domingo, 26 de junho de 2022

Hello, garotas reais!


Mordo o sanduiche

enquanto assisto um vídeo

que um amigo enviou

de uma puta gostosa

e nua

rebolando diante de um sofá.

A legenda diz:

"Vendo este sofá!"

Peitos e bunda turbinados,

tatuagens distribuídas pelo corpo

bronzeado.

Toneladas de conteúdo

e eu não preciso pensar nisso.

Apenas curtir.

Mas eu penso, e comparo o vídeo da deusa

com laranjas

e maçãs

e bananas

que repousam imóveis na fruteira

sobre a mesa.

Coisas

coisas

coisas.

Hello, garotas reais,

vinde a mim,

despenteadas

estressadas

com olheiras

e uma puta fome

de amor!

 

(B. B. Palermo)


sábado, 25 de junho de 2022

Aloprações assistindo futebol na mesa de um bar


Cheguei no bar no intervalo do jogo do Grêmio.

Fazia 2 dias que, pela enésima vez,

havia tomado a decisão de mudar de vida:

fazer dieta, ser um quase vegano

e quase minimalista,

e me afastar do copo.

Meus planos eram claros, cartesianamente falando:

usar de minha Razão para alcançar o equilíbrio,

sem ser influenciado por pastores ou padres ou coaches,

eu sei aonde essa cambada quer chegar,

falando de disciplina, ordem e prosperidade.

O Grêmio perdia por 1 a 0 pro CSA,                                         

os malucos continuavam zonzos em campo

e o Cesinha mamava o litrão de Brahma

e corria pra calçada fumar

e rosnar contra o time.

No início do segundo tempo chegou no bar o Alopradovski,

torcedor doente pelo Grêmio e com idade mental

de uns 9, 12 anos.

Nos últimos jogos do time ele escolheu o técnico

como seu inimigo número 1.

Eu me via diante do seguinte dilema:

as pessoas se tornam alopradas porque torcem

pra um time aloprado,

ou é o contrário?

O demente xingava e torcia contra o time,

e todos no bar não compreendiam este absurdo:

como pode o cara torcer contra o time do coração

por não gostar do Roger Machado e ser apaixonado

pelo Renato Portaluppi?

Olhei para o lado, umas garotas devoravam seus lanches

num semblante apavorado, olhei pro Cesinha e visualizei

seu perfil de sujeito sanguíneo prestes a enfartar.

Em silêncio me perguntei se nos próximos anos

conseguiria juntar dinheiro suficiente

para comprar uma passagem só de ida                      

a Marte.


(B. B. Palermo)


terça-feira, 21 de junho de 2022

O Nirvana é ouro


No dia seguinte

o garoto encontrou

sua caneta esfarrapada

no bolso da calça,

junto a uma folha em branco,

toda amassada.         

O sujeito do bar disse pra todo mundo

que ele saíra de madrugada do bar,

flanando pela avenida

como um bailarino

bêbado.

O garoto não liga pras fofocas.

Ele não leva a sério esses malucos,

muitos deles viciados,

que dizem que se redimiram

porque encontraram Jesus,

bíblias debaixo do braço,

escrevendo versículos

e provérbios

nas paredes dos bares.

O garoto sabe que o Nirvana é ouro,

e sabe de onde não vem

e de onde vem

a sua libertação:

nenhuma culpa

das recaídas

e tombos

e fiascos

que costumamos fazer.                                           

Para o garoto,

O voo mais elevado,

num espaço e tempo transcendental,

pode resultar

(por que não?)

de uma queda etílica

ao retornar do bar para casa

numa madrugada

qualquer.

 

(B. B. Palermo)


quinta-feira, 16 de junho de 2022

Babacas ou gênios, não sei


Sonhamos com prazo

de validade

parecido ao dos parafusos,

arruelas e porcas.

Até nos assemelhamos,

produzidos em série,

aos milhões,

expostos nas vitrines.

Seres uniformizados,

nos repetimos em todo lugar,

carne de segunda passando pelo triturador.

Seres em ordem unida,

me fazem lembrar as fileiras

de lápides

esquecidas nos cemitérios.

Sonhamos que somos indestrutíveis,

que duraremos mais do que plástico,

seremos de vidro,

lutando bravamente para não sermos decompostos

pela natureza.

babacas ou gênios, não sei.

Queremos esquecer que somos de

carne,

nossa validade é pura ilusão.

