quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

Poema de Emily Dickinson


Neste poema Dickinson fala a respeito de um enterro que ela provavelmente presencia por morar perto de um cemitério. Este enterro é associado por ela ao seu próprio, como revelado na terceira estrofe. A tradução é de paulo Mendes Campos.

Não era a morte, pois eu estava de pé
e os mortos estão todos deitados; 
não era a noite, pois todos os sinos 
punham a língua de fora ao meio-dia. 

Não era o orvalho, pois na carne 
sentia sirocos a rastejar... 
Nem o fogo, pois os meus pés marmóreos 
podiam guardar para si um frio santuário. 

Era no entanto como se fossem. 
Formas que vi 
arrumadas para o enterro 
lembravam as minhas, 

como se a minha vida, recortada 
e emoldurada, 
ficasse irrespirável sem uma chave; 
e como se fosse meia-noite, um pouco,

quando tudo que bate de leve pára, 
e o espaço olha em torno, 
e a geada horrenda, manhãs primeiras de outono, 
bloqueia o chão palpitante. 

Principalmente como o caos – frio, incessante – 
sem saída ou ponto de apoio, 
sem qualquer notícia da terra 
para justificar o desespero.

ORIGINAL

1. It was not death, for I stood up, 
2. And all the dead lie down; 
3. It was not night, for all the bells 
4. Put out their tongues, for noon. 
5. It was not frost, for on my flesh 
6. I felt siroccos crawl, 
7. Nor fire, for just my marble feet 
8. Could keep a chancel cool. 
9. And yet it tasted like them all; 
10. The figures I have seen 
11. Set orderly, for burial, 
12. Reminded me of mine, 
13. As if my life were shaven 
14. And fitted to a frame, 
15. And could not breathe without a key; 
16. And I was like midnight, some, 
17. When everything that ticked has stopped, 
18. And space stares, all around, 
19. Or grisly frosts, first autumn morns, 
20. Repeal the beating ground. 
21. But most like chaos,--stopless, cool, 
22. Without a chance or spar,-- 
23. Or even a report of land 
24. To justify despair.

(Poema extraído da monografia de Aline Dimingues de Paiva. Cfe. site http://www.ufjf.br/bachareladotradingles/files/2011/02/Aline-Domingues.pdf)

