Os tamancos
coloridos
de Ana Laura
são pernas de pau
que passeiam no circo,
ou são asas que querem
alcançar a torre do céu?
Volte aqui, menina
dos tamancos esquisitos!
Leve-me contigo
pra eu ver, lá do alto,
as peripécias do amor!
A noite me diminui
(Manoel de Barros)
Quando a noite chega
e falta a luz
reviro gavetas
atrás de velas
lanternas e pilhas.
Sou anão
e não consigo viver
heróis e vilões
que ganham a noite.
A chama da vela
espanta os mistérios
- deixo pro sonho delirar
na hora de dormir.
Sei, não estou
crescido o suficiente
para brincar
a travessura da noite.
Não somos o cavalo do mocinho
nem príncipes e tantos outros
personagens de aventura.
Agora damos de cara
com tantas histórias
de contos de fadas
princesas encantadas
lobos e três porquinhos
vovós e chapeuzinhos
maçãs envenenadas
e anõezinhos...
Não vale mais a pena
lutar, dia após dia,
com o dragão que prendeu
a princesa na torre do castelo...
- Não é mesmo? -
Vou brincar com palavras
seja de noite, seja de dia,
e enganar minha fantasia!
Meu pai tem que usar óculos para colocar a isca no anzol. Mas gosta cada vez mais de pescar.
Meu pai não lê as bulas de remédio, mas sabe de cor a maneira mais saudável de se alimentar.
Meu pai tem olhos perfeitos para enxergar longe, mas às vezes tropeça e se confunde com o que está debaixo do seu nariz.
Meu pai já teve mais paciência com seus amigos, mas continua a abrir as portas para eles.
Meu pai vive chamando a atenção sobre o certo e o errado, mas agora, acho que de tanto ler os jornais, silencia e aceita as coisas erradas dos governantes, que ele ajudou a escolher.
Fico orgulhoso do esforço de meu pai, embora muitas vezes ele se preocupa demais com o futuro, e esquece das coisas do presente.
Meu pai é meio distraído, ou finge não perceber tanta coisa que se passa comigo. Finge, sim! Porém, ator de tantas promessas e trapalhadas, meu pai é o melhor pai do mundo!
Ah, ia me esquecendo: mesmo distraído pra tantas coisas, meu pai nunca deixou de sonhar!
Limerick, em inglês, é o nome de um poema bem-humorado, feito de cinco versos. Os dois primeiros versos rimam com o último, enquanto o terceiro e quarto versos, mais curtos, rimam entre si. Um dos grandes expoentes nessa arte foi o inglês Edward Lear (1812-1888), mas quem fez com que o limerick se tornasse limerique mesmo, em português, foi Tatiana Belinky.
Uma das personalidades literárias mais conhecidas no Brasil, Tatiana Belinky nasceu em 1919, na Rússia, e chegou ao nosso país com dez anos de idade. Além de traduzir clássicos como Tolstoi e Tchekhov, criou e adaptou para a televisão inúmeras obras de literatura, dentre as quais se destaca a série O Sítio do Pica-pau Amarelo. É autora de mais de cem livros.
Sou um infeliz baderneiro.
Só quero fugir bem ligeiro:
Me mandam pra Marte
Ou pra qualquer parte
- Não sei para onde ir primeiro!
Comigo até a dona Marta
Brigou:- Eu de ti já estou farta!
Me deixa em paz
E suma, rapaz:
- Vai para o raio que o parta!
Eu acho o Janjão meio insano!
Com suas orelhas de abano
Em cima da hora
Mandou-me embora
Urrando: - Vai carregar piano!
As coisas comigo são chatas:
Até três simpáticas gatas
Mostraram-se bravas.
Mandaram-me às favas:
- Babaca! Vai plantar batatas!
Não sei se eu fico ou se chispo,
Não sei se me visto ou me dispo,
Quando o delegado,
Um tanto entediado,
Me diz: - Vai se queixar pro bispo!
Só espero um dia que chegue
Que eu possa montar no meu jegue
E todos aqueles
Mandões, todos eles,
Mandar: - Pro diabo que os carregue!
