quarta-feira, 5 de novembro de 2014

Paulo Leminski



Abraço ou beijo? - Marcelo Rubens Paiva


Muita gente idealiza a vida de escritor. Acha que a grana é fácil e a rotina, sem stress e com glamour. Basta ficar em casa, com os pés para o alto, e jogar com as palavras e idéias? Vai nessa...
“Estela com ‘e’ e dois ‘eles’?”, pergunto com a caneta na mão e a boca seca.
“Com ‘esse’ e dois ‘eles’”, ela responde.
Assino “Stella, um beijo, Marcelo”, entrego o livro e sorrio. Porque vem a foto. Agora, noites de autógrafos são também sessões de fotos. Um amigo do autografado sempre tem em mãos um celular com câmera. Não bastam as dedicatórias. Não basta a assinatura. Desejam a prova visual. 
Mas ele não sabe tirar, ou não consegue focar, ou ligar o flash, ou não gosta da foto e pede para repetir. E novamente preparo o disfarce da felicidade para um sujeito que nunca vi na vida, ao lado de uma leitora empolgada, que me agarra pelo pescoço e me beija, deixando uma marca de batom, enquanto a fila está grande. E penso: vou passar a noite nessa, preciso sorrir, com uma marca de batom ridícula na bochecha, são meus leitores, vivo disso. É o preço, é o preço...
Bebo em noites de autógrafos. É de graça. Vinho, uísque, caipirinha, o que tiver. Nessa, parti pro uísque. E o garçom sumiu. Chama-se Jango. Tem a cara do Mr. Bean. O mais importante é ganhar a simpatia de um garçom. Para ele manter o copo cheio, e a água em estado sólido. Peço para Stella, com ‘esse’ e dois ‘eles’, procurar Jango, o garçom com a cara do Mr. Bean, e pedir mais uísque com gelo.
“Um abraço, Marilorde”, escrevo. Sim, estou no Nordeste, onde a composição de nomes é criativa. Maria com Lorde. No interior de São Paulo, o uso e abuso do ‘dáblio’ e ‘ipsilone’ não têm limites: Wellyntgon, Wladyr... Na capital, pedem a dedicatória com nome e sobrenome. No Rio, os autógrafos são para apelidos infantilizados: Baby, Cunca, Birunda.
“Elizabeth com ‘zê’ e ‘tê-agá’ no final?”
“É. Puxa. Que bom que você perguntou, todo mundo erra”, diz Elizabeth.
São 24 anos de estrada, nega, mais de oito livros, sem contar autógrafos em ruas, bares, cadeias. Rodei. Sempre busco a soletração. Não posso errar o nome de um leitor. Ficará registrado na sua estante. Para os netos confrontarem: “Vô, este escritor é analfabeto, nem sabe escrever seu nome.” E existem Raquel e Rachel, Bete e Beth, Luiz e Luis, Teresa e Tereza... 
Chega Mr. Bean com meu uísque. Tomo um gole. Vou ficar alegrinho no final, já sei. Minha letra estará desleixada. Comecei tão bem. A caneta é boa, desliza, não é daquelas que falham e deixam Suely com o ‘ipsilone’ final apagado. 
Elizabeth pede para alguém tirar uma foto. Tenho certeza de que ela faz chifrinhos, paranóia que começou quando Pânico na TV lançou a campanha Faça Um Chifrinho na Celebridade. Todos que me fotografavam, presumi, colocavam chifrinhos. 
Um cara se aproxima. Já fazendo pose pra foto. Não fala nada. De birra, também não falo. Me encara. Aproveito a pausa e bebo. Tem leitor que fica parado, mudo. Como se eu soubesse seu nome. Confundiu a noite de autógrafos: acha que sou Chico Xavier. Então, quebro o gelo.
“O autógrafo é para você?”
“É.”
E continua o silêncio.
“E como é o seu nome?”
“Põe aí qualquer coisa.”
Já fiz isso, já escrevi “Ao qualquer coisa, um abraço, Marcelo”.
“Não prefere que eu coloque o seu nome?”
“Põe aí... Para Hélio, com afeto.”
Tem cara que é assim, que especifica a dedicatória.
“Hélio com ‘agá’ e acento?”
Então, medito sobre a minha incapacidade de criar boas dedicatórias. Para as mulheres, um beijo. Para os homens, um abraço. Eventualmente, alguém pede um autógrafo especial, e dedico: “Um beijo especial”. Outra diz que quer algo diferente do da amiga, para quem escrevi “Um beijo especial”. Escrevo: “Um beijo diferente”. 
Já não me angustia a falta de criatividade. São pessoas que nunca vi na vida. No passado, eu jogava com os nomes: “Para Rosa do sorriso colorido...” Nem sei por que querem um rabisco no livro. Logo logo o venderão para um sebo. Como fez minha avó Olga. Na verdade, fizeram. Quando a levaram para a casa de repouso, venderam tudo o que era seu. Encontrei num sebo meu segundo livro, Blecaute, primeira edição, rara, autografado “para a minha avó querida...”
Surge aquele amigo, e dá um branco? Surpreendentemente esqueci o nome, apesar do rosto familiar. Ele sorri esperando, como um sádico. Você já foi a um lançamento. As vendedoras escrevem seu nome num papelzinho, porque brancos acontecem. Tem gente que se irrita com as vendedoras: “Ele sabe meu nome!” Não pega o papelzinho. São justamente os que a gente esquece. Eu tenho um truque infalível: “Como é mesmo o seu nome completo?”
Cadê o Jango, fugiu pro Uruguai? Estou ficando alto. A letra cresce. Acho incrível rabiscar na primeira folha de um livro novinho em folha, uma pretensão escrever meu nome com letras grandes, rabiscos exagerados. Quem sou eu, afinal? Eles pagam, me entregam, e estrago com trinta. E ficam felizes com isso. Estou bêbado. Tenho que tomar cuidado, pois é quando mando abraços para as leitoras e beijos para os leitores: “Maurão, beijo, Marcelo”. Ou quando começo a autografar com a minha assinatura pessoal. Podem me passar a perna, um contrato em branco, tomarem meus bens. Cadê Jango?
Quando a fila diminui, engato uma conversa com o leitor. Para a fila voltar a crescer. Tática velha. Não vou dar chances para um cara entrar na livraria e ver um escritor numa mesinha com pilhas de livros e três gatos-pingados na fila. 
Jânio me serve outra. Aproxima-se a parte enfadonha (por isso, bebo). Porque a galera da intimidade fica pro final. Aquela que fala de meus personagens como se fossem seus melhores amigos. Que conhece de cor meus livros. Que pergunta detalhes da trama e quer me levar pro barzinho. Odeio a palavra barzinho. Eles falam assim: “E aí, já tá doidão, vamos pro barzinho com a gente, aqui só tem careta...” Mas quero mais ir pro meu hotel, jantar e dormir. Sou um careta. Meus personagens que são doidões.
Depois da galera da intimidade, tem a turma da organização, com pilhas de livros e a lista de nomes dos que não puderam comparecer e dos que trabalharam nos bastidores. Graças ao Jânio, a letra sai fácil, o pulso nem dói. E enrolo, pra galera do barzinho, que está na porta, desistir. É fácil ser escritor?