quarta-feira, 24 de fevereiro de 2016

O galo do professor


O galo Gedeão, antes condenado, renasceu. De lambuja, ganhou uma companheira, a Gerusa. Os dois desfilam no pátio de uma casa a duzentos metros do mar, na praia de Arroio Teixeira. Parecem um casal de velhinhos, renovados após descobrirem um grande amor. Agradecida com o doce lar, Gerusa brinda a humanidade botando um ovo por dia.
Vamos à história do simpático casal. Um professor, o galo sapiens da história, após uma semana comendo frutos do mar, rememorou os galos e galinhas caipiras que sua mãe assava aos domingos no forno de fogão à lenha, acompanhados da imbatível salada de batatas – o que seria da vida dos descendentes de alemães sem a maionese aos domingos?
Naquela noite chegou a sonhar com o imponente galo caipira assado na sua infância. Junto aos familiares, em torno da mesa, o banquete só iniciava depois da oração puxada pelo pai. Após agradecerem a Deus, o pai escolhia o primeiro pedaço de carne, seguido pelos irmãos mais velhos.
Com tantas lembranças da infância, galináceos criados no pátio vivendo de alimentação saudável, como grama, frutas, milho e legumes, o professor não titubeou em rejeitar a ideia de se fartar com um daqueles frangos assados aos domingos em vários pontos da cidade, criaturas que foram abatidas com mais ou menos sessenta dias de vida, alimentadas com ração duvidosa, muitas vezes repletas de hormônios.
Pensou que um banquete à altura dos da sua história não podia ser apressado. Precisava engordar o galo à sua maneira. 
O galo foi encomendado a preços módicos, de um feirante. No dia da entrega este não trouxe um jovem e imponente galo, como prometera. Era um galo idoso, de esporas mal cuidadas. O que fazer? Fechado o negócio, o galo passou a viver livre, leve e solto no pátio. E como na natureza tudo renasce, no espaço verde e pertinho do mar, respirando toda aquela maresia, o galo revigorou. Em pouco tempo estava no ponto... No caso: pronto para o abate. Era o momento tão esperado: fazer um delicioso frango caipira com direito a todos os temperos que cultivava no pátio.
Se quando criança via sua mãe puxar o pescoço de galos e galinhas, depená-los, temperá-los e assá-los, particularmente o professor nunca o havia feito. Sua consciência deu sinal de alerta quando pensou na morte do galo.
Invadiram a memória do professor lembranças da infância, as aulas de catecismo e a missa obrigatória nos finais de semana. A missão de Noé de salvar um casal de cada espécie de bichos que povoavam a terra insuflou sua sensibilidade. As determinações de Deus a Noé, de proteger todos os bichos, despertou o lado humano, demasiado humano, do professor. E ele teve certeza de que devia proteger, batizar e dar uma companheira a Gedeão.
Foram também decisivas suas leituras de Immanuel Kant, nas aulas de filosofia no ensino médio. Para o grande filósofo alemão do século VIII, se você tem consciência do que faz, e o faz usando o bom senso de homem livre, então você sabe que o melhor para você não deve causar danos aos outros. Em outras palavras, que a realização do teu desejo não prejudique os outros. E, dando mostras de seus progressos em termos de sensibilidade e humanidade, o professor compreendeu que esses outros  não significam apenas os sapiens, mas também os bichos. No caso desta história, os galináceos.
Hoje o galo não é apenas o dono do terreiro. Às cinco da madrugada inicia uma sequência de cantos. Além de pontual, exibe um potentíssimo gogó. Aos poucos seu canto desperta outros galos. O canto de um puxa o canto do outro, dando mostras de que estão sintonizados. Ensinam-nos uma lição: que sozinhos não bordamos uma nova manhã, a cada manhã.
Mas o reino animal tem suas surpresas e armadilhas. Gedeão e Gerusa correm perigo. Precisamos avisar o professor de que as raposas da praia estão à espreita. Por enquanto, com tantos turistas, comida é o que não falta. Mas quando o verão acabar...
Como na vida tudo se renova, o professor não se contenta em sentar na varanda dando milho aos galináceos, esperando mais e mais ovos e realizando a vontade de Deus: “Crescei e multiplicai-vos”.  Ele também planeja criar uma associação para cuidar dos bichos maltratados e abandonados da praia onde vive.

(Teco, o poeta sonhador, em: de bichos & gentes)


terça-feira, 9 de fevereiro de 2016

Você, um consumidor do bem


Você que vai ao shopping e aluga o mostruário. Observa linhas e curvas, ângulos e formas, do pescoço até a cintura.
Você, que parcela o dia-a-dia em fatias de açougue, mercado e farmácia, calcula o mês durante a noite, pra saber o quanto pode esticar o seu carnê.
Você, um consumidor do bem. Que não se cansa de vigiar e, se preciso for, acionar a polícia e o Procon.
Tens de deixar tudo em dia: IPVA, IPTU, vacinas e o Título de Eleitor, e sorrir para as câmeras que te observam nas esquinas.
Você, que se acostumou com a rotina e serve de exemplo e retidão. Para que tua vida continue tão bela quanto é, seja sério e fiel consumidor.
Você, que controla gastos, raiva, medo e frustrações, que desfila uma brisa de sabedoria, que troca o carro a cada final de ano, em quarenta e oito suaves prestações.
Você, que absorve a opinião pública, previsível, definitiva, com altas doses de senso comum.
Você, um consumidor do bem, que obedece às estatísticas. Não as reais, frustradas pelo acontecer, mas as projetadas pelos deuses do mercado econômico. Cresça, cresça, de preferência dois ou mais dígitos, até a morte te acolher.

