quinta-feira, 16 de janeiro de 2014

Pais e turistas - Maria de nazareth Agra Hassen



“Detesto férias, porque não se sabe o que fazer com as crianças.” Não foi a primeira vez que escutei essa frase, dita por pessoas que aparentemente renunciaram a ser aquilo que um dia escolheram ser: pais. Enquanto os filhos anseiam pelo período de descanso escolar, os pais se veem perdidos porque não sabem ser companhia para os filhos ou não sabem onde deixá-los, e as crianças ficam sem endereço, estranhas indesejadas na própria casa.
Nos anos 80, quando estava no nível médio, uma colega um dia reconheceu: “Só passei dois anos da minha vida sem ser em escola”. Na época, foi uma surpresa que nos assustou. Hoje, esse número se reduziu a dois ou três meses.
Depois de nascidas, as crianças seguiram um caminho que, nos últimos tempos, foi-se naturalizando. Em meio ao período da amamentação, lá estavam elas sendo conduzidas para creches, das quais com o passar dos anos pularam para escolinhas até desembarcarem em escolas, essas instituições que, para desespero dos pais, inventaram dois meses ou mais de recesso.
Creche alguma é boa, a menos que comparada com outra creche, mas jamais deveria ser considerada melhor do que a casa. Há crianças órfãs, há crianças abandonadas, há famílias sem qualquer condição de acompanhar e cuidar dos filhos na própria casa. Mas há famílias que teriam todas as condições para isso, mas aceitaram o marketing da creche, das escolinhas e da discutível tese de que a socialização deve começar desde cedo, unida espertamente à outra tese segundo a qual a qualidade da convivência compensa a quantidade. O que é preciso saber é que isso terá consequências. As crianças não se tornarão piores, muitas não adoecerão nem se mostrarão abatidas e deprimidas.
No outro extremo da vida, os idosos viverão o mesmo problema: serem levados a viver com estranhos, num endereço que não é o seu, sob cuidado de especialistas. Mais uma vez, há casos em que isso se faz realmente necessário, mas não é, por certo, o caso de todos os idosos asilados.
Cabe uma comparação com os sistemas de defesa de que todos desfrutamos. Se nos alimentamos mal, com exageros, com toxinas, não necessariamente adoeceremos, mas obrigatoriamente faremos nosso sistema imunológico trabalhar mais e de forma mais árdua, com preços que um dia talvez nos sejam cobrados. O mesmo se dá com o psiquismo.
A necessidade de ficar na própria casa é legítima demais para ser compreendida como birra. Não se defende que as crianças não sejam contrariadas. Ao contrário, elas devem conhecer o sentimento de frustração para aprender a lidar com a vida real. Alguns desejos das crianças, porém, precisam ser escutados porque eles brotam de necessidades estruturais. Ser acordada no frio do inverno para ser levada para fora de casa, ter uma existência de superexposição, em que não decide o que fazer no minuto seguinte, submetida a programações diárias não criadas por ela nem em combinação com ela não é a melhor maneira de se iniciar no mundo com saúde mental e alegria. Quando muito, é um recurso que oferecem as instituições para resolver um problema das famílias que não deveria ser um problema da criança. Nesse contexto, são bem-vindas as ternas advertências presentes no livro A Criança Terceirizada (Papirus), do médico pediatra José Martins Filho (ex-reitor e professor de pediatria da Unicamp), quando diz que não se pode priorizar o trabalho em detrimento das crianças.
No lugar de terceirizar os filhos, os pais poderiam experimentar ouvir as crianças, naturalmente não fazendo a escuta literal, mas sabendo, de um lado, interpretar suas ânsias por consumo, seus desejos de tecnologia, enfim, de gratificações a curto prazo e, de outro, observando os sinais físicos, como adoecimentos, sobrepesos, alergias. São incontáveis as formas pelas quais as crianças tentam mostrar quando não estão bem, mesmo que incapazes de verbalizar. É preciso que alguém se disponha a prestar atenção nelas.
Quando os pais não sabem o que fazer com as crianças, já que, como turistas retornam à casa, identificamos um grave sintoma de que essa geração perdeu até mesmo as formas intuitivas de criar os filhos.


Doutora em Educação - UFRGS

sexta-feira, 3 de janeiro de 2014

Por que a ida a Alto da União?



