sexta-feira, 7 de outubro de 2016

Alunos do IFF de Santo Augusto/RS




Para o esclarecimento da população, nós da organização estudantil do Instituto Federal Farroupilha vamos expor de maneira simples os motivos da mobilização que estamos promovendo, para que todos entendam. Nossa mobilização é contra medidas tomadas em relação ao futuro da educação, que nos últimos meses estão se provando um retrocesso de cerca de 52 anos. Em especial, protestamos contra a PEC 241, que será votada no dia 10/10/2016 na Câmara dos Deputados Federais, que tem como objetivo estagnar investimentos em saúde, educação e outras áreas fundamentais. Quando falamos que lutamos por um ensino público e de qualidade, não estamos dizendo que o ensino do IF é desqualificado ou ainda reclamando de nossos professores. Pelo contrário, por estudarmos em uma instituição de qualidade acadêmica e com ótimos professores, que temos visão para lutar não apenas pelo que nos afeta diretamente, mas também por ações que prejudicam a todos os cidadãos, pois somos impulsionados a pensar e nos colocar no logar do outro. E sim, como estudantes não podemos aceitar que a educação e outras áreas fundamentais paguem a conta de uma crise que está evoluindo a décadas. Acreditamos que há medidas que possam ser tomadas que não afetam a população brasileira. Há lugares onde é possível cortar custos e onde ninguém comenta em cortar... Nós estudantes somos representantes de nossas famílias, amigos e povo brasileiro, independente de partido político e base ideológica. Esclarecendo, por fim, que a organização e iniciativa de realizar a manifestação partiu exclusivamente dos ALUNOS do campus. Os professores e a direção foram avisados de nossa mobilização e se mostraram favoráveis ao ato. Os mesmos não interferiram no desenvolvimento e tomada de decisões. As decisões foram tomadas por uma organização estudantil formada por ALUNOS, que se sentiram tocados pela atual situação do país. Portanto, a mobilização e quaisquer prováveis repercussões são de total responsabilidade dos ALUNOS.

quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Um conto mínimo - Heloisa Seixas


Há alguns anos, um avião japonês sofreu uma pane a dez mil metros de altura. Todo o sistema entrou em curto e os motores simplesmente pararam de funcionar. O avião começou a cair. Mas não se descontrolou, não deu reviravoltas no ar, nem se partiu em pedaços ou pegou fogo. E isso foi o mais terrível. Simplesmente começou a cair – lentamente.
Descia quase flanando, com suavidade, embora mergulhasse de forma inexorável rumo ao choque com o chão. E, enquanto isso, todos a bordo viviam, durante vários minutos, a angústia da morte próxima. Se não me engano, foram vinte minutos. Vinte minutos de espera até a explosão final.
O que faziam, o que será que pensavam? Alguns com certeza entraram em pânico, outros, paralisados de medo, na certa rezaram. Outros, ainda, bêbados de terror, devem ter falado alto e até cantado.
Mas depois, quando tudo estava terminado, uma surpresa: as equipes de resgate encontraram, entre os destroços calcinados, pedaços de cadernetas e até guardanapos com anotações de vários passageiros, que tentaram registrar aqueles minutos terríveis ou deixar uma última mensagem, como se fossem náufragos, condenados e sem esperança, numa ilha deserta.
Na época, li com arrepio o noticiário sobre o assunto, e até hoje sinto um frio na espinha quando penso no que podem ter sido aqueles momentos finais. Lembro-me também que o impulso daquelas pessoas – de, diante da morte, procurar deixar alguma coisa escrita – foi comparado ao dos artistas da humanidade: escritores, pintores, músicos, todos os que tentam, através da arte, deixar marcas de sua passagem sobre a terra, na esperança, quase sempre vã, de driblar a finitude da vida.
É a pura verdade. Somos todos – não só artistas, mas todos nós – como aqueles japoneses desesperados. Vivemos tentando deixar nossas pegadas, apressados entre o início e o fim da viagem, sem saber ao certo o que acontecerá. E a vida passa num sopro, uma rajada, não dura mais do que alguns minutos diante do arco da eternidade.
A vida é um conto mínimo.
(Do livro Contos mínimos. Editora Best Seller)

Myrna pergunta: sua alma é imortal? - Nelson Rodrigues

O texto sugere que Nelson Rodrigues acredita na alma imortal. Assim sendo, levaremos para a "nova" vida nossos sentimentos essenciais e, sobretudo, um sentimento essencialíssimo, como é o amoroso.
para Nelson Rodrigues, nossa personalidade, nosso "eu" único e inconfundível, são os nossos sentimentos. Se por algum motivo perdêssemos os nossos sentimentos, seríamos como um Frankenstein. Disso ele conclui que, "na hipótese de ser a alma imortal, são imortais, também, certos sentimentos".
Porém, diz ele que "na terra sentimos coisas que não interessam, que não exprimem o nosso 'eu' profundo e eterno, coisas, enfim, que podemos abandonar (...). É justo, assim, que cheguemos à outra 'vida' despojados dessas coisas de superfície. Mas no amor, não (...). O homem que, na passagem da vida para a morte, perdesse o amor, teria perdido, também, sua alma".
Até que ponto Nelson Rodrigues fala "sério" ou está blefando, já que Myrna é sua criação, sua ficção, seu pseudônimo?