JARDINS – baseado numa crônica de Rubem Alves
Para Bachelard, "o universo tem, para além de todas as misérias, um destino de felicidade. O homem deve reencontrar o paraíso". Será que Deus, diante da escuridão e da confusão que era o universo, não sonhou com o paraíso (o seu jardim), repleto de cheiros de flores e ervas? Dizem os textos sagrados que as coisas que rodeavam Deus deixavam-no triste. "Foi então que ele sonhou com um jardim e compreendeu que era aquilo que o deixaria feliz, se existisse. E se pôs a trabalhar para plantar um paraíso. Terminado o trabalho, o Criador descansou, e se entregou ao puro prazer. Viu que tudo era muito bom (...) e resolveu que lugar melhor para se morar que um jardim não existe. E lá ficou, tomando prazer especial em passar em meio às plantas, à hora da brisa quente da tarde" (Rubem Alves).
Sonho com um jardim, e esse é um sonho apenas meu, resultado das lembranças plantadas dentro de mim, parentes das minhas saudades. Tudo isso para ressuscitar "o encanto dos jardins passados, de felicidades perdidas, de alegrias já idas". Todos sonhamos com um jardim. "Em cada corpo, um Paraíso que espera..."
Nos sonhos fundamentais da humanidade não havia todo o artificialismo que hoje impera. Os metais, a eletrônica, não podem roubar de nosso imaginário as florestas, as fontes, os campos, as praias, as montanhas. E também nosso mundo interior não pode se tornar metálico, sideral, vazio...
Disse o místico medieval Angelus Silésius:
Se, no teu centro um Paraíso não puderes encontrar, não existe chance alguma de, um dia, nele entrar.
O poema de Cecília Meireles revela nosso lugar e nosso destino:
No mistério do Sem-Fim, equilibra-se um planeta. E, no planeta, um jardim, e, no jardim, um canteiro: no canteiro, uma violeta, e, sobre ela, o dia inteiro, entre o planeta e o Sem-Fim, a asa de uma borboleta.
Somos a borboleta. E nosso destino, um jardim.
(Alves, Rubem. O Retorno e Terno - Crônicas).
O que fazer para nos conhecermos melhor? Nos últimos séculos as ciências desbravaram imensos territórios, na busca pelo conhecimento. Um dos territórios investigado foi o da subjetividade, cabendo às psicologias e à psicanálise essa tarefa.
Costuma-se dizer que os outros auxiliam na compreensão de nós mesmos. Seus comentários podem iluminar nossos auto-julgamentos. Bem, desde que tenhamos coragem de nos voltarmos para nós mesmos!
No livro de Valéria Belém, Vê é uma caixa, algumas crianças resolvem fazer uma brincadeira: comparar seus colegas e amigos com objetos. “Vê é uma caixa, Mauro é puro livro, pois está sempre cheio de histórias, e Diná é como um chiclete”. Como reagiu cada um, ao ser comparado com TAL objeto? Vê, passado o susto, decidiu assumir “seu jeitinho caixa de ser”. Foi além: começou a fazer caixas, para dá-las de presente.
Essa atitude desencadeou uma série de eventos afetivos nas pessoas que eram de seu convívio. “Todos a-ma-vam” os presentes que recebiam, inclusive uma mulher mal-humorada, que morava na rua da escola e que tinha um jardim. “Tanto azedume não combinava com flores perfumadas!” (p. 18). Bastou ela receber de presente uma caixa, do formato e do tamanho de uma chave, que seu coração se abriu.
Essa história nos permite questionar a respeito de quantos sentimentos e emoções trancamos na nossa caixa interior, o nosso coração, e que deixamos de dividir, perdendo a oportunidade de fazer novas amigos, seja no trabalho, nas escola ou até nossos vizinhos.
Os livros também são caixas que, ao serem lidos, nos presenteiam com aventuras, dramas, suspense, comédias, tragédias... São “caixinhas de surpresa” que vão abrir, não apenas nosso coração, mas também a nossa mente. “Caixinhas de surpresa” podem ser também as pessoas, pois suas atitudes deixarão de lado a indiferença, alterando a ordem dos acontecimentos, como fez VÊ, na história de Valéria Belém.
Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...