Do livro Crônicas para ler na escola.

terça-feira, 4 de novembro de 2014

Rua do terror

Minha rua é cheia de graça. Vivo nela como se fosse o céu. Alguns meninos brincam de skate nas calçadas desfiguradas. Outros jogam futebol na rua irregular. De repente um velhinho corta o silêncio com sua garganta guilhotinada, depois que um AVC trucidou-lhe a voz. Ninguém dá a mínima para os instantes de terror. Só ele descobriu, tarde demais, que logo vai morrer.
Mas não consigo deixar de pensar nesses momentos doidos, da gurizada com toda a vida pela frente, e dos velhos em contagem regressiva, algemados à solidão.
O velhinho protesta a todo vapor o seu delírio. Mais lúcido do que nunca, uiva com seus sons do outro mundo, embora a indiferença dos meninos.
Ele só quer espantar a morte, que não está nem aí.
A sacana que se deixa notar no obituário do jornal.
No ar solene da sala, que aguarda o velório, na capela funerária.
Nas mais recentes covas abertas no cemitério.
No torpor da madrugada, antes que os sabiás desçam das árvores e conquistem suas futuras namoradas, faço varreduras de poemas nos sites da internet.
Confesso, tenho suores frios quando dedico meu precioso tempo aos poemas existenciais. De tanto ler Pessoa, deixei de ser romântico e tornei-me um cético. Constato que o mundo ficou branco no preto ao saber de cor e salteado seus mais citados poemas. E já me disseram para ler coisas positivas, que alegram a vida.
De segunda a sexta divido a normalidade com meus vizinhos. Somos todos formiguinhas. Mas aos sábados e domingos ouço a música que eles me ofertam aos berros, como cigarras alucinadas fazendo cânticos e liturgias.

Dia desses tive a impressão gouche de que a música gritante das ruas mais próximas serve para abafar os terríveis gemidos do velhinho: “Não dáááaaaa... não dáááaaaa...”. Nessas horas busco estabanado os contos de Edgar Alan Poe.  O terror e o mistério são como velas acesas junto aos defuntos nos velórios. Quando o perfume da vela impregna a vida real, eu brindo com os fantasmas por estar vivo.

quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Feira do livro da Escola E. E. F. Barão do Rio Branco - Catuípe/RS




Relato das atividades literárias com a obra de Américo Piovesan -preparatórias para a III Feira Cultural da E.E.E.F. Barão do Rio Branco (Catuípe/RS). A feira do livro aconteceu nos dias 09 e 10 de outubro de 2014.

Anos Finais
8ª série
A partir da leitura da obra “Os mistérios do Porão”, de Américo Piovesan, onde conta a história do personagem Teco. Os sonhos tiram o sono do menino, ao transportá-lo à alma da história de seus antepassados e de sua comunidade, estimulando a imaginação dos educandos e a vontade de montar um porão com as caixas da antiguidade.
Os alunos foram desafiados a pesquisar com conhecidos sobre a vida no interior; foi realizada uma roda de contação de histórias onde eles relataram as vivências de pais, vizinhos e amigos e, então, surgiu a ideia de montar um porão.
Outras atividades realizadas:
Produção textual: “Os mistérios...”
Vida do autor (entrevista dada pelo autor, no blog www.tecopoetasonhador.blogspot.com –Dramatização).
Leitura e interpretação dos textos do blog: “Você tem fome de quê?”
Produção de frases e cartazes referente ao tema “A importância da leitura no nosso cotidiano”.
Leitura do livro “Canções do despertar”.
Poesias com temas diversos.
“Godofredo” –Introduzindo tema/assunto sobre redes sociais.



