vestiários femininos, pois que graça há na mulher nua se ela não está nua para você, se ela nem sabe que você a está vendo e que aquele hálito na sua nuca é o seu? Não entro mais em campo, pois que graça há no seu time ganhar com a sua participação anti-regulamentar e sem que você ganhe sequer uma medalha, uma linha no jornal? E já tenho idade suficiente, mais do que suficiente, para entrar em filmes proibidos à vista do porteiro. Pensando bem, hoje só fico invisível quando quero estar sozinho ou, vez que outra, quando estou dirigindo, para ver as caras de espanto dos outros motoristas. Mas nem isso me diverte mais. A invisibilidade é para os jovens.


Troquei meu poder pelo ofício de Flaubert que dizia que todo escritor é um fantasma percorrendo as suas próprias entrelinhas, ou coisa parecida. Abandonei a vida real por ficções como esta, em que controlo tudo e posso mudar a vida das pessoas e dispor do seu destino, e fornecer os seus diálogos, e matá-las ou salvá-las como me apetecer. E em que apareço e desapareço quando quero. E posso não só sentir o cheiro doce da nuca das mulheres que invento como roçar nelas o meu nariz. E até fazer "Nham!", se quiser, sem qualquer perigo.

terça-feira, 30 de novembro de 2010

DORME, PRETINHO - Sérgio Caparelli





Dorme, dorme, meu menino
a lua é feita de néon.

Vá embora, vá seu guarda,
deixa o pretinho dormir,
ele está longe de casa
e não tem pra onde ir.

Vá embora, vá seu guarda,
deixe o pretinho dormir.

Dorme, dorme, meu pretinho
Deus também é engraxate,
ele lustra no teu peito
um coração que bate, bate.

Dorme, dorme, meu pretinho,
Deus também é engraxate.

Dorme, dorme, meu pretinho,
numa cama de jornal,
logo vão chover estrelas
para acabar com o teu mal.

Dorme, dorme, meu pretinho,
numa cama de jornal.

Vá embora, vá seu guarda,
o pretinho é muito bom:
Ele dorme sob a lua
de um anúncio de néon.


Do livro Boi da cara preta.

domingo, 28 de novembro de 2010

RETORNO

Anos depois
ela bate à porta
para reivindicar seu lugar
no meu álbum de lembranças.

Minha racionalidade pondera
               com regras e dever
                 afirma sem piscar
     que seu amor prescreveu.

              O pior é que o tempo
não é confiável nem comparsa
            me chama de medroso
      enquanto ri da minha cara!

Ele diz que depois que ela se foi
           esqueci portas trancadas
       alarmes cadeados sensores
                            me guardam...
                                e aguardam
                   um gesto definitivo...

             Tudo o que aprendi
foi mastigar essas verdades
                             amargas
torcer para que as palavras
          que rabisco no diário
  apontem as coordenadas.