Cada vez mais, desde crianças, nos fazem alongar o passo. E, muitas vezes, não estamos preparados para vencer os obstáculos. Junto com os outros, fica muito mais fácil...
A vida é um constante caminhar.  Lugar comum, é certo, inclusive a constatação de que, nem sempre, sabemos o roteiro correto.
Caminhar (e conversar) com os outros ilumina os caminhos. Muito mais nos labirintos.
Caminhar é prazer, lazer ou algo mais precioso.
Oportunidade de se aproximar dos que estão distantes. E mostrar a que se veio. E de aflorarem as qualidades de cada um. Na caminhada que fizemos, surgiu o preocupado com a logística, consciente do passo a passo, o material (humano e etílico) de apoio. O casal de amigos, de carro, a garantia de não passarmos sede, e de aliviarmos o peso, caso fosse necessário. Tivemos também o “batedor”, o que puxou a frente e ditou o ritmo. Contribuiu o “professor”, com seu relato de como costuma fazer caminhadas diárias, a disposição de ganhar a avenida antes do sol chegar, e o prazer que isto lhe traz. Outros, deslumbrados, permitiram que a paisagem invadisse suas retinas. Prédios, jardins bem ou mal cuidados, animais em terrenos baldios, o lixo esquecido num barranco da estrada.
Enquanto na cidade não sabemos o que fazer com os prédios antigos e suas arquiteturas e histórias, no interior também não sabemos fazer algo criativo, diferente, como, por exemplo, o chamado eco-turismo – não falo apenas de Alto da União. Poderia falar da Usina Velha, da Colônia Santo Antônio, etc., etc.
Esta pergunta é fatal: qual o sentido de reunir um grupo de amigos, num final de ano escaldante, e rumar pela estrada até um distrito dos mais antigos do município? São várias as respostas. Mas não tem a ver com o que tanto se fala, hoje, da prática de esportes radicais, que têm amplo espaço na mídia. Da mesma maneira, com a pressão para que superemos limites.
 Como em tudo na vida, caminhar segue um roteiro. Tanto melhor se estivermos organizados, antecipando possíveis obstáculos. 
Disse um amigo filósofo: "Conheça o teu corpo". Pensei, faz sentido. Ainda mais com a idade correndo estabanada. A dor no menisco do joelho, a hérnia de disco, a unha encravada...
Uns enfrentaram a estrada com maior precaução. Mochilas às costas, com água, frutas, pomadas para possíveis contusões e torções, protetor solar, repelente de mosquito... Alguns tomaram emprestadas as mochilas de seus filhos; outros se livraram do peso líquido e certo, que foi o medo antecipado de percorrer um longo caminho.
Em certos lugares, ainda na cidade, curiosos e conhecidos fotografaram e postaram nas redes sociais, alguns dos velhos e solitários caminhantes – e comentaram, dizendo que parecíamos hippies do século XXI. Vá entender.
Numa caminhada de uns 15 km, as distrações permitidas pelas conversas animadas, a paisagem diversificada e paradoxal ao longo do caminho, foram motivos que facilitaram chegarmos mais tranquilos. Aconteceu. Um dos amigos nos surpreendeu ao usar uma espécie de cajado, seu braço direito no início da caminhada. E a surpresa foi ainda maior quando, perto do final, ele se libertou da “muleta”.  Re-conheceu seu corpo?
Uma caminhada de final de ano não deixa de ser uma metáfora do que fizemos ou deixamos de fazer nos 365 dias que se passaram.
O registro da caminhada, além da máquina fotográfica do professor de história, foi feito também pela "objetiva" dos nossos olhares. Olhar muitas vezes espantado com a geografia - a mudança e ocupação do espaço pelo homem, sua luta poucas vezes amigável com a natureza.
Quando chegamos no armazém do 'Seu Dambrós', alguns estavam ansiosos para saber se havia cerveja gelada suficiente para desfrutarmos, após longo percurso. Havia também a curiosidade de conhecer o lugar onde seríamos recepcionados. A organização da casa, o prato ofertado, os anfitriões, as novas amizades.
Diante do armazém, que serve à comunidade desde as primeiras décadas do século XX, as lembranças de um dos amigos foram reavivadas: ele nasceu e cresceu junto ao armazém de seus avós e seus pais, na cidade de Ijuí...
Ir de um lugar para o outro, com amigos, é prato cheio para levantar boatos. Ouvir algumas histórias. Nunca ter ido ao Distrito de Alto da União, ter nascido e crescido noutro lugar, não impede de perguntar:
Que história é essa de que o Distrito anda meio “perdido”, sem identidade, entre os municípios de Ijuí e Cruz Alta? Em que a ferrovia contribuiu no passado, se comparado aos dias atuais? Que história é essa da destruição da figueira? Onde, quando, como? Quer dizer que houve um “Romeu&Julieta” em Alto da União? E a Coluna Prestes, passou mesmo por lá? Que história é essa do “Poço dos degolados”?
A alegria dos encontros, os abraços, a música que ressoou, depois de turbinarmos a memória e inflado os pulmões. A decoração do ambiente, os objetos antigos nas paredes... Claro! Os que ali moram têm um forte laço com sua história, a preocupação em não perder de vista o que foram, desde sua infância, nem o que seus pais e avós construíram. As ferramentas usadas para domar a floresta e edificar casas e lares.
Fomos muito bem recepcionados e, todos, todos pudemos falar.
Música, comida, bebida, e as palavras trocadas. Amizades em-caminhadas.
Perguntar “por que vocês caminham?” faz tão pouco sentido como perguntar “por que vocês conversam?”.
O que mais importa é o fruir destes momentos. Movimentar-se. Pôr-se a caminho. Encontrar-se com os outros. Nos reencontrarmos...