8º ano
 Leitura de crônicas: “Você tem fome de que?”; planejamento do projeto de leitura para o trimestre; enquete “LEMOS POUCO POR QUÊ?” Na análise de dados, concluiu-se que os três motivos mais citados foram  falta de interesse (33,9%) preguiça (23,2%)  e internet (21,4%). A seguir denominamos trabalhos literários do trimestre de “O PRAZER DA LEITURA” e os alunos sugeriram atividades, tais como contação oral dos livros lidos, cartazes, propagandas dos livros lidos, entre outros.
Na sequência, estudamos as crônicas publicadas no blog do autor, no site www.ijui.com. “Chega de Mosquear”, “Espinho de Cacto”, “Nâgetts ou Nugétes”, “Ela disse que sou mala”, “Minha cidade”, “Encantando através da escrita”, “Aventuras e Tragédias”, e os poemas “Divagar” e “Grilado”. O trabalho era em duplas. Eles deveriam ler os textos selecionados (no data show) e a seguir fazer uma análise para os colegas por escrito e oral, como se fosse uma resenha. O objetivo era repertoriar os alunos, pois eles têm dificuldades de compreensão de texto e vocabulário.
Fiz um trabalho sobre intertextualidade com eles usando o poema “Divagar”, para mostrar-lhes como poderia ser feito este trabalho com crônicas; fiz um texto e apresentei aos alunos.

7º ano
 Leitura de crônicas: “Aventuras e Tragédias” – interpretação e produção de texto “A história de minha vida” (Relato da história de vida com fotos);
Leitura dos livros: “Teco, o poeta sonhador, em: Os segredos do coração” – produção de desenhos (charges) sobre o futebol e o racismo (o fato que acontecia no momento no noticiário).
“Teco, o poeta sonhador em: Canções do Despertar”: recitação dos poemas, redação de uma carta ao escritor (corrigimos mas não enviamos, problemas técnicos LIE.);


Projeto Telejornal:
Objetivo: desenvolver a expressão oral, o raciocínio, o espírito de cooperação e socialização, a produção de textos diversos: notícias (lançamento de livro, show), manchetes, debate, propaganda, previsão do tempo, relato de experiências, entrevistas, entre outros.

Objetivos específicos:

1- Organizar informações sobre: a importância da leitura, obras, poesia, crônicas do autor Américo Piovesan – blog www.tecopoetasonhador.blogspot.com, notícias do bem;
* desenvolver a expressão oral, o raciocínio, o espírito de colaboração e socialização;
* sintetizar ideias e fatos;
* transmitir ideias com pronúncia adequada e correta;
* utilizar as mídias e a tecnologia para gravar, elaborar textos, vídeos;
* dramatizar os diversos papéis de um telejornal: apresentador, repórter, entrevistado, pessoas de destaque, artistas, moça do tempo, etc...
Passos:
Organização dos grupos;
Pesquisa e estudo do tema;
Síntese das ideias, entrevistas com professores, escritor, colegas... 
Elaboração das manchetes e matérias para o jornal;
Criação de um nome para o jornal.
OBS: Este teatro “jornalístico” foi apresentado na sexta-feira pela manhã.

Anexos

A intertextualidade nos textos do escritor Américo Piovesan

Para um observador atento das crônicas e poemas de Américo Piovesan publicados no seu blog e no jornal online www.ijui.com, constata-se o uso da estratégia do intertexto, isto é, o cruzamento de outros textos já publicados e de conhecimento de leitores mais assíduos. Imagino a paciência do autor ao ser entrevistado por jovens perguntando-lhe “o que o senhor quis dizer com tal texto”. Realmente, a interpretação não parece ser uma habilidade forte nos estudantes hoje.  Desde a ilustração que acompanha a crônica é estudada, pesquisada e sempre tem relação com o texto. E, se o leitor não tiver muitos conhecimentos através de leituras de livros, de boas músicas, de bons filmes, e de outras manifestações da arte, terá dificuldade para compreender “o que o autor quis dizer...”
Na crônica “Chega de mosquear” Piovesan, através do seguinte fato observado: um idoso sempre sentado na varanda de casa com um mata-moscas à mão, o autor passa a refletir sobre a vida. Destaca-se neste aspecto a matéria-prima de um cronista: o cotidiano, a leveza, a poesia no ponto de vista de quem sabe ver poesia nos detalhes, nas coisas que passam despercebidas para a maioria das criaturas.
Mosquear no dicionário significa não fazer nada, ficar de papo para o ar e conforme é citado o Aurélio, consequentemente significa vagabundear. Daí em diante o pensamento do escritor voa, remonta a Kafka e, de quebra, já ensina um pouco seu leitor sobre o livro “A metamorfose” (qualquer coisa a mais leia o livro ou vai no Google...) A respeito da vida, ele pensa sobre os propósitos que cada um se propõe a fazer e acaba procrastinando, “amanhã eu faço...”.
Seguindo o raciocínio, o escritor reflete sobre a relação homem X inseto, e questiona-se “até que ponto temos nos transformado em insetos”, o que é explicado logo a seguir com o  questionamento de que a classe do ser humano “homo sapiens” é um orgulho, no entanto, é paradoxal em relação ao que fazemos com o nosso planeta, por exemplo. Que hoje não pensamos no amanhã: cuidar da água e do ar, na natureza enfim. Isso sem falar no comportamento nada inteligente das pessoas no trânsito, tema abordado em outro texto “Aventuras e tragédias”.
Já no início do texto, e na figura, o autor faz uma homenagem a Raul Seixas, precursor do rock brasileiro e segue citando e interpretando versos da clássica “Mosca na sopa”. A atribuição de simbolismos à mosca é especial. Esta aí um texto que ajuda os alunos a entender o que é o sentido alegórico das palavras, sentido conotativo, ou como didaticamente é denominado o “sentido figurado”. Como é difícil de se fazer entender, fazer a abstração da palavra, não é minha gente? Por isso que é importante ler, ler e também pensar no que está lendo. Não ficar na “superfície” do texto.
E a intertextualidade não para por aí: além de fazer a relação entre o velhinho do mata-moscas com o personagem de Kafka, com a música de Raul Seixas, Piovesan também cita Mandela e o fato do momento, o drama da bióloga gaúcha Ana Paula Maciel, terminando magistralmente com Maquiavel com os conceitos de “Virtu” e “Fortuna”. Vai aprender um pouco de filosofia, artes e música lendo as crônicas de Américo Piovesan! E o autor termina seu texto genial fazendo autocrítica em comparação a tudo o que já foi publicado neste mundo de meu Deus! Posso afirmar que os textos do autor são bons que se abrem a muitos outros conhecimentos tecidos no texto, cabendo a cada leitor se virar como pode. Não é fácil viver da palavra neste mundo do dinheiro e da fama instantânea, muito menos da cultura, infelizmente.
Profª Elisete Maria Cargnelutti Dalsochio, 9 de setembro de 2014, 17:17h