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

O que teu pai faz melhor do que o meu? - Ignácio de Loyola Brandão



Ainda não existiam coisas como o "dia dos pais". Todo dia era dia do pai, porque todos os dias tínhamos que nos entender com ele quando chegava do trabalho e a mãe desfiava o rosário de aflições que tínhamos causado: não obedeceu, não fez a lição de casa, fugiu da escola no recreio, brigou com um vizinho, quebrou um vidro com a bola, chupou manga verde, comeu melancia e tomou leite (proibidérrimo), jogou barro na roupa lavada.
Os pais eram sérios, austeros, distantes, carrancudos, temíveis, não conversavam com a gente sobre nenhum assunto, não acariciavam o filho. Vivíamos vidas em separado. Em casa, uma coisa. Na rua, outra. Porque só se brincava na rua.
No entanto, admirávamos aqueles homens, tanto que as disputas eram acirradas. Cada um exibia o pai mais do que o outro. Eu ficava abismado. Como é que aqueles pais eram tão campeões e a gente nem ouvia falar deles no bairro? E olhem que Araraquara era uma cidade pequena, todos se conheciam.
Betão, filho do bananeiro, assegurava, toda segunda-feira: "Ontem, meu pai defendeu 10 bolas impossíveis, o time dele ganhou. Com meu pai no gol, não tem time que ganhe dele". Nunca o jogo era em Araraquara. O lélio Gordo não deixava por menos: "Na luta de sábado, meu pai acertou duas muquetas no Kid Formiga, no primeiro rounde e acabou". O pai desse também só lutava box em outras cidades. Nerevaldo Milho (todos tinham um apelido) garantia que o pai era capaz de ir de bicicleta até São Paulo e voltar no dia seguinte. O pai dele alugava e consertava bicicletas, era uma inveja, um dia apareceu em uma Monark de breque no pedal, foi um deslumbramento.O pai do Sálvio Prego podia comer quarenta sanduíches de queijo quente com banana, apesar de magro, magro.
Carlos Amargo não ficava atrás: "Meu pai vendeu trezentos números de peru na quermesse, ele é batuta como vendedor, espertíssimo, ninguém vende mais do que ele, é capaz de vender sorvete para pinguim, diz minha mãe". Eu ficava assombrado. "Pinguim toma sorvete?" Todos riam:
- Bobo, é maneira de dizer. Igual a vender ovo para galinha, pernil para o porco, leite para  a vaca. Falando nisso, o seu pai é capaz de quê?
Meu pai, meu pai? Nunca tinha esmurrado ninguém. Em um jogo, tinha pisado na bola tantas vezes que foi expulso do time. Era mais fácil ele andar na corda bamba que de bicicleta. Na quermesse, comprava rifas, não ganhava nada, minha mãe reclamava: "Você é um azarado".Mesmo assim, era um homem diferente, legal.
Em casa, perguntei:
- Pai, o senhor é capaz do quê?
- Do quê? Não entendo.
Expliquei, mostrei como cada pai dos meus amigos era batuta, fazia coisas incríveis.
- O que digo sobre você?
- Que sou capaz de trabalhar o dia inteiro, sábado e domingo, sem fins de semana e sem tirar férias!
- Isso não é vantagem pra contar. Tem que ser uma coisa grande!
- Sei... sei viver...
Bem que minha mãe dizia que meu pai tinha respostas estranhas.
- Viver todos sabem.
- Todos vivem! Não sabem. Vivem do jeito que pensam que os outros acham que é bonito viver, mas não do jeito que eles gostariam de viver. Deu para entender?
- Quer dizer que o Betão gostaria que o pai dele fosse goleiro bom, que o Nerevaldo gostaria que o pai fosse para São Paulo de bicicleta?
- Mais ou menos. A gente não precisa fazer coisas espetaculares. Não precisa ser campeão, filho.
- Mas os outros não vão gostar dessa resposta, pai. Eu queria poder dizer uma coisa que deixasse os outros com inveja.
- Para que deixar os outros com inveja? O que importa é: você está contente com o pai que tem? Com o que seu pai sabe fazer? Por exemplo, eles sabem viajar sem sair do lugar?
- Essa não!
- A quantos lugares não vamos? Não voamos de avião, andamos de trem, saímos em tapetes voadores, visitamos castelos, estivemos na lua, criamos um foguete interplanetário, um telefone para macacos, fizemos surf nas costas dos crocodilos, jogamos basquete contra o time dos americanos, conversamos com chineses, salvamos uma mulher dos bandidos, descansamos nas nuvens, abrimos a porta do inferno para as pessoas escaparem?
- Pai, tudo eram histórias que você contava!
- Diga a eles que ninguém inventa como eu.
- Não posso! Tem que ser uma coisa que deixe a turma de queixo caído.
Ele me olhou e pareceu um pouco triste.Coisa difícil ver meu pai triste. Poucas vezes vi. Mesmo quando ele estava doente e ia trabalhar de manhã, nunca faltou no trabalho. Demorou um pouco, abriu o sorriso e o mundo mudou. E ao ver aquilo, entendi. Corri para a beira do rio. A turma estava lá. Gritei:
- Meu pai faz uma coisa incrível que nenhum dos seus faz!
- E o que é essa maravilha?
- O meu pai ri. Vive sorrindo. É engraçado! Divertido. Inventa como ninguém. Ganhei ou não?
Eles me olharam com cara de derrotados.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Autoapresentação - Elias José




Sou o poeta João,
cheio de sonhos e pesadelos
e medos e coragem.