quinta-feira, 19 de dezembro de 2013

Rodolfo volta pra casa




“Que pode uma criatura senão,
entre criaturas, amar?
Amar e esquecer,
amar e malamar,
amar, desamar, amar?
Sempre, e até de olhos vidrados, amar?” (Carlos Drummond de Andrade).
Dona Fabi abriu as portas e janelas do coração e permitiu que Rodolfo voltasse. Hipersensíveis, as mulheres são poetas. Como Drummond. Sem vaidade e arrogância, preocupado com os outros, o poeta entende as mulheres mais do que ninguém.
Na hora da raiva e do ódio, vamos ouvir música, sentir o cheiro das frutas, olhar a chuva e a luz do sol. Eis o conselho do poeta.
Depois de ser expulso de casa, Rodolfo sentiu-se um “nada”. Sofreu o remorso pelo que fez. Impossível não lembrar de “José”:
“... A festa acabou / a luz apagou / o povo sumiu / a noite esfriou (...)”. E agora, Rodolfo? “... Está sem mulher, / está sem discurso, /está sem carinho, / já não pode beber, / já não pode fumar, / cuspir já não pode, / a noite esfriou...”.
Há milhares de anos homens e mulheres convivem. Continuam se achando feitos um para o outro e, ao mesmo tempo, continuam estranhos um ao outro. Se existe guerra entre eles, é a única “em que homens e mulheres dormem regularmente com o inimigo”, disse Quentin Crisp.
O casamento é o ápice de uma relação? Seria mais sereno se não houvesse filhos, sogras, ex-cônjuge e, algumas vezes, um (uma) amante? Hoje, dizem que é perda de tempo preocupar-se com isso. Segundo Nelson Rodrigues, “os pactos de morte desapareceram. Ninguém mais se mata por amor”.
Distante de dona Fabi, Rodolfo sofreu. Viu o quanto equilibrava sua vida. Percebeu como a magoou. Perguntou-se também se tinha aqueles péssimos hábitos que são a queixa generalizada das mulheres a respeito dos homens: esquecer a pasta de dentes sem a tampa, o xampu aberto após o uso,  a toalha molhada sobre a cama, a tampa da privada erguida...
Sozinha, Dona Fabi engoliu a crueza da afirmação de Henri Jeanson: “ A vida não é um conto de fadas. É um conto de fatos”. Perguntava-se: “Onde foi que eu errei?”. O casamento declina, expectativas se frustram, vem a rotina... Aquele homem cavalheiro, elegante, carinhoso, se afastou. A esse propósito, afirmou certa vez o Príncipe Philp da Inglaterra: “Ultimamente, quando um indivíduo abre a porta do carro para sua mulher, ou é um carro novo ou uma mulher nova”.
A respeito do perdão e do amor, não devemos perguntar nem explicar. Simplesmente, amamos e perdoamos. Hipersensíveis, já disse, as mulheres (nem todas, claro) são poetas. Dona Fabi acolheu e perdoou seu amor porque, como diz Drummond, “Amor é dado de graça, / é semeado no vento (...) / Amor foge a dicionários / e a regulamentos vários (...). / Amor é primo da morte, / e da morte vencedor, / por mais que o matem (e matam) / a cada instante o amor”.
Neste momento frágil da relação dos meus amigos, penso nos recados e pedidos que fazemos ao Papai Noel. Em vez de pedir, vou rabiscar algumas dicas que possam arejar o frágil casamento de Rodolfo e Dona Fabi.
Por favor, amigos, sei que há uma expectativa, foram tantos e-mails, telefonemas, opiniões e versões. Mas vamos exercitar nossa sensibilidade, e dar um tempo para que o casal possa se re-conhecer.
Rodolfo, você precisa deixar sua assinatura, sua presença, no coração do seu amor. Compartilhe sua rotina, dê elogios, em vez de criticar. Depois de mais um ano de correria, o dinheiro suado para as várias contas, você precisa desacelerar. Estampar, à flor da pele, o sorriso, o bom humor, seus dedos entrelaçados às mãos de dona Fabi. Vá à cozinha, faça o prato de que ela mais gosta, tempere seu beijo com iguarias e confetes.
Dona Fabi, não pergunte, não fale em demasia, amor não se explica, amor se sente. Se você pensar demais, vai espantar o amor. Um abraço, um beijo, uma carícia, dizem muito mais do que palavras.
Nunca conhecemos o suficiente de nosso amor. A qualquer momento pode surgir uma surpresa. Então, façam uma viagem, afastem-se um pouco dos olhares de censura da comunidade...
Sei que ninguém entende de amor mais do que ninguém. Também sei que todos têm medo de amar. Talvez isso aconteça porque confundimos amor com posse. Então, amigos, dediquem-se ao amor do outro sem vê-lo como “coisa” ou propriedade.
Na vida tudo é surpresa. O amor tem seus mistérios. Como diz Guimarães Rosa, "qualquer amor já é um pouquinho de saúde, remédio contra a loucura". Rodolfo encontrou a cura, se empanturrou desse remédio. Abraça a mulher, o filho, o cão, no lar vence todas as dores, aconchego dos seus amores!

sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Do poeta para o advogado


"No meio do caminho tinha uma pedra."