TAREFA: Tendo como base um texto de Américo Piovesan, faça uma resenha literária para treinar a habilidade da escrita, da análise e interpretação de texto.
  • Digitar o texto.
  • Escrever em duplas ou individualmente.
  • Salvar no computador.
  • Após, enviar para e-mail coletivo.
Texto publicado nos jornais da cidade de Catuípe

Dê uma chance ao livro

Em uma enquete realizada entre os meus alunos, constatou-se pouca leitura de livros, atividade que deveria ser levada mais a sério pelos estudantes, na escola, com seguimento em casa. O melhor professor de Português é um bom livro, pelos tantos benefícios que a leitura habitual traz ao leitor e ao aluno. A leitura segundo Américo Piovesan, escritor que participou da III Feira Cultural na E.E.E.F. Barão do Rio Branco, (em 9 e 10 de outubro) “não nega a realidade que nos cerca, mas a enriquece, traz outras possibilidades para o olhar. Nosso ganho é insubstituível: amplia nossa imaginação, criatividade, nossas possibilidades de compreender e mudar a realidade, de encontrarmos saídas nas horas difíceis.” “...As crianças de hoje serão os pais de amanhã, então, tendo eles passado pela experiência da leitura, influenciarão as futuras gerações, e isso vai ser fundamental para termos uma sociedade mais instruída e eticamente melhor.”
Ocorre que a maioria dos adolescentes não se interessa pela leitura. A preguiça, a facilidade de conexão tecnológica, entre outros motivos, tomam muito tempo do jovem. É um prejuízo causado à aprendizagem, e que leva um bom tempo para ser revertido. Poucos tiram mais do que meia hora do tempo disponível para a leitura e ainda consideram um “grande sacrifício.” Esta impaciência para o ato de ler que exige o pensar, a concentração, faz com que os alunos tenham dificuldades nos estudos em geral. Há pouca persistência para ler um texto, sintetizá-lo, entender o enunciado de um problema matemático para resolvê-lo com precisão, por exemplo. Dessa forma em todas as disciplinas haverá prejuízos.
Ler demanda esforço mental, algo que não é necessário para navegar pelas redes sociais, jogar bola, jogos eletrônicos ou ficar “mosqueando” por aí. Essa é a verdade: a grande maioria não lê (às vezes nem na escola!) por incapacidade de autoconcentrar-se em aula. Há muita dispersão, conversinhas que impossibilitam a percepção do conteúdo; então passa a ser quase impossível encaminhar os alunos a uma dedução mais complexa ou abstrata de um conteúdo, de um texto.
A realidade é essa e traz muitas inquietações. Pensa-se na metodologia. Certamente como a maneira de apresentar os conhecimentos influi para um maior envolvimento, motivação do aluno. Essa é uma preocupação constante nossa como professores. E podem ter certeza que buscamos diversificar nossas aulas, estamos sempre em busca de algo atrativo, desafiador, encantador para os adolescentes “quererem” aprender.
Voltando à questão da leitura, penso que deveria ser mais cobrada em casa. Vale a pena dedicar um tempo para conversar com o filho/neto sobre o livro que tem em mãos, se o está lendo ou está guardado inerte entre o material escolar. Pais e responsáveis, leiam um trecho do livro junto de seu filho/neto, estimulando-o a ler. Se o livro for bom, interessante, este vai conquistar o leitor que não o largará tão cedo. A Escola Barão e seus professores desenvolvem vários projetos de leitura, fizemos a nossa parte, pois sabemos da relevância da leitura diária para as crianças e adolescentes, de dar uma “chance ao livro”, como bem explica o escritor Américo Piovesan, quando diz que atualmente há “uma certa crise de reflexão e, junto, uma crise de valores ético-morais. E isso, certamente, tem a ver com a falta de leitura, porque a literatura faz-nos vivenciar e alcançar esses valores universais, imprescindíveis para o convívio social. A literatura também ajuda a fazer um contraponto ao mundo virtual de hoje.”
Elisete Maria Cargnelutti Dalsochio, professora

Anos iniciais

A partir do livro “Teco, o poeta sonhador, em: segredos do coração”, os professores dos Anos Iniciais trabalharam a história na época da Copa do Mundo. Os alunos leram, recitaram e ilustraram poesias. Após fizeram dobraduras das camisetas de seus times do coração. Foi montado um painel para a exposição na Feira Cultural da Escola. Inspirado nesta história foi realizada uma tarde de atividades de integração com brincadeiras e desfile das turmas, que vieram com as camisetas dos seus times do coração.