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)


sábado, 6 de fevereiro de 2016

Ele se chama Pirapora - Rubem Braga

Chama-se Pirapora, o meu corrupião; eu o trouxe lá da beira do São Francisco muito feio, descolorido e sem cauda. Consegui uma licença escrita para poder conduzi-lo; apesar disso houve um chato da companhia aérea que implicou com ele na baldeação em Belo Horizonte. Queria que ele viesse no compartimento de bagagens, onde certamente morreria de frio ou de tédio. Houve muita discussão, da qual Pirapora se aproveitou para conquistar a amizade de um negro carregador, limpando-lhe carinhosamente a unha com o bico. Encantado com o passarinho, esse carregador me ajudou a ludibriar o exigente funcionário, e fizemos boa viagem.
A princípio eu me preocupava em saber o que o bicho comia. Hoje me pergunto o que ele não come. Carne de vaca; verduras, tomate, laranja, goiaba, miolo de pão, mamão, sementes, gema de ovo, palitos de fósforos e revistas ilustradas, praticamente tudo ele come. É mesmo um pouco antropófago, porque devora qualquer pedacinho de pele da mão da gente que descobre. Os alimentos mais secos ele os põe n'água e faz uma espécie de sopinha fria. Come e descome com uma velocidade terrível; tem um metabolismo alucinado, mas respeita rigorosamente a limpeza do canudo de palha em que mora. Adora tudo o que brilha, pedras preciosas ou metais, e fica bicando essas coisas com uma teimosia insensata, como a lamentar que não sejam comestíveis. Passa horas brincando com um pedaço de barbante, mas isso parece que lhe faz um pouco mal aos nervos. Peço às damas visitantes que retirem os anéis quando se aproximam da gaiola.

***
Agora ele está de rabo comprido, penas negras lustrosas e penas alaranjadas vibrantes de cor. Está realmente bonito, voa um pouco pela casa todo dia e toma banho duas vezes ao dia. Enfim, tenho todos os motivos para me orgulhar de meu corrupião; e devia estar contente. 
Mas a verdade é muito outra. Há um pequeno drama de família; estamos de mal.

***
Conheço muitas histórias de corrupião; corrupião que assobia o Hino Nacional; corrupião que só gosta de mulher, não tolera homem; corrupião que quando o dono da casa chega ele assobia até que abram a gaiola e ele pouse no ombro do homem; corrupião que passeia pelo bairro inteiro e volta para casa ao escurecer, etc.
O meu, não. Talvez a culpa seja minha, que o educo mal. Sei como deveria proceder com ele; movimentos sempre lentos, chantagem na base do miolo de pão, não lhe dando comida demais para que ele venha comer na mão; certa mistura de disciplina e carinho, sistema de prêmios e castigos. Enfim, aquele negócio dos reflexos condicionados.
Ele já estava bastante meu amigo quando cometi o primeiro erro; e ele reagiu. Afastava-se de mim; se eu aproximava o dedo, ele bicava com força. Despeitado com esse tratamento, eu devo ter sido um pouco brusco. Um dia em que ele não queria de jeito nenhum sair da gaiola eu o agarrei e o trouxe para fora à força. Não gostou.
O pior é que tomei gosto em irritá-lo. Estalo os dedos sobre sua cabeça, o que o faz emitir estranhos grunhidos, enchendo o papo de vento, esticando o pescoço e dando grandes assobios; fica parecendo um galo de briga; uma gracinha. Mas com essas provocações ele foi, devagar, devagarinho, criando um certo ódio de mim.
Não, ainda não será ódio. De outras vezes ele já levou um dia inteiro, até dois, sem me dirigir a palavra, e mesmo sem me olhar; mas logo o rancor sumiu de sua alminha leve, e voltamos às boas. Desta vez ele está há quatro dias completamente hostil, e minha presença o incomoda visivelmente. Por acinte trata bem qualquer pessoa estranha, o rufião. Mas creio que sua amizade é um bem ainda recuperável.
O pior é que eu digo essas coisas assim, mas no fundo sou um pouco rancoroso, e estou criando uma certa mágoa desse bicho ingrato que eu trouxe da roça para a Capital da República, até cheguei a ir à feira só para comprar comidinhas melhores para ele, dei gaiola grande e bonita, uma vez gastei oitenta cruzeiros de táxi só para vir em casa livrá-lo de uma chuva súbita. Não, não sei se ainda lhe tenho a mesma estima. Nosso último incidente foi há três dias, e ele ainda hoje à tarde me tratou com uma antipatia suprema e ainda por cima se desmanchou em graças e carinhos com o boy que veio buscar a crônica.
Acho que vou dar esse corrupião - ou despedir esse boy.

