quinta-feira, 13 de setembro de 2018

Saco de pancadas



Preso a labirintos surreais, estou embriagado de ilusões.
Uma parte de mim é estatística, outra parte é mitologia.
Não me conformo, pois sinto nos ossos que a estatística, raio-x, atravessa meus órgãos feito ultrassom.
Algo resiste, não quantificável, um sensível bebedor.
As pesquisas conhecem uma fatia de mim, o rosto da vitrine, outdoors nas esquinas.
Os números me chamam pra dançar, mas os ritmos estonteiam. Dá vontade de vomitar.
No embalo da dança, socos bem direcionados me embretam, jabs de esquerda e de direita entram direto, golpes na linha da cintura e supercílios e rins mutilados.
Lutador vencido, aqui estou, saco de pancadas, jogado aos leões.

(B. B. Palermo)

terça-feira, 11 de setembro de 2018

Animalzinho assustado



Arredio, lembro que olhava para todos os lados, mas não sabia pra onde ir. Um animalzinho cercado por predadores. De sua aldeia distante, meu corpo berrava, enviava sinais, cãibras nas pernas, dedos trêmulos, suores noturnos, dores de barriga inexplicáveis, coração disparado.
Com o passar do tempo domei medos e deveres. Me afastei do mundo para sobreviver.
Também fui ovelha seguindo ordens, mas aos poucos recusei convites para ser um líder. 
Nas urnas periódicas simpatizo cada vez mais com teclas de brancos e nulos.
Quando crescer saberei o que fazer.

(B. B. Palermo)

domingo, 9 de setembro de 2018

Meus lugares comuns



“Sinto muito, anjo, a perda do teu pet. Mas a vida é feita de perdas e ganhos”. Escrevi-lhe esta mensagem porque sei que ela se diverte com meus lugares comuns.


(Teco, o poeta sonhador)

quinta-feira, 6 de setembro de 2018

Vai com tudo, James Bond

Não tenhas medo da paixão. Enfrente essas garotas, James Bond.

Tua Sharon Stone te aguarda, num silêncio carinhoso, pra te libertar das fantasias impublicáveis.
Como podes ter medo, se fazes repetidos planos, da vigília da noite ao frescor da manhã?
Pise fundo nas façanhas sentimentais, lubrifica teu coração.
Dizem que o amor vive da falta e da procura, mas sossega quando faz o bem.
Inspira-te nos santos, já que acreditas que devemos mudar o mundo.
Amigo, queres ter muito dinheiro, pagar pelos amores, pra descartá-los depois.
Tens medo do quê?
Pergunte à mamãe, pergunte ao Édipo, pergunte à terapeuta – aquela ninfeta!
Eu sei que ela sempre vai responder:
- É um mistério, é um mistério...

(Teco, o poeta sonhador)

quarta-feira, 5 de setembro de 2018

Olhar assustado


(Poema Abertura, de Arnaldo Antunes)

Leio poemas de Cacaso. Um susto: batem à porta. Uma criança pede algo para comer. A geladeira, quase vazia, guarda uma maça. Entrego-lhe assustado, protegido atrás da porta entreaberta.
- Só isso? 
Espio Cacaso sobre a mesa. Ele me devolve um olhar assombrado. Também de violência e miséria vive nosso país.
(Poema de Cacaso)

(Teco, o poeta sonhador)

segunda-feira, 3 de setembro de 2018

Capitu


Um olhar de gata lambida apontou-me a trilha,
mas não me deu pilhas e lanterna, 
apenas quilômetros de subida.
- Tudo você pode, basta me seguir.
Olhei-a no fundo dos olhos, como quem espreme uma laranja,
seu olhar dissimulado me piscou, e o que me veio na hora, foi:
- Grande mentirosa.
Com ar de promessa, ela sussurrou:
- Você é o Superman, eu sou a Jane.
Algo ela disse que sempre evapora,
como dinheiro no bolso e paixões explosivas.
Seja você mesmo – ela disse.
Não se pareça com moleques samocos,
que têm na cabeça um coco sem água.
Não carregue mágoas – ela disse.
Olhou-me, eu guardava remelas no nariz.
- Você é ator, eu sou a atriz.
Você é o cara – ela disse. Venha comigo, não seja cínico – ela disse.
Fitei-a com olhos de paixão voraz, e ela simplesmente desviou o olhar.
Não sou muleta. Não tenho colo. Não há promessas. Não sou mamãe – ela disse.
Ela não quer saber de fantasias.
Nu, pés descalços, retornarei ao lar.
O amor me chama noutro lugar.
O silêncio tudo me dirá.
Silêncio frio e molhando
judiando meu rosto
como esse inverno de agosto.

(Teco, o poeta sonhador)

sábado, 1 de setembro de 2018

Nuvem passageira - Hermes Aquino


Nuvem passageira



Quem sou eu?
Sangue
átomo
matéria
espírito
assovio
roubado pelo vento.
Uma cabeça confusa
com seu olhar embaçado
pelas cores e formas
do lixo que me sufoca.
Sou amigo dos bichos. 
Me espanto com pássaros acasalando, 
com  a música de grilos metálicos.
Acredito em todos os meus sentidos, 
e sinto a presença de Deus nesses jardins abandonados, 
na carcaça da cigarra presa no tronco, no olhar do cão abandonado.
Um dia vou morrer. Por isso quero sentir tudo, aqui e agora.
Sem pensar na recompensa. Se vai ser o fim de tudo, ou um novo recomeço.
Vai, nuvem passageira. Não pense demais. Deixar para amanhã pode ser tarde.

(Teco, o poeta sonhador)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...