Diz a notícia: 
"Uma briga entre vizinhos por causa do uso de um espaço público acabou com um veículo cimentado sobre a calçada em Belo Horizonte (MG). O inusitado caso vem chamando a atenção de curiosos que passam pelo local" (Zero Hora, 13/12/2013).
O que me chamou a atenção é que numa das partes envolvidas na discórdia está um advogado com o sobrenome Drummond.  
Fiquei a matutar: o que o grande poeta Drummond diria para o advogado Drummond?
Enquanto o Drummond advogado assina sua obra pública com um carro cimentado na calçada, em boa medida por causa da intolerância e falta de diálogo, o Drummond poeta assinou e cimentou em nosso imaginário versos do tipo: "Eta vida besta, meu Deus", e "no meio do caminho tinha uma pedra". 
Estas são expressões fortes de nossas aflições cotidianas. O poeta Drummond se relacionava com versos... que expressam seu amor, tristeza e melancolia diante do mundo e das pessoas.
Temos que avisar o Drummond advogado que o que permanece (quando morremos) não são as rusgas, o ódio, mas sim nossa obra.
Como reagiria o Drummond poeta, se estivesse vivo, ante o desfecho do caso do Drummond advogado, de ter um carro cimentado na calçada?  
Drummond poeta tinha certa dificuldade para entender o mundo. Sentia-se meio na contramão. Porém, com sua hipersensibilidade, transformava tudo em poesia, sem ter arrogância e sempre preocupado com o próximo. Em ter uma vida reta, justa... Esse grande homem, se estivesse vivo, diria para o Drummond advogado que o melhor a fazer é amar os outros. Diria também que, em vez de brigar, devia encarar a vida com humor, rindo um pouco de si e dos outros.
Diria que o mais importante são os pequenos prazeres, tais como ouvir música, sentir o cheiro das frutas... sentir-se vivo, interligado aos elementos da natureza - a chuva, o vento, o sol. Diria um Drummond sensível a um  Drummond casmurro: "Relaxe, a vida é curta, não vale a pena se ater apenas aos negócios..."

quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

Chega de mosquear!

Passei duas vezes na mesma rua em semanas diferentes e, na mesma casa, um velhinho sentado na varanda empunhava um mata-moscas. Surgiu de imediato a ideia, talvez precipitada... nestes tempos de tamanhas novidades não dá pra ficar sentado, com  "a boca escancarada cheia de dentes", mosqueando...
Posso estar me mosqueando quando penso na origem desta expressão. Diz o Aurélio que “mosquear” significa vagabundear. Meu desejo imediato, então, é o de ser um tremendo “moscão”! A vida se dilui, como a água que escorre entre os dedos, é preciso fazer aquelas coisas que sempre prometemos fazer, mas adiamos, e mosqueamos, mosqueamos... 
O velhinho do mata-moscas me faz lembrar Kafka, do livro “A metamorfose”, onde uma barata é um dos personagens. Kafka nos leva a pensar na relação entre o homem e os insetos. Principalmente, nos faz refletir sobre até que ponto temos nos transformado em insetos. Batizamo-nos homo sapiens, temos orgulho de sermos a única cabeça pensante do planeta... e, paradoxalmente, agimos de uma maneira suicida com relação à manutenção futura do nosso habitat. Estamos mosqueando demais, adiando para amanhã o que devíamos fazer hoje: cuidar da água e do ar, por exemplo.
Diz o refrão da música do Raul Seixas, “Mosca na sopa”:
“Eu sou a mosca que pousou na tua sopa / Eu sou a mosca que pousou pra lhe abusar...”
Essa mosquinha é o sujeito das ações. E não adianta detetizar, pois “nem o DDT pode assim me exterminar/porque você mata uma e vem outra em meu lugar!”. A simpática mosca representa várias coisas, por exemplo, a rebeldia, a não submissão ao poder, à ordem... Há também a ideia da proliferação: “Você mata uma e vem outro em meu lugar...”  Podemos atribuir à mosca, assim, um importante papel: o de nos provocar uma reação. Um contra-ataque. Sair da retranca, da passividade diante dos ataques dos outros ou de nossa letargia.
Quem sabe o mata-moscas do velhinho não passe de uma alegoria: usá-lo como arma para dar um basta à diluição dos valores que no passado lhe foram caros. Quem sabe, no seu imaginário, ele é um justiceiro diante da proliferação de tanta coisa ruim (na concepção dele!). Talvez, com o mata-moscas, ele se transforme num cavaleiro andante, num Dom Quixote, e sai pelo mundo, avançando entre clareiras de lucidez e loucura... Como Mandela, também deseja colocar seu nome na história, e contribuir para mudar o rumo da mesma, e ser lembrado muitas vezes mais do que seu aniversário e Dia de Finados.
Você deve estar pensando: "Pare de falar dos outros e coloque a mão na consciência!" "No que você tem contribuído à humanidade, para além de ser um moscão e barata tonta?".