(Do livro, Para gostar de ler - volume 5 - Crônicas. Editora Ática)

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Amor, volto já


O pesadelo de hoje tem nome: Aedes Aegypti. De tanto povoar os noticiários, descoloriu minha vontade de ir pra rua viver o carnaval. Quase invisível, mas tenebroso, ameaça sequelar meus netos e filhos com o zika vírus.
O ministro telefonou pra dizer que conhece a realidade. E deu uma ordem: evitem que se espalhe esse monstro!
Porém, nesta semana o ministro e os mosquitos podem esperar. Amor, volto já. Vou me libertar desta aflição no carnaval, mesmo sabendo que o inseto pode me picar.
Meu pulsar se deixou seduzir pelo ritmo da bateria. Não, não quero perder o bonde da cultura popular. Perco o sono com medo de as novas gerações deixarem de ser gênios e se tornarem retardadas, se o mosquito não for banido da face da terra. Mas por estes dias mente e corpo expurgarão o tormento. Vou saltar pra rua, seguir o bloco da tradição e do inconsciente coletivo.
Ôpa. Meu Bloco de Concreto bateu de frente com um bloco mais prosaico: marmanjos vestindo fraldas geriátricas! E agora, como poderei me alegrar sem antes compreender singela iniciativa? Com suas fraldas, representam bebês ou velhinhos? Estão inaugurando ou no término da vida?
Um amigo diz que eles extravasam impulsos sexuais impublicáveis à luz do dia. Outro conhecido, pelo visto bem informado, diz que o grupo participa de um “Chá de beber” e que, se em Ijuí é novidade, é comum nas grandes cidades. 
Viram só tamanha criatividade? Aqui estamos nós imitando o que acontece em outros lugares!
Grande ideia. Comemorar uma gravidez, a chegada no mundo de um novo ser, reunindo um grupo de machos usando fraldas. Beber, beber, e depois desfilar pelas avenidas, num tremendo buzinaço. Já pensaram se, junto às buzinadas, acrescentarem um foguetório, espalhando o terror pra cima dos velhinhos doentes, bebês de colo e dos bichos, indefesos aos barulhos?

Amor, volto já. Vou ali tentar compreender a curtura popular.

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

Imagem do site http://revistadonna.clicrbs.com.br/comportamento-2/mulheres-no-carnaval-de-porto-alegre/.