Tenho os olhos abertos, espertos
para olhar o céu, o mar, a montanha
e todas as cores que a vida tem.
Tantos me tocam as cores da natureza
como os olhos das garotas.


Tenho os ouvidos atentos
para a música, os ruídos todos
e a sonoridade dos sorrisos
e dos nomes de mulher.


Com os íntimos ou escrevendo
sou falante, elétrico como um grilo.
Quando enfrento o desconhecido
sou caracol encolhido em minha casca-casa.


Sou alegre e sou triste,
sou poeta em projeto.
Acho que o poeta é um cara-de-pau
que se joga todo sem redes,
sem máscaras e sem olhos escuros.
É um ser que bota fogo no gelo
e espera um incêndio amazônico.
Para isso vivo e me preparo...
Como só tenho quinze anos,
estou ainda atiçando chispas.
Se uma chamazinha explodir,
se um verde minúsculo brotar
do azul do meu poema,
se o diálogo quebrar a indiferença,
valeu.

 do livro Cantigas de adolescer.

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Panis et circensis - Caetano Veloso e Gilberto Gil





Eu quis cantar, minha canção iluminada de sol
soltei os panos sobre os mastros no ar
soltei os tigres e os leões nos quintais
mas as pessoas na sala de jantar
são ocupadas em nascer e morrer

Mandei fazer, de puro aço luminoso punhal
para matar o meu amor e matei
às cinco horas na Avenida Central
mas as pessoas na sala de jantar
são ocupadas em nascer e morrer

Mandei plantar, folhas de sonho no jardim do solar
as folhas sabem procurar pelo sol
e as raízes procurar, procurar
mas as pessoas na sala de jantar
essas pessoas na sala de jantar
são as pessoas na sala de jantar
mas as pessoas na sala de jantar
são ocupadas em nascer e morrer

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

A CABEÇA DOS SONHOS E DOS OUTROS

Meus sonhos vivem bem informados
com tudo o que se passa
com parentes, amigos e conhecidos.

Quando se trata de mim
usam subterfúgios
falam através de enigmas
para me deixar confuso.

Meus sonhos são delicados
não querem abrir o jogo
para não me fazer sofrer.
E essa confusão toda
me faz pensar neles
por um bocado de tempo,
ao acordar pela manhã.

Pretensiosos,
eles tudo sabem
sobre tudo,
do amor eterno
ao amor verdadeiro...

É que eles não têm compromisso com o tempo,
que me enrola o tempo todo.
Abusados, meus sonhos riem dos amores
que encontro pelo caminho,
frágeis e passageiros.

Meus sonhos vivem fazendo acordos
com pessoas que me rodeiam e que convivo.
Fui sequestrado por meus sonhos, que anarquizam
minha cabeça, e a cabeça dos outros...



"...Somos prisioneiros não só da nossa cabeça, mas da cabeça dos outros, do que eles pensam a nosso respeito, do que imaginam que iremos fazer, das conclusões a que chegam, das interpretações que fazem sobre o que lhes contamos.


Não há escapatória. Estamos sujeitos ao que nossas narrativas revelam, e elas nem sempre revelam nossa pureza. Estamos sujeitos ao que nossos atos revelam, e eles nem sempre revelam o que sentimos. O que somos de verdade e o que queremos de fato, só nós sabemos. Só nós. Sós.