Essas perguntas tem me incomodado. A bravura da bióloga gaúcha, Ana Paula Maciel, presa pelos russos quando protestava com o greempeace no mar Ártico, tem me colocado contra a parede. Essa moça, agora famosa e inspirando uma legião de defensores do meio ambiente pelo mundo todo, me faz pensar em dois conceitos cunhados por Maquiavel: "Virtu" e "Fortuna". Virtu, do grego, significa força, valor, que leva um sujeito a provocar mudanças na história. Uma pessoa "virtuosa" é aquela que tem capacidade de perceber o jogo de forças atual... e então agir. Já o conceito Fortuna vem da deusa romana "Fortuna", que representa abundância, mas é também aquela que move a roda da sorte. Daí vêm os conceitos "ocasião", "acaso", "sorte". Convém lembrar: para agir bem não devemos escapar à roda da fortuna. De qualquer maneira, de nada adianta ser virtuoso, se não soubermos ser precavidos e ousados e aproveitarmos a ocasião (acaso, sorte) das circunstâncias, observadores atentos do curso da história.
Para Maquiavel, o ideal é combinar (contrabalançar) o modo de agir individual (virtu) com as particularidades do momento histórico que vivemos (fortuna). No meu caso, levando ou não a sério meu horóscopo, a previsão de cartomantes, a palavra dos representantes de Deus e os livros de auto-ajuda (os quais vivem dizendo o que devo fazer), ando convencido de que a fortuna me abandonou. Quanto à virtu, acho que poderia cumprir um papel bem melhor. Prometo melhorar  depois do Ano Novo.

Vira-lata - Alberto martins

Passa a maior parte do dia
no quintal
entre o corredor
e a porta da cozinha.
À noite quando sai
leva debaixo do pelo
a corrente de metal.
Finge que não dói.
Às vezes escapa
pela porta entreaberta
mas sempre volta.
Esfrega no chão
o corpo diminuído
e me olha fundo
mais fundo que um irmão.

terça-feira, 3 de dezembro de 2013

Rodolfo quer voltar


Hoje, que tanto se fala dos condenados do Mensalão, e de como irão cumprir sua pena – regime fechado, aberto ou semi-aberto – vou contar o drama do meu amigo Rodolfo.
Depois de 15 anos de casado, ele foi proibido pela esposa de retornar ao lar. Então pediu-me para que interceda junto à sua amada, que o aceite de novo no lugar que juntos construíram nestes anos todos. Vamos à história.
De segunda a sábado ele sai cedo para o trabalho, e retorna à casa quando chega a noite, para o cumprimento do seu dever.
Num sábado, depois do expediente, Rodolfo encontrou alguns amigos e decidiram conversar e tomar algumas cervejas. Estendeu-se, o dia passou rápido nesse sacrilégio de ir de bar em bar. A noite avançou, novos amigos, histórias de amores, festas e aventuras, Rodolfo esqueceu-se de voltar para casa. Foi com a turma a um baile, num bairro da cidade (Vocês hão de  concordar que essa fraqueza, por si só, não deve sacudir as bases da lei e da ordem do sagrado matrimônio).
No dia seguinte, porém, na hora de colocar os fatos em panos limpos, meu amigo disse à esposa que chegou tarde porque havia sido convidado para o aniversário do filho de um amigo. Lá, o jogo de canastra invadiu a madrugada.
No baile Rodolfo ganhou um prêmio. Ele, que nunca havia ganho nada em sorteios, durante a vida toda! Um frango assado, patrocinado por uma padaria do bairro. Dada a quantidade de cerveja que lhe subiu à cabeça, Rodolfo esqueceu-se completamente do galináceo.
O baile foi um sucesso e, na segunda-feira pela manhã, uma emissora de rádio da cidade anunciou os ganhadores dos brindes sorteados. Por azar de Rodolfo, sua esposa sintonizava aquela emissora, naquele instante.
Acusado de mentiroso e infiel, e para dar uma resposta à altura dos anseios da comunidade, Dona Fabi enviou meu amigo para o exílio. Arrependido, agora ele sente falta da esposa e do filhinho, sua pátria e porto seguro...
Sensibilizado com sua história e sabendo que, apesar do deslize, Rodolfo é um bom rapaz, vou escrever algumas linhas para tentar convencer sua esposa, para que o aceite de volta.
Dona Fabi, não necessito da sabedoria de um guru para afirmar que os dias atuais são deveras perigosos.  Em cada esquina surge um anjo mau disposto a colocar minhocas em nossa cabeça, e nos levar à perdição. Vale lembrar, também, que nem Rodolfo, nem qualquer outro homem, funcionam como relógio suíço: certinhos, previsíveis, totalmente ajustáveis!
Para não ser refém do olhar machista, vou citar algumas frases ditas por mulheres, no livro “O amor de mau humor”, de Ruy Castro, com o objetivo de convencê-la a aceitar Rodolfo de volta.  
Embora madame Stael diga que “o amor é a história da vida de uma mulher; e um episódio na vida de um homem”, convém prestar atenção no conselho de Dorothy Parker: “Conserve os dedos abertos... e o amor fica. Feche-os, e ele se desprende”.
Marido é coisa séria, dona Fabi. Diz Zsa Zsa Gabor: “Maridos são como fogo: extinguem-se se não forem atiçados”. Quanto ao casamento, este nem sempre representa o paraíso. Diz Dra. Joyce Brothers: “ O casamento não se compõe apenas de uma comunhão espiritual e de abraços apaixonados; compõe-se também de três refeições por dia, lavar a louça e lembrar-se de pôr o lixo para fora”.
Por outro lado, mulheres que optam por não casar defendem-se com bom humor: “Nunca me casei porque nunca precisei. Tenho três bichinhos em casa que, juntos, perfazem um marido: um cachorro que rosna de manhã, um papagaio que fala palavrões o dia todo e um gato que volta de madrugada para casa” (Maria Corelli).
Sem querer desanimar-te nesse sonho de manter reto o teu casamento, veja o que disse Helen Rowland: “Quando uma garota se casa, está trocando a atenção de muitos homens pela desatenção de um só”.
E para dividirmos as responsabilidades a respeito das dificuldades no casamento, diz Mae West: “Nunca pergunte a um homem por onde ele andava. Se não estava fazendo nada errado, não precisa de álibi. E, se estava, a culpa é sua, minha filha.”
Tudo o que fazemos tem um custo: o custo de nossas escolhas. E essa é a eterna busca pela felicidade. “Quem não conheceu o preço da felicidade nunca será feliz” (Eugene Levtushenko). 
 Rodolfo precisa muito de você. Tanto é que veio a público, como se esta crônica fosse sua serenata e buquê de flores, para dizer-te de todo o seu amor!
Depois dos puxões de orelha, o que seu homem mais precisa é de colo. Portanto, aceite-o de volta, abra-lhe as portas e acolha-o na segurança do teu abraço! Não se sinta humilhada; parafraseando François Truffaut, saiba que, no amor, vocês mulheres são profissionais, enquanto nós, homens, somos amadores!