Relato do trabalho da professora e alunos do 5º ano

A professora fez contação da história "Os mistérios do Porão", em forma de slides.Os alunos iam lendo para os demais e comentavam sobre os objetos antigos que conheciam ou que seus familiares tinham nos seus "porões". A partir das ideias dos alunos surgiu a inspiração de montar um porão com esses objetos, aproveitando o local abaixo da escada, imitando um porão . As crianças começaram a "garimpar" os objetos para compor o porão e assim iam ouvindo várias histórias de avós, pais, vizinhos, tios... Com os objetos em mãos montamos o porão tentando deixá-lo o mais real possível, para isso nos inspiramos na riqueza de  detalhes que o livro descreve, que de tão real é impossível não imaginá-lo, sem contar que os alunos sentiram-se protagonistas da história.




terça-feira, 21 de outubro de 2014

Bando de escrotos


O texto a seguir é a reprodução do bilhete-desabafo escrito por um adolescente que ameaçou suicidar-se. O texto é reproduzido na íntegra, para preservar sua autenticidade. Comenta-se que o autor desta carta leu meia dúzia de vezes o livro “O apanhador no campo de centeio” e que, portanto, sua atitude deve ter sido influenciada pelo mesmo.

Como são cretinos esses escrotos, bando de exibidos, punheteiros, tronchos!
Se todo mundo finge, eu finjo. Se todo mundo mente, eu minto. Não dá nenhum trabalho ser escroto. O cinismo escancarado, sem culpas, provoca meu vômito. 
Grande coisa, dizer que nos colocamos no lugar dos outros!
Tradição, família, propriedade, os que se autoproclamam do bem, ou do mal... Como sempre alopramos, pobres vítimas de um sistema injusto! 
Vou entrar na onda e dizer que não estou cagando para a cretinice de todo mundo!
Se todos querem o paraíso, basta pronunciar com toda pompa “Amém!”, “Aleluia!”, e fazer de conta que somos puros. Citar dezenas de frases surradas e colocar na boca de alguns gênios: Shakespeare, Clarisse Lispector, Manuel Bandeira, Drummond, Quintana... e espalhar por aí. 
Patéticos, dizemos que tudo isso pertence a uma força maior, o movimento harmônico do universo!
Papagaiamos que esse é o melhor dos mundos possíveis, e que amanhã seremos outros, após lermos meia dúzia de receitas de autoajuda!
Já não tem graça parecer todo certinho e, ao mesmo tempo, dançar no ritmo perverso. O que me admira é que gostamos de ser cínicos escrotos, e quando ninguém vê atropelamos quaisquer regras sociais, fazendo de conta que não temos nada com isso.
Vou fazer de conta que não há depravação no cair da noite. E que entre as quatro paredes não há ironia, deboche, depressão e suicídio! 
Vou fazer de conta que agarro a felicidade com dois litros diários de coca-cola, e que tenho a meus pés as mais lindas pequenas do pedaço!
Vou fazer de conta que sou narciso, que rende segredos, comentários, paqueras  e cochichos entre as garotas. 
Vou fingir que sou ingênuo, e que não tenho noção de pra onde tudo vai nos levar!


(TIRADAS do Teco, o poeta sonhador)

sábado, 18 de outubro de 2014

Devassa



Outdoor confuso como eu acende e apaga. Acordo e durmo com o perfume de Vanessa Devassa. Ando ébrio sem qualquer equilíbrio. É que o cheiro da Devassa confundiu meu juízo.
Vanessa passou e roubou-me a luz.
Na noite plena explode o pesadelo: a puta Madonna  metamorfoseou-se em Vanessa Madalena.

Noite cheia. Me aproximo sem ódio e rancor corrosivo. Agora eu quero preguiça e prazer. Não quero ódio nem sódio, apenas malte, cevada, trigo, milho, ócio e carinho! 
Devassa devolveu-me a luz... Acordei e estou vivo!

(Tiradas do TECO, o poeta sonhador)

quarta-feira, 15 de outubro de 2014

O pai possível - Rogério Pereira


O texto abaixo combina recursos que contextualizam o pai na sociedade atual: menos o detentor da palavra final e mais o partícipe de uma conversa; menos o herói de corpo de aço ou o provedor - afinal não é "bom para ganhar dinheiro" - e mais o homem capaz de confessar seus medos e assumir a possibilidade de enveredar pelo sonho das aventuras espaciais. O narrador perdeu ou refutou um manual ultrapassado? Não parece também querer adotar outro, mas sim inventar-se a cada dia. São atitudes compatíveis com um contexto em que a justiça dá cada vez mais a pais e mães a guarda compartilhada dos filhos (Marcella Lopes Guimarães. In: Capítulos de história: o trabalho com fontes).

