domingo, 1 de março de 2020

Uma girafa chamada Sofia desfila nas avenidas



Pela manhã houve um aguaceiro.
Agora, sábado de tarde, a chuva está mansa.
Momento ideal para observar três anões,
Zangado e Feliz e Dengoso,
sorridentes e imóveis e amarelados pelo sol e pela chuva,
descansando eternamente debaixo da figueira,
num lugar de minha infância.

Naquele tempo havia por aqui
um mandiocal cravado na terra vermelha,
e hoje há uma bela piscina
e um muro fazendo pose,
ao lado de trepadeiras e coqueiros
e limoeiros e outras plantas
e flores e grama.

Eis a prova irrefutável da transformação.
Minha barriga de cervejeiro quarentão
também passou por metamorfoses,
e não é saudosismo do garoto sarado
de 18, 20, 20 e poucos anos
no auge das paixões e bronhas.

Hum... Perdoem-me por permitir 
que a chuva regue antigas lembranças.
Talvez eu valorize mais uma frase carregada de estilo
do que recordar vivências que marcaram
o mundo infantil.
Quem me aconselhou foi Guimarães Rosa,
o do "Grande Sertão: Veredas",
num certo sonho.
Ele disse:
"Independente da realidade,
seja passado ou presente ou futuro,
faça literatura, faça literatura".
Segundo o próprio,
uma frase bem elaborada, estilosa,
é mais importante do que os efeitos
do Coronavírus, ou dos problemas ambientais, ou...
Não se preocupe se a maioria disser
que você faz algo estranho,
como se fosse uma girafa chamada Sofia,
ameaçada de extinção,
que teima em fazer malabarismos nas avenidas.

Tudo se transforma...
E não quero (e nem posso) carregar nas costas
os problemas desse mundo,
nem me prender às redes
de insônias políticas e ideológicas.
A arte anda meio abandonada,
ou fora de moda.
Para se embrenhar no ato criativo
é preciso transcender,
aceitar-se girafa,
caminhante solitária,
incompreendida pela multidão,
ideologicamente ensandecida.
Se nem Cristo e Buda e Maomé e Alá,
nem os santos e Marx e Freud e outros mais
resolveram os problemas desse mundo,
por que serei YO o herói?

Eba! Acabo de receber uma mensagem pelo WhatsApp...
Alguns amigos me chamam do bar.
Lá, depois de 3 ou 4 copos,
teremos encontrado soluções,
com nossos belos discursos,
(como se fôssemos lideres de classes trabalhadoras)
para resolver os problemas que nos cercam.

(B. B. Palermo)

sábado, 29 de fevereiro de 2020

Os ratos voltaram



Às vezes o canto do olho flagra uns ratinhos fantasmas disparando entre os móveis da sala. Falei pro Beiço, esses dias, de que tenho recebido no cafofo essas loucas companhias.
Um dos ratinhos conseguiu entrar na lareira e escalar sua parte interna. Disse ao amigo que penso fazer, à noite, aquele fogo e cheirar algo sinistro no ar.
Beiço chamou a atenção para a crueldade do meu ato. Eu retruquei: "Mudei a lei do Darvin. Não é o mais forte que sobrevive, e sim o mais cruel".
O Beiço me mandou tomar naquele lugar e aí acertamos a conta e partimos pra outro boteco.
- Tu é doido. Vive queimando dinheiro com bebidas e mulheres e agora quer queimar um pobre camundongo.
- Meu, é que ontem de noite sonhei que esse roedor de merda raptou minha carteira e roeu toda a grana que juntei (li-ci-ta-men-te) durante a semana.
- Hehehe... Lembrei de um livro que li na Década de Oitenta, "Os ratos", de Dyonélio Machado. O personagem principal, Naziazeno, teve um sonho parecido. A diferença é que ele era um trabalhador cheio de angústias e dificuldades financeiras, enquanto tu, que eu saiba, é um desocupado dos bem folgados...