O planeta é povoado por bilhões de solitários tentando se comunicar em meio a situações de euforia, desespero, descrença e êxtase. Quantas vezes tentaram adivinhar o que sentíamos, e erraram. Julgaram nossas ações, e erraram. Tiveram certeza sobre nossos propósitos, e erraram. Balas perdidas disparadas a esmo, bilhões tentando compreender uns aos outros e passando longe do alvo. Reverenciamos tanto a conexão, mas ela segue mais rara do que nunca.


A cabeça do outro é nosso juiz mais implacável. Acreditamos que temos controle sobre nosso destino, mas esse controle está atrelado ao pensamento do outro sobre nós, o sentimento (ou ressentimento) que ele nutre a despeito de todas as nossas boas intenções.


Nossos pais, nossos amigos, nossos filhos, nossos clientes, nosso amor: tudo andará bem desde que sejamos fiéis ao que estava previsto. Mas somos seres imprevisíveis por natureza, o que nos faz passar a vida inteira correndo riscos".

(Martha Medeiros, Zero Hora de 17/11/2010).

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Paulo Bentancur - A palavra desenha o mundo




No início de novembro pude assistir palestra com o escritor, oficineiro e crítico literário gaúcho Paulo Bentancur. Grande palestra, com texto poético, pegando de surpresa boa parte do público, acostumado a textos mais modestos, introdutórios. O autor é finalista, na categoria de livro infanto-juvenil, ao concurso Açorianos de literatura. Vai a seguir entrevista que retirei do seu blog.



- Há mais de 20 anos você é crítico literário, julgando outras obras e escritores. Qual o critério que utiliza para avaliar as próprias publicações?

 Diria que se procuro ser justo com os outros autores que comento, comigo prefiro (claro, exagerando um pouco) até mesmo ser injusto. Exijo ao máximo de mim (e nem seria bom que exigisse menos que isso). Um bom livro deve ser criativo na trama, ter personagens interessantes e uma linguagem saborosa, com ritmo, quase musical, e ao mesmo tempo fácil de ler. Não posso, como crítico, abrir mão de encontrar isso em qualquer livro que analiso. A diferença é que quando se trata de um livro meu, bom, aí então eu levo essa exigência a um nível extremo. Procuro, em resumo, escrever o livro que eu, como leitor, sonho um dia encontrar para ler. Difícil chegar a tanto, mas não custa tentar (risos).


- Você já escreveu para o público adulto e também para o infantojuvenil. Qual a diferença entre eles? Toda e nenhuma.

Nenhuma porque quando se escreve, busca-se uma doação sem a qual o artista não é artista, mas mero prestidigitador. Entregando-se inteiro ao que conta, vai junto como ser, e acontece junto de sua história, entregando aos leitores um livro que vale uma pessoa inteira e suas obsessões e encantamentos. E também, nos aspectos externos, há toda uma diferença. Isto porque o público adulto, bem, a gente nunca fica sabendo quem é. O infantojuvenil é que faz com que você, como autor, seja convidado a ir nas escolas, e é entrevistado daquela forma livre e espontânea, típica das crianças e adolescentes: perguntam de tudo. A garotada não se intimida na hora da curiosidade. Os leitores adultos já são mais dados a uma reserva compreensível, o que é raro quando se trata de jovens. Quando publico para adultos, acontece uma sessão de autógrafos, sai crítica na imprensa, com sorte ganho algum prêmio, e o resto é um enigma só. Quando publico infantojuvenil, fazem encenações sobre os meus livros, cartazes, me escrevem cartinhas manuscritas lá do interior, mandam recado até pelo Orkut – é uma festa!


- Já são cerca de 30 obras publicadas e sempre com uma história diferente. Como surgem as ideias para escrever os livros?