E quando você, minha filha, descobrir que eu não uso capa vermelha, não sei voar, meu corpo não é de aço e, portanto, estou longe de ser infalível? Este dia chegará em breve. Num simples piscar de olhos ao melhor estilo Jeannie é um gênio, seremos outros. Talvez você não se decepcione. Talvez, no pacto que engendramos sem maior esforço, a descoberta lhe percorra o corpo em silêncio. Será assim: sem notar que a infância já lhe abandonou a agitação dos dias, você terá diante dos olhos outro homem. Serei eu, posso assegurar, teu pai, em cujo reflexo estará o bebê de rosto redondo e olhos azul imensidão. Mas aí, neste exato momento, terei de confessar: não, eu nunca fui o dublê do Clark Kent, apesar dos eternos óculos e da maneira desajeitada ao caminhar. E, quem sabe, a sombra na parede apenas descortine a esquálida figura de um cavaleiro solitário. Chegará a hora de descobrir que o nosso reino encantado tem pouquíssimos metros quadrados. E se não pagarmos água, luz e condomínio, podemos perdê-lo para outra família real. É preciso lhe contar algumas verdades.
Não, o nosso time nem sempre vence. Na verdade, quase sempre perde. Raramente, empata. Eu não inventei aquela história de que você tanto gosta. Não sou autor de nenhuma história muito original. Todas são apenas um mosaico, um recorte, um apanhado torto das leituras que me acompanham. Não, eu nunca li aquele livro com mais de mil páginas que fica na sala. Um dia, te explico por que ele ainda segue ali. Tampouco, sei de cor os versos de Pessoa. Acho que não sei nenhum verso de cor. Minha memória, você descobrirá, é péssima — um queijo catarinense de quinta categoria. Eu nunca marquei um gol inesquecível. Fiz, confesso, meia dúzia de gols bem sem-graça. Quando chego em casa às terças-feiras à noite, trago na ponta da língua a resposta: “Vencemos; fiz dois gols”. E você apenas sorri, conivente em excesso com as minhas ficções suburbanas.
Não dei voltas ao redor do mundo. Nunca vi um leão de perto. Não conheço elefantes. Não cruzei os mares atrás de baleias gigantes. Jamais escalei uma montanha de gelo e, tampouco, no topo coloquei uma bandeira minúscula. Todas as nossas aventuras estão aprisionadas naquela coleção de capa colorida em seu quarto. Não sei muito bem o que diz aquele livro sobre sereias escrito em inglês, que você sempre me pede para ler. Sou péssimo em inglês. Não sei nada a respeito das orações subordinadas substantivas. Vivo com dúvidas sobre crase. Sempre consulto o dicionário antes de escrever a palavra “incógnita”. Tenho medo de ficar cego. Mas não me importo com a surdez. Na infância, tinha medo de escuro e poeira embaixo da cama. Agora, só tenho medo de escuro. E de altura. E de cores primárias. E de escada-rolante. E de rinocerontes na esquina. E de prego enferrujado. E de médico de plantão. E de…
Também não sou muito bom para ganhar dinheiro, fazer muitos amigos e ser famoso. Nunca inventei nenhuma receita gastronômica. Todos os poucos pratos que elaboro saem de um livrinho de bolso que escondo na última gaveta da pia da cozinha. Quando dão certo, bendigo a minha imensa capacidade criativa. Quando desandam, amaldiçôo a péssima edição que me guia diante das panelas. Tudo em silêncio, distante do teu olhar atento.
Mas é na distância que me entristeço, envelheço, choro. E, em breve, quando você me encontrar, descobrirá um atrapalhado super-herói, cujo manual de uso perdeu-se na longa viagem intergaláctica até aqui.
É jornalista e escritor. Em 2000, fundou o Rascunho. Vive em Curitiba (PR).

segunda-feira, 29 de setembro de 2014

Ser Nêne


Ser Nêne é não ter desconfiômetro, e circular por aí com o som do carro a todo volume.
Dirigir e conversar no celular, esquecer de usar o pisca-pisca, posicionar-se no meio da pista, obstruir todos os espaços da rua.
Ser Nêne é dizer que todo político é corrupto, e que por isso vai votar em branco, mas quando ninguém está olhando cruza o sinal vermelho, joga o lixo no chão, fura fila e nem fica vermelho.
Ser Nêne é falar bem alto no celular, mesmo nos espaços públicos.
Ser Nêne é dizer “não gosto de tal livro e de tal autor” sem nunca ter lido uma página sequer.
Ser Nêne é não saber usar algumas expressões básicas de convívio, tais como “por favor”, “muito obrigado”, “desculpe” e “com licença”.
Ser Nêne é fazer as coisas com maldade, arrogância e segundas intenções.
Ser Nêne é cantar os pneus, dirigir em alta velocidade no perímetro urbano.
Ser Nêne é...

Você tem razão, amigo. Eu não devia pegar tão pesado com os nênes. Até porque ser Nêne virou regra, em vez de exceção.
Sim, existem nênes simpáticos até, uma mistura de ingenuidade com cegueira.
Eu conheço um Nêne engraçado. Sua dose de má-criação, talvez, deve-se ao fato de ter nascido prematuro, ou fora de época. Quem sabe em outro século poderia ter sido pacato cidadão normal.
Desde criança ninguém podou suas asas. Não o incentivou a se instruir mais, e exercitar sua autonomia.
Então, quem é o culpado quando ele faz suas cagadas?
Vocês sabem... O que pode fazer um Nêne diante dos perigos deste mundo?
Ser Nêne hoje é uma válvula de escape, se defender para sobreviver...

Pior... Não tem como fugir. O clima mal esquentou e os nênes proliferam por aí como mosquito da dengue.

domingo, 28 de setembro de 2014

O assalto - Mia Couto


A atualidade do conto a seguir tem a ver com a atualidade do seu tema: pouco conversamos com os outros. Principalmente com pessoas de terceira, quarta idades. O personagem reage com pavor pelo fato de ter sua vida posta em risco diante de um assalto. Mas fica surpreso quando vê que o assaltante reivindica algo diferente (no seu "roubo"): ele assalta em nome de uma conversa. E mais surpreendente ainda é que, em vez de falar, ele quer ouvir histórias de sua vítima...


Uns desses dias fui assaltado. Foi num virar de esquina, num desses becos onde o escuro se aferrolha com chave preta. Nem decifrei o vulto: só vi, em rebrilho fugaz, a arma em sua mão. Já eu pensava fora do pensamento: eis-me! A pistola foi-me justaposta no peito, a mostrar-me que a morte é um cão que obedece antes mesmo de se lhe ter assobiado. 
Tudo se embrulhava em apuros e eu fazia contas à vida. O medo é uma faca que corta com o cabo e não com a lâmina. A gente empunha a faca e, quanto maior a força de pulso, mais nos cortamos.