domingo, 31 de janeiro de 2016

Desenhos na parede - Diana Corso



Não tenho tanto medo dos militares, nem dos políticos corruptos, quanto tenho da população simploriamente indignada e daqueles que manipulam esses sentimentos. Assusta-me a vontade que parece falar nas ruas de eleger alguém, aquele que estiver mais à mão, para odiar. Já vimos esse filme, quantas vezes? Quantas ainda o teremos que ver?
Ele seria um subversivo político somente na dimensão em que a liberdade de expressão fosse perigosa. Esse era o caso. Trata-se de um conto de Julio Cortázar que transcorre na Buenos Aires dos anos de chumbo, quando se desaparecia pela mínima discordância com aquela gente que a ditadura pôs no mando. A personagem fazia desenhos com giz de cera nas paredes. Eram imagens artísticas, por vezes até abstratas, mas diligentemente apagadas a mando da polícia. Arriscava-se muito, era uma espécie de paixão que lhe movia a vida: fazê-los depois visitá-los furtivamente para acompanhar o efeito que causavam nos transeuntes. Vê-los sendo apagados e insistir. Uma única vez pusera palavras: "me dói muito". Este foi removido com maior urgência.
Um dia, ao lado do seu, surgiu outro desenho. O traço era feminino, ele supôs. Por algum tempo comunicaram-se assim. Em geral, era ele que começava, ela respondia, uma dança na parede. Ele dedicava agora suas andanças furtivas a tentar surpreendê-la, sempre fracassando. Até o dia em que, obcecado por conhecê-la, expôs um de seus desenhos em um lugar mais visível e arriscado, onde podia ficar observando mais tempo à sua espera. Ela não pôde resistir ao desafio e foi pega. Ele não conseguiu ver mais que um cabelo e uma silhueta azul sendo colocada na viatura.
Uma triste história de amor desencontrada, mas linda e colorida. Retrata a obsessão dos regimes repressivos com o apagamento da poesia, da arte, da parte mais pulsante da vida nas ruas. A escuridão política começa com o enrijecimento das almas. A ascensão das piores ditaduras nasceu de disputas políticas, de crises econômicas, mas atendia ao impulso popular de simplificar a vida. É uma tentação eleger inimigos fáceis e sentir a satisfação de eliminar todos aqueles que forem apontados como discordantes. O obscurantismo nasce também da preguiça do pensamento.
Após todos estes anos de democracia, mesmo a nossa, com inúmeros defeitos e trejeitos inaceitáveis, voltei a temer novamente pela poesia dos desenhos na parede. Não tenho tanto medo dos militares, nem dos políticos corruptos, quanto tenho da população simploriamente indignada e daqueles que manipulam esses sentimentos. Assusta-me a vontade que parece falar nas ruas de eleger alguém, aquele que estiver mais à mão, para odiar. Já vimos esse filme, quantas vezes? Quantas ainda o teremos que ver?
O conto Grafitti é uma história de amor das antigas, daquelas em que os amantes nunca se tocam. Eles apenas se rondam, desenham e se excitam com o mistério. O perigo que nos ronda agora, que parece estar excitando a tantos, é de colocar no poder os que apagam a poesia das paredes, do mundo, do amor. Me doeria muito.
(Zero Hora, domingo, 31/01/2016)

sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

baixando as armas


As meninas apresentam suas armas:
o bumbum arrebitado
as cores transparentes
os cabelos avoados.
Os meninos apresentam suas armas:
o carro rebaixado
o som atordoado
o álcool pra soltar.
As meninas e suas credenciais:
grita o corpo seminu
e a boca silencia
nas altas doses de batom.
Os meninos e suas credenciais:
o corpo acadêmico
é a potência do seu som
e a palavra se esvazia
com o ronco do motor.
Daqui desta sacada, cansei de armar minha palavra, como o bote da serpente e o olhar do boxeador. Cansado de ter a língua afinada, a palavra vomitada antes de sentir amor. Aqui nesta sacada, saquei a emoção fingida, a razão idolatrada, não mais quero disparar e causar tamanha dor. É hora de baixar as armas e recuar...
E voltar a sonhar...
Que as gurias querem flores e poesia, palavras sussurradas com sentido, transar a vida com perfume e conteúdo, tudo, tudo, sem buscar a mera utilidade ou qualquer outro reflexo... Tudo, tudo, antes da produção em série, bombada, idolatrada, do sexo.


(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

quinta-feira, 28 de janeiro de 2016

Margem de erro


- E a garota fake, novidades?
- Quando li estes versos, pensei nela:

Ela é uma mina versátil
o seu mal é ser muito volúvel
apesar do seu jeito volátil
nosso caso anda meio insolúvel
                                         (Chacal)

- Acho que você pensa demais nela. E fica idealizando como ela deveria ser, conforme teus sonhos. Pare de exigir demais, de ti e dos outros! Na vida a gente erra e acerta, acerta e erra...