Como surgem todas as idéias em todas as cabeças de qualquer pessoa. Imprevisivelmente (a gente deve estar sempre de “portas” e “janelas” abertas; no sentido figurado, claro), ao acaso, como quem sai para brincar no parque e nem sabe o que vai acontecer e então se depara com muitos fatos. A vida nos apronta muitas surpresas. Basta não ter medo de imaginar. No fundo, bem lá no fundo, todos nós já temos, como quando estamos sonhando, histórias prontas à espera de que a gente as descubra e as traga para fora de nossa mente e as coloque no papel. Eu sempre sento na frente no computador quase que não tendo a mínima ideia do que vou escrever. Eu disse "quase". Evidentemente, há um projeto básico, um desejo forte que me impele para a frente mas não se mostra visível enquanto não escrevo as primeiras frases. Começo então a escrever, inevitavelmente. De acordo como está o meu espírito nesse dia. E as coisas vão rolando (como uma bola que eu fosse chutando)... e a história tranca aqui, destranca ali, tranca de novo, mas, de repente, acontece! Quando termino um livro, surpreendo-me e digo para mim mesmo: “mas então era isso que eu tinha para contar?!”


- No livro “Três pais” você associa Hamlet com o livro. Como isso acontece

Desconfio que muitas das histórias já escritas no mundo de alguma forma dialogam umas com as outras. No caso do Hamlet, o príncipe é visitado pelo fantasma de seu pai que foi assassinado, pai que pede vingança ao filho, e Hamlet sofre com a presença paterna a exigir dele a difícil justiça e, ao mesmo tempo, o príncipe também sofre com a ausência desse pai, que já não pode se defender. Na outra história, “Carta ao Pai”, do Kafka, o filho acusa o pai de ter sido muito duro, exigente, e aí invertem-se os papéis: é o filho que deseja justiça. E na terceira história, criada por mim, “Pai embrulhado para presente”, eu narro a história de um pai que é desafiado a ficar longe das duas filhas para vencer na carreira, no trabalho. Mas a realização profissional, nesse caso, quase arrisca colocar o afeto pra escanteio. Bom seria ter os dois em seu ponto máximo... Mas é o caso de buscar equilibrar as prioridades, a afetiva e a material – obviamente não excludentes. Naturalmente, esse pai jamais vai parar de trabalhar, ele prefere enfrentar alguns sacrifícios porém sua escolha principal, ali, é ficar sempre perto das filhas. Entre a glória e a fortuna ou o afeto (na verdade uma questão que não podemos aceitar que seja posta assim), ele escolhe o afeto como glória e fortuna legítimas. Dele, do amor paterno, tirará a energia para construir o resto. E aí, voltando ao Hamlet da pergunta, a angústia que se apodera do príncipe que precisa denunciar o assassino de seu pai – o tio! –, é o afeto a força decisiva para que ele crie a coragem nunca antes demonstrada. Afinal, sem afeto de que adiantaria existirem pais e filhos? Que sentido e sabor teria, enfim, a vida?

(Entrevista a Melissa Stranieri)

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Catecismo

Canalizaram a água
           da cachoeira
        man-sa-men-te
  formou-se um lago
  fez bem e estragos
                o que sei,
    que agora guardo

  são margens e leito
           o meu abrigo.


Em meio aos mandamentos
                do mundo
faço o dever de casa


      Pela manhã
obedeço a Deus
e no final do dia
recolho na poupança
         meus pecados.

sábado, 13 de novembro de 2010

DESPEDIDA





Enfim, despedimo-nos
da infância.

Depois do parque
do circo e da praça
doamos a fantasia
aos irmãos mais novos.

Agora
nos emprenstam 
vergonha
se ficamos nus.

Passam os dias
e todos aguardam
para que prendamos a rebeldia
nos porões do coração.

Mas a liberdade, alucinada,
acena por detrás dos muros...

Repetem, repetem,
os mais velhos:
- Vamos olhar pra frente
e viver a nossa idade!

Enquanto isso
nossos desejos mais profundos
brincam de esconde-esconde
nos labirintos da saudade!

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...