— Para trás!Obedeci à ordem, tropeçando até me estancar de encontro à parede. O gelo endovenoso, o coração em cristal: eu estava na ante-câmara, à espera de um simples estalido. Cumpria os mandamentos do assaltante, tudo mecanicamente. E mais parvalhado que o cuco do relógio. O que fazer? Contra-atacar? Arriscar tudo e, assim sem mais nem nada, atirar a vida para trás das costas?
Diga qualquer coisa.
— Qualquer coisa?
— Me conte quem é. Você quem é?

Medi as palavras. Quanto mais falasse e menos dissesse melhor seria. O maltrapilho estava ali para tirar os nabos e a púcara. Melhor receita seria o cauteloso silêncio. Temos medo do que não entendemos. Isso todos sabemos. Mas, no caso, o meu medo era pior: eu temia por entender. O serviço do terror é esse — tornar irracional aquilo que não podemos subjugar.
Vá falando.
— Falando?

— Sim, conte lá coisas. Depois, sou eu. A seguir é a minha vez.
Depois era a vez dele? Mas para fazer o quê? Certamente, para me executar a sangue esfriado, pistolando-me à queima-roupa. Naquele momento, vindo de não sei onde, circulou por ali um furtivo raio de luz, coisa pouca, mais para antever que para ver. O fulano baixou o rosto, e voltou a pistola em ameaça.

Você brinca e eu …
Não concluiu ameça. Uma tosse de gruta lhe tomou a voz. Baixou, numa fracção, a arma enquanto se desenvencilhava do catarro. Por momento, ele surgiu-me indefeso, tão frágil que seria deselegância minha me aproveitar do momento. Notei que tirava um lenço e se compunha, quase ignorando minha presença.

— Vá, vamos mais para lá.

Eu recuei mais uns passos. O medo dera lugar à inquietação. Quem seria aquele meliante? Um desses que se tornam ladrões por motivo de fraqueza maior? Ou um que a vida empurrara para os descaminhos? Diga-se de passagem que, no momento, pouco me importavam as possíveis bondades do criminoso. Afinal, é do podre que a terra se alimenta. E em crise existencial, até o lobisomem duvida: será que existe o cão fora da meia-noite?
Fomos andando para os arredores de uma iluminação. Foi quando me apercebi que era um velho. Um mestiço, até sem má aparência. Mas era um da quarta idade, cabelo todo branco. Não parecia um pobre. Ou se fosse era desses pobres já fora de moda, desses de quando o mundo tinha a nossa idade. No meu tempo de menino tínhamos pena dos pobres. Eles cabiam naquele lugarzinho menor, carentes de tudo, mas sem perder humanidade. Os meus filhos, hoje, têm medo dos pobres. A pobreza converteu-se num lugar monstruoso. Queremos que os pobres fiquem longe, fronteirados no seu território. Mas este não era um miserável emergido desses infernos. Foi quando, cansado, perguntei:

— O que quer de mim?— Eu quero conversar.— Conversar?— Sim, apenas isso, conversar. É que, agora, com esta minha idade, já ninguém me conversa.
Então, isso? Simplesmente, um palavreado? Sim, era só esse o móbil do crime. O homem recorria ao assalto de arma de fogo para roubar instantes, uma frestinha de atenção. Se ninguém lhe dava a cortesia de um reparo ele obteria esse direito nem que fosse a tiro de pistola. Não podia era perder sua última humanidade — o direito de encontrar os outros, olhos em olhos, alma revelando-se em outro rosto.

E me sentei, sem hora nem gasto. Ali no beco escuro lhe contei vida, em cores e mentiras. No fim, já quase ele adormecera em minhas histórias eu me despedi em requerimento: que, em próximo encontro, se dispensaria a pistola. De bom agrado, nos sentaríamos ambos num bom banco de jardim. Ao que o velho, pronto, ripostou:

Não faça isso. Me deixe assaltar o senhor. Assim, me dá mais gosto.

E se converteu, assim: desde então, sou vítima de assalto, já sem sombra de medo. É assalto sem sobressalto. Me conformei, e é como quem leva a passear o cão que já faleceu. Afinal, no crime como no amor: a gente só sabe que encontra a pessoa certa depois de encontrarmos as que são certas para outros.

quinta-feira, 25 de setembro de 2014

À beira-mar - stanislaw Ponte Preta

Por que será que tem gente que vive se metendo com o que os outros estão fazendo? Pode haver coisa mais ingênua do que um menininho brincando com areia, na beira da praia? Não pode, né? Pois estávamos nós deitados a doirar a pele para endoidar mulher, sob o sol de Copacabana, em decúbito ventral (não o sol, mas nós) a ler “Maravilhas da Biologia”, do coleguinha cientista Benedict Knox Ston, quando um camarada se meteu com uma criança, que brincava com a areia.
Interrompemos a leitura para ouvir a conversa. O menininho já estava com um balde desses de matéria plástica cheio de areia, quando o sujeito intrometido chegou e perguntou o que é que o menininho ia fazer com aquela areia.
O menininho fungou, o que é muito natural, pois todo menininho que vai na praia funga, e explicou pro cara que ia jogar a areia num casal que estava numa barraca lá adiante. E apontou para a barraca.
Nós olhamos, assim como olhou o cara que perguntava ao menininho. Lá, na barraca distante, a gente só conseguia ver pares de pernas ao sol. O resto estava escondido pela sombra, por trás da barraca. Eram dois pares, dizíamos, um de pernas femininas, o que se notava pela graça da linha, e outro masculino, o que se notava pela abundante vegetação capilar, se nos permitem o termo.
― Eu vou jogar a areia naquele casal por causa de que eles estão se abraçando e se beijando-se muito – explicou o menininho, dando outra fungada.
O intrometido sorriu complacente e veio com lição de moral.
― Não faça isso, meu filho – disse ele (e depois viemos a saber que o menino era seu vizinho de apartamento). Passou a mão pela cabeça do garotinho e prosseguiu: ― Deixe o casal em paz. Você ainda é pequeno e não entende dessas coisas, mas é muito feio ir jogar areia em cima dos outros.
O menininho olhou pro cara muito espantado e ainda insistiu:
― Deixa eu jogar neles.
O camarada fez menção de lhe tirar o balde da mão e foi mais incisivo:
―Não senhor. Deixe o casal namorar em paz. Não vai jogar areia não.
O menininho então deixou que ele esvaziasse o balde e disse: ―Tá certo. Eu só ia jogar areia neles por causa do senhor.
― Por minha causa? Estranhou o chato. ― Mas que casal é aquele?
― O homem eu não sei – respondeu o menininho. ― Mas a mulher é a sua.