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

segunda-feira, 25 de janeiro de 2016

Não sei de onde ela veio


Minha alergia atravessou a rua
e se instalou por toda a pele
foi a surpresa de janeiro
igual calor e Big Brother.
Será que as férias me deixaram estressado,
coçando as bolas e cheio de ansiedade?
Eu fui à procura dela
mas não sabia que era sarna pra coçar
agora todo mundo sabe
que eu estou viciado em farmácia!
Diga, espelho meu:
há na cidade um lazarento como eu?!
Não sei de onde veio essa alergia: bicho, planta ou mordida de inseto... Só sei que coço as dobras dos braços e joelhos, e desconfio de toda a vida que passa perto. O pó dos móveis, o clima seco, o desfile frequente das baratas pelos cantos. Todo mundo ri, feliz, nas melhores praias, em viagens de fazer sonhar. E eu aqui, sem intuição e imaginação, passo o dia todo a me coçar!

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

domingo, 24 de janeiro de 2016

Rádio Batuta


Vai o link de um site com literatura em voz alta. Ouvir poesia, crônica e outros textos em voz alta é uma experiência gratificante. Vale a pena experimentar...

http://www.radiobatuta.com.br/Episodes/view/210

segunda-feira, 18 de janeiro de 2016

Xantipa me adotou


Quando ela me adotou, estava desanimado, gordo e sem autoestima. Não vislumbrava qualquer perspectiva a respeito do futuro. Viciado em smartphone, facebook e watshapp, demorei para descobrir que a serventia destas ferramentas digitais era nos distrair daquelas coisas que realmente são interessantes.
Se na primeira vez que ela veio senti algo estranho, por ela ser magricela, descuidada e sozinha, já no dia seguinte invadiu-me um sentimento de culpa por não lhe servir ao menos um prato de comida.
Com o passar dos dias mapeei seus pontos fracos. Bastou acariciar seu pescoço e seios. Tinha no olhar e no jeito de se comportar a súplica por um carinho. Vacilei... Mas o que pode fazer um poeta diante de uma gata tri-liberal?
Mão-de-vaca, comecei a fazer cálculos, relutante em sustentar a gatinha com cama, mesa e banho, remédios e vacinas. Até duvidei de sua fidelidade, pois tinha hábitos noturnos, como outras gatas por aí. Porém, embora capitalista insensível, à noite matutei sobre o nome que lhe daria.
Sim! A batizaria de Xantipa. Era como se chamava a esposa do filósofo grego Sócrates, o qual preferia estar no meio de jovens, discípulos e amigos, em vez de cuidar da mulher e dos filhos. É compreensível, pois ele tinha lá sua missão...
Lembro de um tio que era apaixonado por uma loira de olhos azuis. Toda noite ela o procurava. Cúmplice, ele deixava aberta a basculante do banheiro, e ela adentrava pra lhe fazer companhia e alegrar o seu lar, bebericando uma taça de leite. Filósofo, meu tio homenageou sua loira com o nome da esposa de Sócrates. Histórias sempre se repetem e também acabam no final. Xantipa, companheira de meu tio, da mesma maneira que o filósofo Sócrates, morreu por causa do veneno.
Um acontecimento me deixou espantado, e fez com que mudasse meu conceito a seu respeito. Certo dia servi-lhe iscas de tilápia. Tive a intuição de que ela adorava peixe. Para minha surpresa, ela não comeu. Mas bastou uma distração e ela recolheu a comida e se deslocou para um lugar qualquer. Matutei: será que tinha filhos? Até desconfiava, pois suas tetinhas andavam meio caídas. Três criaturas brotaram do escuro da noite. Observei, de longe, para não espantar a novidade que surgia diante dos olhos.

Eu não conquistara apenas uma gata. Era ela e três filhotes. Mas eis que, agora que todos fomos apresentados, surge o primeiro drama. Durante o ano planejei uma viagem. Mochila às costas, pouca grana, vontade de conhecer uma aldeia qualquer. Adiando o sonho maior de juntar grana suficiente para conhecer Atenas, a cidade onde o grande filósofo fez história... E agora, enquanto eu viajar, quem vai alimentar e matar a sede de Xantipa e suas crias?

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...