(B. B. Palermo)

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2020

Não vou deixar que ela se torne estrela incandescente morando nos céus



1.
O sabor daquele beijo e as olheiras e o cheiro do cigarro no cabelo. Foram três maços em poucas horas.
Todo seu corpo sofria e ela chorava. Destruía-se em nome do amor, que deixou para trás belas paisagens e agora atravessava um pântano.
Fiquei perplexo ao vê-la assim durante horas, lágrimas e lágrimas que vertiam de seus olhos e ouvidos e narinas e dedos e vagina.
Ela trabalhou numa zona, numa cidade perto daqui, segunda e terça e quarta e quinta e sexta. Nesse dia nem dormiu. Sábado à noite apareceu. Ainda bem que avisou que viria, deu tempo pra buscar um fardo de latões de cerveja.
Antes que ela pedisse pra que tocasse as sertanejas, coloquei Renato Fernandes e aquele blues de cortar os pulsos. Perguntei "Tu nunca ouviu blues?", e ela: "Não". Uma cara de sofrimento e eu mandando ver  o som e falando sobre a história do bluseiro. Ele compunha e transava sempre bêbado. Não existia sem conhaque barato e cigarros escrotos.
Enquanto o solo da guitarra arranhava edifícios e avenidas e desencadeava explosões nas fiações dos postes e deixava ruas desertas e escuras, a garota teclava e teclava, nuns papos sofridos com seu ficante. Pensei dizer: "O Renato Fernandes é de Campo Grande, território de muitos sertanejos, mas se saiu ótimo no blues".
Ela estava dilacerada e descornada e queria cheirar, e eu tentando convencê-la de que o pó não leva a nada, amanhã se sentiria pior. Caralho - pensei - essa tem incrível habilidade pra teclar no celular. Bem que poderia ter essa desenvoltura pra dar conta das coisas do coração.
2.
Me convenci de que ela tinha um tesouro pra me ofertar. Então peguei o celular e fui gravando...  Ela rodou as mensagens compartilhadas com o cara pelo WhatsApp durante a semana.
Gente, era gritante a fragilidade do "cafetão ingênuo". Isso me fez lembrar do Tim Maia, que disse nos Anos Oitenta: "Este país não pode dar certo. Aqui prostituta se apaixona, cafetão tem ciúme e traficante se vicia...".
Nas mensagens, a toda hora ele quer saber onde ela está. Eis o jogo: ele insinua que ela está na zona, e ela diz que não, diz que está na casa de uns parentes.
Ouvi em algum lugar: "Quem ama está sujeito à briga. Mas amor não significa guerra...".
Acontece que a conheceu num puteiro, se gostaram e então ela saiu de lá. Ela se queixa, diz que o ficante não se definiu, por isso voltou pra essa vida. O cara então viajou, quis esquecer esse amor, quis fazer algo como dar um tempo.
Lamenta-se: "Tu me fez de palhaço. Estou triste onde estou. Tô passando necessidade. Mas vou aguentar até te esquecer. Tô bêbado, não sei aonde vou agora".
Eis um bom tema para músicas românticas. Agora ele deixa ver seu Calcanhar de Aquiles: "Gostei muito de você, apesar de não demonstrar".
Nas respostas que a garota dá pro carinha, vejo que ela é amadora ao mentir. Ou faz isso de propósito. Este é o seu ponto fraco: temos que mentir com habilidade e convicção, pra evitar que o nosso amor sofra.
Cadelão, repare que a desconfiança, o medo e a insegurança são bases frágeis para um amor. Olha só o lamento do sujeito: "Preciso te esquecer. Eu te amo, mas tu nunca vai me levar a sério. Tô com um aperto no peito. Tô com saudade".
Disse o poeta Leminski: "não discuto / com o destino / o que pintar / eu assino". E é bem assim. Quis o destino que ele conhecesse a garota quando ela trabalhava numa zona. Agora, ele não suporta imaginar que ela voltou a trabalhar por lá. Além de dizer que a ama mas que precisa esquecê-la, ele aconselha: "Se tu gosta de mim, se controle, mas é difícil acreditar que tu não está no chinaredo".
Agora ele pergunta se ela ganhou dinheiro nessa empreitada. Observem a derrapada do cara. Aqui, cafetão sente ciúmes mas não abre mão do dindim que a guria faturou na zona. Ah, pobre do povo brasileiro, diria Tim Maia.
"Eu to sofrendo. Acordo te procurando ao meu lado na cama... Calma, vamos achar uma solução, gosto muito de tu. Vou pensar sempre em tu. Te amo, mas tu nunca vai mudar".
3.
Ontem à tardinha Lucy estava por aqui e preparou um enorme frango orgânico e o temperou com especiarias também orgânicas. Explicou em detalhes pro Cadelão ignorante como é a criação dessa ave sublime, crescendo livre na natureza, com alimentação de origem vegetal e sem sofrimento no seu abate.
Ao servir o jantar notou que eu estava (de novo) muito bêbado, então teve uma crise de ansiedade e chorou e saltou fora. Merda, suguei outras doses e coloquei o frango quase inteiro e com a travessa e tudo na geladeira.
A amadora que agora tomou conta do cafofo murmurou "adoro farofa", abriu a geladeira e surrupiou  a travessa com aquele frango mais ketchup e mostarda e maionese, provou e disse que tinha pouco sal e salpicou do seu jeito e se atracou, fazendo estragos no infeliz galináceo da Lucy.
Observava seu apetite selvagem e pensava "Meu Deus, ela não existe!".
Senhor! A criatura fuça durante horas no smartphone, atrás do seu grande amor. Não descansou, pouco dormiu, mal se alimentou, e agora aqui está num sono de empedrar. Enfim, agora ela "ouve" sem reclamar do meu som. Dou passagem pro Belchior e pra Cássia e pro Raul...
4.
Deitada no sofá, ronca como uma porca. Merda, não transamos. Bebo, ganho tempo, vasculho pelos cantos atrás de coragem. Deixo a TV ligada e no silencioso e apago a luz e a cubro com mais um cobertor.
No quarto, demoro pra relaxar. Ama do seu jeito e eu sofro porque não posso fazer nada, apenas observo e até acho meio cômico. Logo me emociono ao me colocar no lugar deles, naquele seu "original" amor.
Eu, o imprestável. Um bosta, de coração impuro.
Eu, com tantas dificuldades nas questões afetivas, sinto-me perplexo ao ver as armadilhas que o amor aprontou pros dois.
Eu, que aconselhei enfrentar o amor como quem ri do uivo do lobo ou do estrondo do tigre, agora me mijo de pavor ao encarar olhos nos olhos os estragos dessa história inocente.
Pra acalmar o coração da garota, pensei telefonar prum padre, um conhecido,  que a procurasse e aconselhasse, serenando seu coração. Ou que ao menos rezasse por ela. Eu não rezo, faz tempo que não pratico, minhas súplicas jamais baterão às portas da casa de Nosso Senhor.
Preciso fazer algo, antes que ela apanhe uma corda ou se encharque de gasolina e risque um fósforo, tornando-se estrela incandescente a nos observar lá do alto.
5.
Na manhã seguinte, depois de uma boa noite de sono e de um banho demorado, ela disse que queria transar, como se fosse um agrado pela atenção que lhe dediquei. Senti inveja do seu amor, ainda mais quando ela falou: "Eu quero transar contigo, mas vou pensar nele, não fique chateado não".