Preta, Stanislasw Ponte. O gol do padre & outras crônicas. Ática: 1997.

segunda-feira, 15 de setembro de 2014

"Taca-lhe fogo no CTG, Marcos véio!"


Quem assiste o comercial da cerveja Polar, fazendo um tributo à Revolução Farroupilha, não deixa de levar um susto. Tendo como garoto propaganda o Peninha (Eduardo Bueno), chamado de “o maior historiador do mundo”, o comercial pretende fazer um “revisionismo histórico”, afirmando taxativamente que o RS venceu o Brasil – “deu de relho” na revolução.
A novidade da Polar é fazer diferente de outras marcas de cerveja. Não vende um mundo dos sonhos, ilusório, de juventude e beleza, etc. e tal. Ao escolher o tema da nossa tradição histórica, nos obriga a pensar sobre a mesma – e rever nossas certezas. Além do mais, aborda o tema usando um recurso retórico que herdamos da filosofia grega: a IRONIA.
Segundo o Aurelião, ironia vem do grego e significa “interrogação”. E também “modo de exprimir-se que consiste em dizer o contrário daquilo que se está pensando ou sentindo”.
Esta é a ironia do personagem, o “maior historiador do mundo”. Disse o Peninha, numa entrevista ao jornal Zero Hora de 7/09/2014, ao ser perguntado sobre a propaganda que ele protagoniza para a mais bairrista marca de cerveja do RS: “Será exagerado, histriônico e debochado... como eu mesmo (risos). Sempre achei sensacional a ideia de ironizar essa certeza tão gaúcha de que somos os maiores e os melhores em tudo – que, aliás, eventualmente parece ser levada a sério por certos segmentos da mídia...”.
É óbvio que Peninha faz o comercial com o objetivo de ganhar fama e dinheiro, segundo as leis do mercado. Mas também nos obriga a pensar nossa mania de grandeza. Toca nos temas significativos da cultura, de forma exagerada, levando-nos à dúvida, estranhamento e ao questionamento: “O que será que ele quis dizer?” “Será que esse historiador pensa exatamente assim sobre a nossa história?”
Nas mensagens habituais da publicidade quase todas as mães são loiras, as famílias são felizes, nosso carro representa nosso poder, físico e sexual... Enfim, “você é o que consome”.
Ao abordar o tema da Revolução, e a dúvida/certeza sobre quem venceu, o comercial da Polar não traz uma verdade (como de início aparenta). Provoca sim o exercício de pensamento a respeito de nossa história, além de bagunçar nossas verdades a esse respeito. Neste sentido se aproxima da ironia do filósofo grego Sócrates – o qual dizia que pouco ou nada sabia, e perguntava aos outros o que eles sabiam, os quais,  à medida que opinavam, iam tomando consciência dos limites do seu saber.
Ora, considero isso mais sensato do que termos uma verdade petrificada, um dogma, e sairmos “tocando fogo” em quem discorda de nossa opinião.
Vivemos um momento histórico repleto de ironias. O problema não são as ironias em si. O problema está na dificuldade que a maioria de nós temos para compreendê-las. Certamente que, se ficarmos no senso comum, sem buscarmos um senso crítico e o bom senso, nossa opinião permanecerá limitadíssima.
Será que os pilares em que fundamos a tradição gaúcha não estão com algumas (ou muitas) rachaduras? Aí, diante da insegurança de que venham a desmoronar, em vez de fazermos um esforço reflexivo, apelamos à violência, chamamos o “Marcos véio” para que vá lá e termine de vez com o debate, “tacando fogo no CTG”.
Os pilares de nossa tradição não foram feitos ao acaso. Foram construídos com nossa narrativa histórica. Fazemos escolhas quando edificamos nossa tradição. Escolhemos contar a história de vencedores ou de vencidos. Ou podemos dizer que em nossa tradição só houve vencedores, inclusive os índios, os negros e, até, o “gáucho”.
Qual o problema de hoje perguntarmos: “Será que foi bem assim, como diz Fulano? Mas qual é o interesse dele pra contar a história dessa forma?”.
E os pilares que sustentam nossa mania de grandeza, até quando se sustentam? Aliás, aqui cabe uma pergunta anterior: “Nós gaúchos temos de fato mania de grandeza?”.


De seu jeito polêmico e debochado, o “maior historiador do mundo” contribui, a meu ver, para dar uma balançada em algumas de nossas convicções. Acho isso ótimo, até porque descobri que pensar dói coisa nenhuma! 

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...