Sonhamos que vamos nos reconciliar com a natureza,

sonhamos que vamos deixar algumas

sementinhas.       

Cético a isso tudo,

encho meu copo,

apanho outra folha em branco

e sigo proseando

 

sozinho.

 

(B. B. Palermo)


quarta-feira, 15 de junho de 2022

A lua cheia e o Beiço me arrastaram pro bar


Senti uma dor aguda

nas costas

e me perguntei se estava preparado

para morrer.

Beiço apareceu bem no momento

em que a lua cheia dava o ar

da graça.

Os dois me arrastaram pro bar.

O Pirotécnico estava sóbrio

desde o fim de semana.

Barba aparada,

roupa limpa,

saíra há pouco do banho.         

- Cretino, tu deixou de ser sublime?

- Por que, Cadelão?

- Me aparece todo desencardido.

Virou metamorfose ambulante?

Beiço riu, sem graça.

Ele sabe, uma vida limpa,

organizada,

cheia de loves com as gurias

e as contas em dia

fodem com a minha

poesia.                                               

O Piradão sabe que

nada sou

longe de minha sujeira.           

Deprimi, depois que ele falou:

- Se é pra morrer, tudo bem,

mas vamos atravessar o rio

de banho tomado

e a carcaça

perfumada!

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 14 de junho de 2022

Não sobrará tempo para enlouquecer


Aprenda a fazer um repelente

de baratas e livre-se delas

para sempre".

Leio este título

de uma matéria no Google                       

e sinto calafrios.

Pouco adianta livrar-me dos insetos,

já que sou perseguido, nas ruas,

por robôs de olhares inexpressivos.

Encurralam-me também

as conversas bizarras

pelos comércios e bares,

e os velhinhos jogando

uns trocados

nas lotéricas.

Meditar durante semanas                           

num quarto escuro,

quem sabe, me transforme

num poeta louco.      

Anúncios e vitrines me distraem.

Sacolas de compras saindo das lojas,

consórcios de carros e carnês

e o trânsito engarrafado,

isso e muito mais exige trabalho                         

e preocupações.

Não sobrará tempo

para enlouquecer.

 

(B. B. Palermo)


sábado, 11 de junho de 2022

Piloto automático


A fumaça subiu na Vila Pedreira,

e com ela Deus, o diabo, céu e inferno

ficaram impregnados de simpáticas criaturas.

Eram cavalos alados, monstros da Odisseia do Homero,

um verdadeiro Apocalipse,

e não era nem 8 e meia da noite.

O rádio do bar do Manetta

transmitia a Voz do Brasil.

A bebida descia rebolando como leoas no cio

e minha cabeça sonhava libertação

de antigos demônios,

como se tivesse bebido um Santo Daime porreta.

Não vomitei nem rezei,

apenas me vi em tristes recordações.

Sexo era esporádico

e as masturbações, muitas,

diretas no piloto automático.

 

Tudo tranquilo.

Me sinto pior quando vejo mortos-vivos

destilando suas verdades absurdas

nas redes sociais.

Cada vez mais eles se superam:

colocam escapamentos superbarulhentos

nas suas motocicletas,

ou desfilam num carro rebaixado

com o som explodindo.

Hora de lembrar o que disse o velho Schopenhauer:              

"A soma do barulho que uma pessoa pode suportar

está na razão inversa de sua capacidade mental".

 

(B. B. Palermo)

 

segunda-feira, 30 de maio de 2022

Tragédias do Grêmio


Eram 3 e poucos da tarde e eu, valente,

preparava meu almoço e me culpava,

como sempre,

por ter me alongado no sábado.

Nisto o Cesinha chegou todo esperançoso

com uma vitória do Grêmio                                      

contra o Vila Nova.

Ele entrou porta a dentro

e eu abortei meu arroz integral,

caprichei numa salada e 2 ovos cozidos,

e na geladeira só tinha água e 2 latões.    

Cesinha fumava e gesticulava,

falando mal do governo

e de Deus

e de todo mundo.

Disse pra ele Tu precisa parar de fumar,

eu preciso parar de beber,

a vida deve ter algum sentido

pra um homem

que não tem vícios.

Foi então que ele revelou todo o seu sofrimento:

Eu não consigo viver sem me estressar com o Grêmio.

E jogou na minha cara:

Poeta, tudo bem, mas tá na hora de consertar teu chuveiro

e trocar a antena da TV.

Chegamos no bar do Telmo

e vimos a real tragédia do Grêmio,

um bando de maluco

correndo pra todo e lugar algum,

um time sem alma

e sem coração.