(B. B. Palermo)         

terça-feira, 25 de fevereiro de 2020

Navegar é preciso



Perguntaram-me 
qual é o meu rumo. 
Respondi:
- Atiro no que vejo 
pra acertar no que não vejo.

(B. B. Palermo)

domingo, 23 de fevereiro de 2020

Em 20 dias vai ganhar mais do que eu ganho num ano



Conversa de bar:

GAROTO 1 - Minha irmã está tomando hormônios.
GAROTO 2 - Cruzes, fico imaginando aqueles frangos da Sadia, por aqui de hormônios.
GAROTO 1 - Impressionante como estão brotando e crescendo seus mamilos.
GAROTO 3 - Mas não vai ficar brocha com tanto hormônio?
GAROTO 1 - Nada a ver. Ele só quer é dar. Em 20 dias vai ganhar mais do que eu ganho num ano.
GAROTO 2 - Bah, véio, por 200 reais o programa eu também dava.

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 20 de fevereiro de 2020

Dando um elástico na relação



Conversa de bar:
- Minha relação com as amantes anda complicada. Antes, cada uma ganhava um sacolão do SESI. Agora, divido um sacolão pras três.
- Bah, tu podia fazer um mínimo de esforço pra levar uma vida de sujeito normal.
- Cara, é sério, algo escapa do meu controle, é como se monstros me dominassem.
- Sei, sei, a velha má-fé. Como se o teu comportamento não fosse escolha tua.
- Juro, eu sempre fui assim, quando minha história com uma garota anda normal, monótona, monstros cobertos de lama se apossam de mim e dão um elástico na relação.
- Elástico?
- Isso... Tu não conhece futebol?