terça-feira, 26 de novembro de 2013

O cão e o lobo - Monteiro Lobato



Certo dia, um Lobo só pele e osso encontrou um cão gordo, forte e com o pêlo muito lustroso. Via-se bem que não passava fome. O Lobo, admirado, quis saber onde é que ele conseguia obter tanta comida.
- Se me seguires, ficarás tão forte como eu - respondeu o cão. - O homem dar-te-á restos saborosos.
- Mas o que preciso de fazer em troca? - quis saber o Lobo.
- Muito pouco, na verdade - respondeu o Cão. - Uivar aos intrusos, agradar ao dono e adular os seus amigos. Só por isto receberás carne e outras iguarias muito bem cozinhadas. De vez em quando, receberás também festas no dorso.
O Lobo ficou encantado com a ideia e meteram-se ambos ao caminho. A dada altura, o Lobo reparou que o cão tinha o pescoço esfolado.
- O que tens no pescoço? - perguntou.
- Nada de grave. É da argola com que me prendem - explicou o Cão.
- Preso? Então não podes correr quando queres? - exclamou o Lobo. - Esse é um preço demasiado elevado: não troco a minha liberdade por toda a comida do mundo.
Dito isto, desatou a correr o mais depressa que pode para bem longe dali.

sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Televisão para dois - Fernando Sabino




Ao chegar ele via uma luz que se coava por baixo da porta para o corredor às escuras. Era enfiar a chave na fechadura e a luz se apagava. Na sala, punha a mão na televisão, só para se certificar: quente, como desconfiava. Ás vezes ainda pressentia movimento na cozinha:
    
       - Etelvina, é você ?
    
       A preta aparecia, esfregando os olhos:
    
       - Ouvi o senhor chegar... Quer um cafezinho ?

       Um dia ele abriu o jogo:

      - Se você quiser ver televisão quando eu não estou em casa, pode ver à vontade.

      - Não precisa não , doutor. Não gosto de televisão.

      - E eu muito menos.

       Solteirão, morando sozinho, pouco parava em casa. A pobre da cozinheira metida lá no seu quarto o dia inteiro, sozinha também, sem ter muito que fazer...

       Mas a verdade é que ele curtia o seu futebolzinho aos domingos, o noticiário todas as noites e mesmo um ou outro capítulo da novela, “ só para fazer sono”, como costumava dizer:

       - Tenho horror de televisão.
    
       Um dia Etelvina acabou concordando:

       - Já que o senhor não se incomoda...

