quinta-feira, 12 de agosto de 2021

Coito interrompido

 

Parece que ando em círculos

e quase sempre escorrego

nuns lugares de luz fosca

e banheiros fétidos.

Me acostumei com garotas

de ventres poderosos,

sedentos de cerveja

e petiscos

e canções populares das rádios FM,

mas não me acostumei

com o coito interrompido.

No boteco, me perseguem

barriguinhas requintadas

e rabos bem vividos,

nada de juízos estéticos,

nada do corpo perfeito.

Elas batalharam o dia,

botaram pra quebrar

limpando as mansões da cidade

e agora me observam,

o animal estranho,

o bicho em extinção,

acuado pelo olhar dessas deusas

e que tem um puta trauma

do coito interrompido.

Eu sei que ando em círculos,

eu sei que bate uma ansiedade

que provoca mijadeiras

de madrugada.

Um bom motivo pra outra dose

é saber que as princesas

não estão nem aí

pras lanternas que iluminarão

nossos caminhos.

Faço brindes quando percebo

que elas não ficam putas

com os noticiários

espalhando o estrume

da política,

nem adoecem com o câncer

do poder

servido em bandejas de prata

pra chinelagem se empanturrar

e lambuzar.

Pra vocês confesso tudo:

o coito interrompido

me fez andar em círculos

e fodeu minha libido,

e com ele me acostumei

a amar essas garotas

de ventres estilosos

e rabos

bem vividos.

 

(B. B. Palermo)

 

terça-feira, 10 de agosto de 2021

Amor

 

As pessoas notam que você não está bem,

ficam em silêncio enquanto você faz

uma força danada

pra parecer engraçado.

Você é valente,

aprendeu algo depois de tantos anos

a ponto de não pendurar uma corda

na primeira árvore

que aparecer.

Em outras épocas os ventos previsíveis

até geravam tranquilidade,

mas você sentiu algo novo,

passou a desprezar o seu amor.

Sua mulher sabe o quanto você é frágil,

a ponto de mapear todos os seus pontos fracos

e você nem perceber.

Porres,

escapadas,

encontros virtuais de madrugada,

ela se apropriou da senha do celular,

diálogos escorregadios

e insinuações deprimentes...

Sua história começa a desmoronar,

só você não viu que o barco vazava água,

afetos tornam-se corrosivos

e a tal felicidade bate asas

longe daqui.

Chinaski certo dia me falou:

JÁ VI VELHOS CASAIS JUNTOS

HÁ 50 OU 60 ANOS

QUE MUITO

TEMPO ATRÁS TERIAM

ACEITADO QUALQUER OUTRA

COISA

MAS O DESTINO

O MEDO E AS

CIRCUNSTÂNCIAS

OS AMARRARAM.

 

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 9 de agosto de 2021

I love Texas Beach

 


Caminho pelas ruas desertas e frias

que conversam com a praia.

Cercas, grades, alarmes

e quintais bem cuidados,

só o meu coração tremendo de frio

e morrendo de medo

do mau humor da maré.

Converso com alguns nativos de Texas Beach

e eles mostram suas credenciais:

terrenos para vender,

casas para alugar,

material de pesca,

tijolos, areia, cimento,

pacotes de TV e alarmes,

câmeras de vigilância ao longo das ruas

mostrando o rosto de cada moradia

e reprimindo os desejos mais doidos

das pessoas.

Especializei-me nos tipos de isca

para fisgar o Peixe rei e o Papa-terra.

Descobri os dias favoráveis para identificar cardumes de Tainhas

a partir do comportamento psicodélico dos Golfinhos.

Aprendi a fazer a leitura dos ventos

e das correntes marítimas.

Descobri que sou muito corajoso

ao fazer um duelo

particular

entre a minha ressaca

e a ressaca barulhenta

do mar.

Não deu outra:

Pintou uma estranha meditação

sentado na areia

gelada e úmida

e por pouco não alcancei 

o Nirvana.

 

Toda vez que passeio por Texas Beach

eu consigo me libertar.

 

domingo, 8 de agosto de 2021

Vamos operar no ódio

 

Uma voz

me persegue,

e eu sei que é o

eco

do coração metálico

e frio

de um velho

amigo.

 

"Vamos operar no ódio".

 

Tensão acumulada,

raiva de molho,

maldades trocando de pele

como sucuris gigantes

no leito fundo do rio.

O ódio nos liberta,

o ódio nos salva,

o ódio nos despreza,

o ódio nos destrói,

o ódio nos conserva

duros e frios,

o ódio nos deixa

em conserva,

salgados,

ácidos,

com longo prazo

de validade.