(B. B. Palermo)

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2020

Muito palavrão



O cara falou:
não curto tuas histórias,
têm muito palavrão.
Ele curte notícias de crimes em Ijuí.
Na semana foram três.
Bonito!

(B. B. Palermo)

terça-feira, 18 de fevereiro de 2020

Ela se chama Nada



Olhava pra ela, numa mesa próxima,
e cochichava para os meus sombras indiscretos: 
"Mulher vulgar".
Armei o bote, esperando o momento certo pra atacar
quando seu ficante estivesse no banheiro.
O tal estava com mijadeira.
A cada meia hora troquei olhares com a guria.
Na quarta vez que o carinha partiu pro banheiro,
ela pediu meu contato.
Baixinha, bunda apetitosa,
cabelos lisos com tinta roxa,
ao ficar meio alta com as "gelas",
fazia biquinho e parecia melancólica
e com rugas em torno da boca
e envelhecia pelo menos uma dúzia de anos.
Sentou ali por perto o Palhacito, 
um paraguaio que faz malabares nas esquinas,
junto aos semáforos.
O cara andou por toda a América Latina.
Sabe das coisas.
Do jeito como ele observava a garota,
saquei de cara que ela era de programa.
O banheiro ficava do outro lado do bar, nos fundos.
Quando o ficante foi de novo pra lá,
eu disse que escrevia histórias
e que ela me deu a impressão de que viveu boas histórias
e eu precisava ouvi-la
e podíamos gravar no celular e eu estava emocionado
e necessitava incrementar meus personagens
e ela também se emocionou e revelou que sua vida é cheia de
loucuras.
O ficante retornou do banheiro e pareceu meio incomodado.
"Deve ter cheirado", pensei.
"Agora ergue a patinha, o vira-lata,
como se fosse um pit bull,
e mija por todo canto".
Estou no mundo pra cooperar.
"Bem que podia dar umas trepadas com a putinha,
no meu estilo, só pra devolvê-la melhorada".
Dois dias depois ela mandou mensagem.
O ficante meteu-lhe o pé na bunda.
Numa cena de ciúmes, jogou seu celular contra a parede.
Bebemos uns litrões de "gela" no bar do Maneta,
pendurei mais meia dúzia e rumamos pro meu cafofo.
Mesmo arrebentado, o celular funcionava a todo vapor.
Colocou suas músicas pra tocar.
Rebolava, de um lado pro outro da sala,
naquele shortinho que aprisionava o rabo apetitoso.
Vi que ela desprendeu o botão do short,
"Hum... logo ela vai ficar de calcinha...
hoje vai ter streap...".
Deixou seu copo de cerveja no chão, ao lado do sofá,
e eu sabia que logo aquele copo  já era.
"Depois só vai beber em copo de plástico", pensei.
Dançava e falava do seu ficante.
Enchia a cara e falava do vira-lata que se imaginava pit bull.
E nada do shortinho descer.
A garota queria cheirar.
Falei "Meu bem, pra essa semana o orçamento estourou".
Não suporto cheirar, eu quero é foder.
Aí ela veio com essa:
- Tu já comeu mulher menstruada?
- Hum...
Fui ao banheiro e vi na lixeira o chumaço de papel higiênico
manchado de sangue.
"Hum... Não tô bêbado o suficiente...
Hum... Não consigo encarar...".

Passou a noite comigo.
Dormia de bruços e seu ronco era sereno.
Levantei onze da manhã e a encontrei deitada no sofá fazendo o de sempre:
mexendo no celular, ouvindo suas duplas sertanejas.
Ao ver a cena, compreendi porque o ficante jogou o precioso aparelho
contra a parede.
Queria tomar o café da manhã.
Não havia pão nem margarina nem leite ou café,
apenas maçãs e bananas na fruteira.
Arranjei uma desculpa qualquer e pedi pra que fosse embora.
Fiquei matutando:
"Cadelão, não se envolva com essas mulheres.
A conta até pode demorar, mas ela sempre vem".
Dia desses eu navegava no Tinder
e me chamou a atenção algumas fotos de uma garota.
Hum... Idênticas às fotos que ela enviara pelo WhatsApp.
Dizia assim, o seu perfil no Site:
"Nada. 36 anos. Santo Antão-RS. Sei que ninguém lê mas evitaria conversa fútil e respostas desagradáveis sou solteira solteira solteira solteira solteira solteiríssima solteira solteira independente favor homem casado puxar pra esquerda não estou interessada em aventuras sexo casual grana não troco fotos nuds chamadas de vídeo então respeito é bom para todos certo...".
Agora sei seu nome: Nada.
Tudo fez sentido.
Ela não existe.
Apenas o celular, 
meio espatifado
mas funcionando a mil,
com seus contatos e ficantes
e fotos e vídeos
e et cetera e tals.