       Não sabia que ia se arrepender tão cedo: ao chegar da rua, a luz azulada sob a porta já não se apagava quando introduzida a chave na fechadura. A princípio ela ainda se erguia da ponta do sofá onde ousava se sentar erecta:

       - Quer que eu desligue, doutor?

       Com o tempo, ela foi deixando de se incomodar quando o patrão entrava , mal percebia a sua chegada. E ele ia se refugiar no quarto, a que se reduzira seu espaço útil dentro de casa. Se precisava vir até a sala para apanhar um livro, mal ousava acender a luz:

       - Com licença...

       Nem ao menos tinha mais liberdade de circular pelo apartamento em trajes menores, que era o que lhe restara de comodidade, na solidão em que vivia: a cozinheira lá na sala a noite toda, olhos pregados na televisão. Pouco a pouco ela se punha cada vez mais à vontade, já derreada no sofá, e se dando mesmo ao direito de só servir o jantar depois da novela das oito. Às vezes ele vinha para casa mais cedo, especialmente para ver determinado programa que lhe haviam recomendado, ficava sem jeito de estar ali olhando ao lado dela, sentados os dois como amiguinhos. Muito menos ousaria perturbá-la, mudando o canal, se o que lhe interessava estivesse sendo mostrado em outra estação.

       A solução do problema lhe surgiu um dia, quando alguém, muito espantado que ele não tivesse televisão em cores, sugeriu-lhe que comprasse uma:

       - Etelvina , pode levar essa televisão lá para o seu quarto, que hoje vai chegar outra para mim.

       - Não precisava , doutor _ disse ela, mostrando os dentes, toda feliz. Ele passou a ver tranqüilamente o que quisesse na sua sala, em cores, e o que era melhor, de cuecas_ quando não inteiramente nu, se bem o desejasse.

       Até que uma noite teve a surpresa de ver a luz por debaixo da porta, ao chegar. Nem bem entrara e já não havia ninguém na sala, como antes_ a televisão ainda quente. Foi à cozinheira a pretexto de beber um copo d’água, esticou um olho lá pra o quarto na área: a luz azulada, a preta entretida com a televisão certamente recém-ligada.

       - Não pensa que me engana, minha velha - resmungou ele.

       Aquilo se repetiu algumas vezes, antes que ele resolvesse acabar com o abuso: afinal, ela já tinha a dela, que diabo.Entrou uma noite de supetão e flagrou a cozinheira às gargalhadas com um programa humorístico.

       - Qual é, Etelvina? A sua quebrou?

       Ela não teve jeito senão confessar, com um sorriso encabulado:

       - Colorido é tão mais bonito...

       Desde então a dúvida se instalou no seu espírito: não sabe se despede a empregada, se lhe confia o novo aparelho e traz de volta para a sala o antigo, se deixa que ela assista a seu lado aos programas em cores. O que significa praticamente casar-se com ela, pois , segundo a mais nova concepção de casamento, a verdadeira felicidade conjugal consiste em ver televisão a dois.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

A primavera da lagarta - Ruth Rocha



- Grande comício na floresta! Bem no meio da clareira, debaixo da bananeira!
 Dona formiga convocou a reunião. _Isso não pode continuar!
_Não pode não! Apoiava o camaleão.
_É um desaforo. A formiga gritava. _É um desaforo!
_É mesmo. O camaleão concordava.
A joaninha que vinha chegando naquele instante perguntava: Qual é o desaforo, hein?
_É um desaforo o que a lagarta faz!
_Come tudo o que é folha! Reclamava o Louva-a-deus.
_Não há comida que chegue!
A lagartixa não concordava: _Por isso não que as senhoras formigas também comem.
_È isso mesmo! Apoiou o camaleão que vivia mudando de opinião.
_É muito diferente, depois a lagarta é uma grande preguiçosa, vive lagarteando por aí.
_Vai ver que a lagartixa é parente da lagarta. Disse o camaleão que já tinha mudado de opinião.
_Parente não! Falou a lagartixa. _É só uma coincidência de nome!
_Então não se meta!
_Abaixo a lagarta! Disse o gafanhoto. _Vamos acabar com ela!
_Vamos sim! Gritou a libélula. Ela é muito feia!
O Senhor Caracol ainda quis fazer um discurso: _É, minhas senhoras e meus senhores, como é para o bem geral e para a felicidade nacional, em meu nome e em nome de todo mundo interessado, como diria o conselheiro Furtado, quero deixar consignado que está tudo errado. Mas como o caracol era muito enrolado, ninguém prestava atenção no coitado.
Já estavam todos se preparando para caçar a lagarta.
_Abaixo a feiúra! Gritava aranha como se ela fosse muito bonita.
_Morra comilona! Exclamava o Louva-a-deus como se ele não fosse comilão também.
_Vamos acabar com a preguiçosa! Berrava a cigarra esquecendo a sua fama de boa vida.
E lá se foram eles, cantando e marchando:
_Um, dois, feijão com arroz, três, quatro, feijão no prato.
_Um, dois, feijão com arroz, três, quatro, feijão no prato.
Mas, a primavera havia chegado, por toda a parte havia flores na floresta, até parecia festa. Os passarinhos cantavam e as borboletas, quantas borboletas de todas as cores, de todos os tamanhos borboletearam pela mata. E os caçadores procuravam pela lagarta:
_Um, dois, feijão com arroz, três, quatro, feijão no prato.
_Um, dois, feijão com arroz, três, quatro, feijão no prato.
E perguntavam para as borboletas que passavam:
_Vocês viram a lagarta que morava na amoreira? Aquela preguiçosa, comilona, horrorosa.
As borboletas riam, riam, iam passando e nem respondiam. Até que veio chegando uma linda borboleta.
_Estão procurando a lagarta da amoreira?
_Estamos sim. Aquela horrorosa, comilona.
E a borboleta bateu as asas e falou:
_Pois, sou eu.
_Não é possível! Não pode ser verdade! Você é linda!
E a borboleta sorrindo explicou:
_Toda lagarta tem seu dia de borboleta, é só esperar pela primavera.
_Não é possível, só acredito vendo!
_Venha ver! Isso acontece com todas as lagartas. Eu tenho uma irmã que está acabando de virar borboleta.
Todos correram para ver. E ficaram quietinhos espiando. E a lagarta foi se transformando, se transformando até que de dentro do casulo nasceu uma borboleta.
Os inimigos da lagarta ficaram admirados
_É um milagre!
_Bem que eu falei. Disse o camaleão que já tinha mudado de opinião.
E a borboleta falou: _É preciso ter paciência com as lagartas se quisermos conhecer as borboletas.