 

(B. B. Palermo)


sábado, 28 de maio de 2022

Conversa de surdos


- Manetta, tu sabia que o vocalista

da banda Scorpions tá de aniversário hoje?

- Quem? Quem?

- Manetta, tu sabia que o Bob Dylan

tem o mesmo signo que o meu?

Isso, somos dois geminianos delirantes.

A vantagem que eu levo é que não sou famoso,

posso entornar todas no teu bar

sem ninguém me encher o saco.

Manetta, tu sabia que todos temos duas partes?

Isso, bem do jeitinho como disse o Ferreira Gullar

no poema "Traduzir-se".

Alguns versos são a minha cara:

"Uma parte de mim pesa, pondera,

outra parte delira.                                                   

Uma parte de mim almoça e janta,

outra parte se espanta...".

 

(B. B. Palermo)


Triste



Estou triste.

É que o David morreu

sem nem saber

que eu existo.

Não consigo me conformar

com o fato de estar

rodeado

de tantos clichês

e dedos

em riste.

Tarde percebi que sou ridículo,

um anônimo pagando

seus carnês.

O fim de semana chegou

mais uma vez

e eu dou banho

e visto roupa

nova

nos meus vícios

e barganho

com o sol

algumas parcelas

de luz.

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 26 de maio de 2022

Menos é mais


Pelas veias abertas da cidade

o negócio rola para além do que você pode imaginar.

De dia há a ordem, embora surjam alguns obstáculos

para nosso ir e vir distraído e ansioso.

De madrugada o pulso da cidade bate acelerado.

Ego e Superego saem de cena e o bebê Id balbucia Yes, yes!,

e suga com sua boca infantil todo álcool e pó

de que a cidade dispuser.

Poucas são as chances de felicidade nessa rotina que diz

que devemos produzir e consumir mais e mais.

Meu brother, o trampo é fugir do cerco das pesquisas

e estatísticas e das ligações do telemarketing.

 

O sinal amarelo do semáforo da esquina roda a saia e pergunta:

Quais as tuas chances, Cadelão, de morrer de amor?

Faz tantas perguntas absurdas e eu boto pra foder,

assumo o lugar do agente de trânsito e grito, manipulando o sinal:

Não, não, não! Morrer de amor é tudo!

O que não suporto é a indústria farmacêutica,

muito menos os Black fridays.

Fodam-se as religiões e terapias

que prometem a harmonia entre corpo e alma,  

e tem mais, não sou simples número de CPF!

 

A música no bar é repetitiva

e não me oferece nenhum sentido.

Antes de sair de casa ouvi algumas do Bach

e deve ser por isso que as canções populares

não espantam meu tédio e melancolia.

Eis a culpa por fugir do lar doce lar.

Estou cansado de saber que, se não suporto os programas diários, repetitivos,

basta doar minha TV, ou então jogá-la pela janela.

Mesmo tardiamente, este ingênuo se convenceu de que tanta informação

sistematicamente jogada em seu cérebro o afasta do essencial,

que é a possibilidade de pensar.

 

Esses dias o Beiço quis me pegar:

- Cadelão, tu é feliz?

Joguei duro com o Insolente:

- Meu, pare de se preocupar com abstrações,

 viva a vida, seu miserável!

Seja teu próprio cobaia, corra atrás dos teus desejos,

mesmo sabendo que esses monstrinhos

é que alimentam o sofrimento.

 

Aproveitei o embalo e informei ao Beiço

minhas últimas bravatas pro futuro.

Disse-lhe que estou aderindo aos ideais minimalistas

e que pretendo viajar pelo mundo,

e que minha moradia será, no máximo, num container

de uns 20 e poucos metros quadrados,

o que desejo é um enorme quintal de onde virá meu sustento

com frutas, verduras, criação de galinhas e porcos e etc.

Vou viver apenas com as coisas essenciais

que darão prazer em vez de dor.

O que é UP é a ideia de que "menos é mais".

Então o Beiço veio com esta:

- Tu vai ser minimalista também no consumo de bebidas?

Tu vai beber apenas o essencial?

- Bah, cara, não tinha pensado nisso...

- Diga, maluco, dá pra simplificar também na vida amorosa?

- Velho, o minimalismo se aplica a tudo: aos bens que consumimos,

aos amigos que escolhemos e também aos amores, claro.

 

(B. B. Palermo) 

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...