quinta-feira, 12 de abril de 2018

Pós-verdade


Guardei no armário minhas verdades.
O solo é muito pobre. 
A semente bate nas pedras
e desliza e se perde.

Depositei as ferramentas, 
dei um tempo
à palavra e sua escuta.
Agora sou todo sentidos.

Vou bater asas até o alto,
é só o que tenho no currículo.

Penso de novo naquele conceito: liberdade.
Libertar-me das picuinhas do cotidiano e da manada.

Hoje seguirei Fernão Capelo Gaivota.
Voar, voar, subir, subir...
Não importa se isso não passe de um sonho de Ícaro.


(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

sexta-feira, 2 de fevereiro de 2018

Varais de minha vida


a garota na varanda recolhe roupa e o vento e o sol e eu a observo do ônibus e meus olhos cheios de saudade de tantos varais de minha vida

(B. B. Palermo)

segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Nação ZUMBI - Claudia Tajes


A senhora de cabeça baixa estava alheia à conversa do marido e dos filhos. Também não dava a mínima para a gritaria dos três netos pequenos. Devia ter uns 60 e poucos anos e eu, almoçando ao lado, morri de pena por ver uma mulher tão moça com – deduzi – uma doença que a privava do convívio com a família. O garçom trouxe a comida, a senhora não se mexeu, a nora ajeitou melhor o prato, olha, a massa vai esfriar. A mulher pegou o garfo e ficou com ele parado, sempre olhando para baixo, a outra mão sob a mesa. Um dos filhos chamou: “Mãe, não vai comer?”. Ela respondeu sem levantar os olhos: “Depois, estou vendo as férias da Terezinha no Whats”.
Isso que dá ficar de olho na vida dos outros. Sem ter nada a ver com a situação, eu já havia pensado no pior. Nessas doenças que roubam a pessoa dela mesma, que levam embora a presença e a identidade de alguém. É a única coisa que me assombra ainda mais que a reforma da Previdência.
Na verdade, aquela senhora sofria era de Whastsapite aguda, mal que pode acometer gente de todos os gêneros, idades, padrões culturais, econômicos e etc. Pegar é simples, basta um smartphone. A partir daí, o uso que se faz dele é que determina o grau da contaminação. Que anda alta, diga-se.
A fila do supermercado empaca porque a moça se corresponde freneticamente no WhatsApp. Atrás dela, todo mundo bufando. Entretido com algum vídeo que os amigos mandaram, o motorista não vê que o sinal abriu. O sinal fecha, o pessoal começa a buzinar como se não houvesse amanhã. O motorista aproveita e assiste a mais alguns segundos. Pelas ruas, pessoas caminham com a cabeça enterrada nas telas dos seus celulares. Sai da frente, se não elas te atropelam. No restaurante, casais sentados frente a frente conversam animadamente – mas cada um no seu WhatsApp. Em casa, se a conversa da família não rende muito, pelo menos os WhatsApps de todos estão bombando. No cinema, bem na hora em que a tela fica mais escura, a luz de vários celulares denuncia que o WhatsApp não pode esperar pelo fim da sessão.
Era para ser comunicação, virou uma maldição zumbi. É que tudo se resolve pelo WhatsApp. Assuntos de mães e filhos e filhas e pais. DRs de namorados. Combinações de trabalho. Fofocas. Encomendas de remédio, comida, cremes manipulados, marcação de massagem, cabeleireiro, consultas médicas. Até as chamadas transações ilícitas, quais sejam, hoje rolam pelo WhatsApp. Quem insistir em se comunicar no velho estilo ao vivo, corre o risco de ser chamado de ser antissocial.
E quando a gente é incluído – sem pedir – em um grupo? Socorro. Conheço pessoas que nunca mais saíram do quarto por não sobrar tempo para outra atividade que não a de responder mensagens de grupos. Triste.
Para além da contaminação pelo WhatsApp, o celular ainda nos trouxe a epidemia da foto. Tudo agora precisa ser fotografado. Verdade que essa democratização da fotografia fez com que muitos se descobrissem bons fotógrafos. E fotografar é mesmo um prazer, chato é o excesso. Há alguns dias, no AquaRio, aquele aquário carioca onde a Ísis Valverde nadou com cauda de sereia, era quase impossível abrir caminho entre a multidão fotografando. Um menino reclamou: “Putz, o tubarão não fica quieto, cada vez que eu vou fotografar, ele sai nadando”. Pois é, meu jovem, a isso se chama natureza – ainda que subjugada.
E assim, entre mensagens e fotos, a gente segue fazendo o possível para não perder nada. Ou talvez perca um pouco da vida. Nada que não se possa recuperar em seguida, mandando uma foto no WhatsaApp ou fazendo um post que, se Deus quiser, terá dezenas de curtidas.
Zero Hora, 13/14/01/2018.

domingo, 26 de novembro de 2017

De que lado você está?


Descasco um ovo
Giro como quem gira o globo
E o ovo e o globo e todos perguntam:
- De que lado você está?

É duro descascar esse ovo cotidiano
Fazer escolhas sem causar danos
Aos dedos ao ovo ao globo a todos.
- De que lado você está?

Não sei. Embarco e vou até do outro lado e me encontro no início de novo. Sem casca. Sem verdades. Apenas a memória da viagem.
- de que lado você está?

Descasco um ovo giro como quem gira o globo e o ovo e o globo e eu e todos perguntam...


(B. B. Palermo)

domingo, 12 de novembro de 2017

Vai... Procura


Todos buscamos o amor, meu anjo.
Muito busquei. Sorri e também chorei.
Tão jovem, tens um longo caminho a percorrer.
Um dia, como eu, vais perceber: tudo o que nos mantém vivos é a busca...
Não desista dela, a busca. Do contrário, estarás +++++.


(B. B. Palermo)

quinta-feira, 9 de novembro de 2017

filhote de passarinho


Essa coisa que nos anima, habita e se apossa, faz acreditar, ter fé e esperança, torna fracos, reféns de ratos, moscas e baratas, românticos e mansos, bárbaros viciados em tecnologia e bomba nuclear.
O ego te convence de que és joia preciosa, mas teu passeio público e virtual é bijuteria, coisa de menos importância, se comparado ao vômito depois da festa, naquele banheiro de dar dó.
Vives da sobra, e o dizes a todo mundo, numa voz amplificada pelas redes virtuais. 
Redes que sintetizam a prisão de cada um, múmia diante do espelho, pose, câmera e selfie, injetando o doce remédio da solidão.
Não desista. És cultuado, carregado nos braços e tornado oráculo. Apresento-vos novos deuses: psiquiatras. Antes do jogo começar diagnosticam teus males, como o gato que se diverte torturando o filhote de pássaro que caiu do ninho.
O doutor não tem tempo nem saco pra te ouvir. Ele só tem remédios.
Sim, meus caros. A boa notícia é que não precisamos aguardar a bomba da Coreia, ou a chegada daquele meteoro. Hoje. Aqui. Agora. Estamos mortos.


(B. B. Palermo)

terça-feira, 5 de setembro de 2017

Frases de John Fante


“Meu conselho para todos os jovens escritores é bastante simples. Eu lhes recomendaria que nunca evitassem uma nova experiência. Eu os instaria a viver a vida em estado bruto, a atracar-se com ela bravamente, a golpeá-la com os punhos nus.” 

“Os livros dizem não, a noite grita sim. Tenho vinte anos, cheguei à idade da razão, vou caminhar pelas ruas lá embaixo, procurando uma mulher.” 

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...