terça-feira, 19 de novembro de 2013

Lugar fora do comum


Tinha engatilhada a frase que espantava as colegas (bem intencionadas) que propunham resolver o seu problema de falta de namorada. Dizia assim: “Quem eu quero não me quer, quem me quer mandei embora”.
As amigas e colegas pingavam conselhos em delicadas prestações (e sem a necessidade de entrada). Uma delas dizia: “Depois de quase trinta anos com o meu Nico, estamos tão acostumados... Não me imagino vivendo sem ele!”.
Sem aparente pressa, ele não quer arriscar se envolver com amores encomendados. Desconfia do bom gosto das amigas-cupido. Nem se sensibiliza com os punhados de qualidades que possuem as candidatas. Aposta nos momentos inesperados, mágicos, quando poderá surgir o grande amor: nem jovem, nem velho demais, alma de muitas qualidades e cumplicidades.
O argumento-míssil, que o deixava desnorteado, vinha de uma colega que estava beirando-os-sessenta: “Você não é mais um guri! Logo logo estará velhinho. Olha só a judiaria, aqueles velhos abandonados nos asilos, sem ninguém para os cuidar. Você quer terminar assim?”
Com esta sentença zum-bi-zan-do na cachola, entrou num sebo, na feira do livro de sua cidade. Tinha a esperança de garimpar algo valioso nestes lugares onde se junta tanta variedade. Livros que antes despertaram a paixão em tantos lares...
Centenas de livros que fizeram companhia, amenizaram a solidão de seus conterrâneos. Ali naquelas estantes exibia-se parte do conhecimento (ideias, crenças, valores, verdades) que interagiu com seu povo...
Espantou-se. Depois de mais de uma hora de pesquisa, apenas dois livros chamaram a sua atenção.
Boa parte dos livros era sobre religião e autoajuda.
Sentiu-se em-pa-ra-fu-sa-do. Como levar a sério conselhos de pessoas com noventa e nove por cento de “verdades” padronizadas e, como aqueles livros todos, necessitando ser recicladas?
Grande parte dos livros do sebo não o interessavam. Foram desejados, adquiridos e, depois, dispensados pelas pessoas. Claro! Tudo era óbvio. Clichê. Lugar comum. A felicidade, a prosperidade, a saúde perfeita, etc., etc., anunciadas por dezenas, centenas de livros, todos são lugares comuns!
Tinha pavor de clichês, do tipo: “Tenha uma vida em grande estilo”. “Pare de chover no molhado”. “fuja da raia”. “Seja um divisor de águas”. Para ele, estas são fórmulas previsíveis que, de tanto serem usadas, já não dizem mais nada.
Os noventa e nove por cento dos livros do sebo que as pessoas da cidade passaram adiante, e que agora ele rejeitou, parecem lugares comuns. Da mesma maneira os conselhos das colegas e amigas sobre a importância de se ter alguém. Conclusão óbvia: ser um herói da resistência deve-se à sua postura teimosa. Fugir do lugar comum, e adotar o “lugar nenhum” ou, até, o “lugar fora do comum”.
Enquanto não encontra o amor que ninguém escolheu, trata todas as gurias como um príncipe: como suas namoradas! É gentil, cavalheiro, porque as mulheres são deusas. Ou melhor, tem certeza: Deus é mulher.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...