(B. B. Palermo)

domingo, 16 de fevereiro de 2020

Você bebeu e transcendeu e agora brinca de roleta russa



Outro dia prometendo afastar-se do
álcool,
perguntando das chances com a baixinha
parruda
devoradora de histórias                       
frustradas
e postagens e fotos pra cima,
no Facebook.
Lembro duma balconista que  esbarrei num site de namoro e
que se queixou do casamento.
Quase todas e todos
queixam-se de seus relacionamentos.
Muita gente investe dezenas de milhares de reais numa festa de
casamento.
Trajes e decoração e comes e bebes e fotos e filmagens.
São tempos românticos, e
o amor é engarrafado e
rotulado e é um belo sonho.

O que você tem com isso?
Você faz contatos imediatos e
busca uma janela
casual.
O Tinder é ótimo.
Fisga uma em que o marido trabalha no pesado e
ao chegar em casa exausto
não dá atenção pra mulher e pras
crianças.
Você insiste, está disponível,  mas ela ainda está agarrada às cortinas do
matrimônio,
ou possuída pelo orgulho.
Quando estava a fim, você deu a
mínima.
Algumas cervejas e você não quer saber de reflexões éticas
ou estéticas ou políticas.
Você se diz do bem, mesmo sendo vazio como caixa de papelão                     
que aguarda o lixeiro diante da
loja.
Numa pontinha de discernimento, reconhece o esforço dessas
guerreiras
em se manterem íntegras diante do observatório
social.
A hora escapa, já passa da meia noite e não é justo você abduzir do
lar
uma diva que está numa boa com sua rua e
seu bairro
e que labutou das sete às sete, mais a creche das crianças e
padaria e mercado.
Não é justo, apenas você bebeu e transcendeu e brinca de
roleta russa e
quase acredita que todos - menos você - se levam a sério demais.
Podes ser meio vazio, quase uma
caixa abandonada
diante da loja,
mas bota fé no currículo,
além das lembranças
que vais carregar até o juízo final.
Lembranças singelas,
como contemplar a chuva
pela janela de casa,
na infância.
Uma imagem anterior aos boletins escolares e
à Primeira Comunhão e às punhetas fodásticas,
entrando em cena a professora de literatura,
ela,
sempre ela,
conduzindo a carruagem do imaginário
e libertando os primeiros jatos de
porra.

Uma chuva enlouquecida
verte goteiras nesse bar
onde me escondo e
deixa os cabelos da garota muito
brilhosos.
Vivemos outros tempos,
muita química,
muita luz e irradiações e compartilhamentos
virtuais e
a religiosidade em torno de nossa
imagem.
Mas não posso (e nem quero) abandonar as lembranças
infantis.
Não desejo engolir potes e frascos da indústria química
nesses institutos de beleza.
Desejo apenas o transcender divino
que me vem com a lembrança
infantil...
Porém, Freud, sempre o filho da puta
do Freud,
teorizando como quem
sempre soube
que tudo acaba
no eterno retorno
das maluquices da infância...
Muita, muita
punheta e...
punheta.


(B. B. Palermo)

Bukowski - do livro "Mulheres"


Quando era jovem, eu vivia deprimido. Mas, agora, o suicídio não era mais uma saída
pra mim. É o que parecia. Na minha idade, já não sobrava muito o que matar. Era bom
envelhecer, a despeito do que os outros diziam. Era razoável que um homem tivesse de
esperar até os cinquenta pra poder escrever com alguma clareza. Quanto mais rios você
atravessa, mais você aprende sobre eles – quer dizer, se você consegue sobreviver à água
translúcida e às rochas ocultas. De vez em quando, era um osso duro de roer, a vida.

PALAVRÓRIO - Chacal


o papel da palavra: palavrão.
a palavra no papel: papelão.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...