 

(B. B. Palermo)

 

domingo, 25 de julho de 2021

Faixas de segurança

 

Atravessava a faixa de segurança

na avenida

e ela vinha toda séria

no seu carro esportivo.

Olhos nos olhos, tentei adivinhar

se ela afundaria o pé no acelerador

ou no freio.

Ela me encarou com um semblante

de quem sofre de azia

e má digestão.

Eu sei, meu bem, não sou remédio

para teus sentimentos gástricos.

Meu coração condicionou-se a pulsar

com altas doses de álcool,

e está soterrado em geleiras

surreais.

Todo dia procuro compreender

meus sentimentos,

os quais vêm ao mundo

com ânsia de vômito,

confundo real com imaginário

e me atraco com umas garotas

que posam nuas para fotos

compartilhadas no Whatts.

Tão próximas e tão distantes

da embriaguez imaginativa do Cadelão.

Elas passeiam tranquilas

pelas minhas faixas de segurança,

é um caminho seguro, garanto, embora invisível.

Peitos, bundas e vaginas

circulam pela Internet e me chamam,

como se fossem fogos em dia de quermesse,

eriçando os ideais perversos

da multidão.

 

Mas isso pouco importa.

Quero falar de meus planos,

quero ouvir amenidades e, por Deus!,

quero encontrar soluções para todas as crises

que o planeta atravessa,

inclusive a crise ambiental.

Gosto de enganar e ser enganado.

Falo falo de meus planos de futuro

e nem percebo que os ouvidos

que me cercam e bebem comigo

não estão nem aí.

Meu desejo de consumo, eu sei,

é evaporar

nessas nuvens

de neblina

da opinião.

 

(B. B. Palermo)

sexta-feira, 23 de julho de 2021

manicômios

 

você acha que apenas o teu lar

virou manicômio

você não sabe porque não conhece

como se dão as relações

entre funcionários de empresas

e outras organizações

fofoquinhas

picuinhas

e explosões de ódio

e egos ensandecidos

você não leu

por isso não conhece

Dostoiévski disse tudo

em seus livros

a respeito

da perversão que corrói

a alma humana

se você quer saber de um jeito mais específico

leia Memórias do subsolo

todas as engrenagens de nosso psiquismo

nosso comportamento paradoxal

ou qualquer outra merda de conceito psicológico

que você quiser usar

estão nesse livro

o fato de amarmos e odiarmos ao mesmo tempo

corando de vergonha Deus

e os padres e os pastores

que também são paradoxais porque humanos

tudo isso se encontra no velho Dostoiévski

sempre atual e incisivo

revelando linda e profundamente

as chagas de nossas

sublimes

corrupções

 

(B. B. Palermo)

 

quinta-feira, 15 de julho de 2021

Etanol nas veias

 

Já não me causa estranheza

ouvir algumas pessoas dizerem

que todo dia pensam em se matar.

Quanto mais livros dos grandes elas leem,

quanto mais ampliam sua consciência das coisas da vida,

menos sentido encontram na porra toda.

O poeta quer fugir desses chatos que tudo questionam

e quer encontrar a energia inspiradora

em meio às pessoas comuns,

aos cães e gatos sarnentos,

aos subnutridos e desdentados

que farejam comida e sexo nos porões.

Vai, Cadelão, afasta-te desses intelectuais tristes

que têm enorme prazer em ser deprimidos.

Não é uma questão de ter um comportamento burguês

ou viver apertado.

Não é uma questão de ter ou não ter casas,

carros, apartamentos em praias.

É algo mais profundo que, de tão profundo,

chega a ser raso, e rende muita grana

a psicólogos e psiquiatras.

A coisa é divertida,

e tudo desemboca nuns porres

e comprimidos para dormir.

No outro dia a mente volta a martelar

como betoneira potente alimentando alicerces

e paredes do edifício que sobe.

A mente envia sinais e essas pobres criaturas

assumem de vez o caos, dizendo que todo dia

pensam em partir dessa, mas eu sei

que são covardes demais para tal.

Há um outro suicídio, mais lento,

das criaturas que mergulham nas águas turvas

de sua rasa consciência,

que funcionam como barreiras para evitar

se preocupar com o sentido de suas pobres vidinhas.

Há, sim, um suicídio mais lento,

uma mistura de prazer e sofrimento,

um sentir-se bem dentro da prisão.

Ele se resume em diariamente injetar Etanol nas veias.

 

Um brinde aos que desafiam a vida com fartas doses,

que correm atrás de Dona Morte com sua sede,

manifestando ao mesmo tempo

um puta medo de morrer!

 

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...