(Do livro Não se pode amar e ser feliz ao mesmo tempo - consultório sentimental. Companhia das letras)

quarta-feira, 5 de outubro de 2016

Nuvens - Álvaro de Campos



No dia triste o meu coração mais triste que o dia... 
Obrigações morais e civis? 
Complexidade de deveres, de consequências? 
Não, nada... 
O dia triste, a pouca vontade para tudo... 
Nada... 

Outros viajam (também viajei), outros estão ao sol 
(Também estive ao sol, ou supus que estive), 
Todos têm razão, ou vida, ou ignorância simétrica, 
Vaidade, alegria e sociabilidade, 
E emigram para voltar, ou para não voltar, 
Em navios que os transportam simplesmente. 
Não sentem o que há de morte em toda a partida, 
De mistério em toda a chegada, 
De horrível em todo o novo... 

Não sentem: por isso são deputados e financeiros, 
Dançam e são empregados no comércio, 
Vão a todos os teatros e conhecem gente... 
Não sentem: para que haveriam de sentir? 
Gado vestido dos currais dos Deuses, 
Deixá-lo passar engrinaldado para o sacrifício 
Sob o sol, alacre, vivo, contente de sentir-se... 
Deixai-o passar, mas ai, vou com ele sem grinalda 
Para o mesmo destino! 
Vou com ele sem o sol que sinto, sem a vida que tenho, 
Vou com ele sem desconhecer... 

No dia triste o meu coração mais triste que o dia... 
No dia triste todos os dias... 
No dia tão triste... 

Álvaro de Campos, in "Poemas" 
(Heterônomo de Fernando Pessoa) 

A poesia já esteve, ou ainda está na moda?



"Nos anos 70, no Brasil, a poesia estava na moda, como disse Mário Quintana. 
Nunca se viu tanta gente poetando. Ou nunca se viu tanta gente mostrando, já que fazer poemas é vício secreto próprio da adolescência, nas classes alfabetizadas. Quem, aos dezessete anos, não tinha um caderno com seus pensamentos mais recônditos e preciosos, o incomunicável caderno de autoconfidências e dos impulsos inconfessáveis?
Não duvido que é aí que a literatura começa.
Mas não é aí que ela acaba.
Cedo, lendo a gente descobre, lá fora existe, não apenas um mundo mas também uma literatura, um universo feito de palavras, frases perfeitas, enredos inesquecíveis, versos definitivos, 'performances verbais' tão vivas quanto a própria vida, e que sobrevivem à própria morte do autor.
Se nosso negócio é palavra, é nesse mar que a gente tem que entrar" (Paulo Leminski).

terça-feira, 4 de outubro de 2016

O homem das palavras - Affonso Romano de Sant'Anna


De Aurélio Buarque de Holanda, que nos deixou esta semana, guardo algumas lembranças. Todas alegres.

Uma vez, por exemplo, estávamos num congresso de escritores em Brasília. Assentados no auditório ouvíamos as doutas palavras que eram ditas no palco onde alguém proclamava as virtudes de um texto literário. A rigor, o texto em questão era a Canção do Exílio, de Gonçalves Dias, que até dez anos atrás todos os brasileiros sabiam de cor, não exatamente por causa da ditadura mais recente, mas porque era texto que aparecia em todas as antologias escolares. 

Quem tem mais de trinta anos e estudou português e não a famigerada comunicação e expressão se lembra dos primeiros versos:

Minha terra tem palmeiras

Onde canta o sabiá,

As aves, que aqui gorjeiam,

Não gorjeiam como lá.

Pois bem. Lá ia o expositor à mesa ressaltando que a grande força deste poema estava no fato de que era um texto sem qualquer adjetivo. Disse isto, conferindo tal observação ao grande Ayres da Matta Machado.

Mal se pronunciou esta frase, ouviu-se do fundo do auditório um vozeirão contestando e reclamando:

– Perdão, mas esta ideia é minha.

A plateia voltou-se estupefata. Era Mestre Aurélio, que levantando-se da poltrona e encaminhando-se desassombradamente para o palco continuou falando:

– Sim, esta ideia é minha. Tive poucas, não sei se terei outras e tenho que defendê-las.

Isto posto assumiu seu imprevisto lugar à cabeceira das ideias e fez um brilhante aparte que virou uma conferência.

Outra estorinha sobre Aurélio já é clássica. Tendo que ir à Academia, uniformizado com espada e chapéu, ficou ali na Glória aguardando táxi, até que um parou. O motorista fascinado com a sua indumentária, olhando pelo retrovisor, de repente indagou:

– Ainda que mal pergunte: sois algum reis?

A construção da frase era estranha, mas o motorista estava jogando até com a possibilidade de "folia-de-reis" tendo em vista a semelhança entre a fantasia dos acadêmicos e a do folclore. Aurélio explicou que não, falou da Academia. O chofer não entendeu muito bem. Mas quando Aurélio lhe pediu para se apressar, porque estava atrasado, o outro atalhou confiante: 

– Pode deixar, doutor, que do jeito que o senhor está vestido, nada começa antes do senhor chegar.

05/01/89

(SANT'ANNA, Affonso Romano de. Porta de colégio e outras crônicas. 2. ed. São Paulo: Ática, 1997. p. 53-56. Coleção Para Gostar de Ler. 16 Vol.)

sábado, 1 de outubro de 2016

Ah, o amor!


Parece que o amor tem uma energia que flui do universo, como a música de Boccherini. Deixemos que verta ao natural, em vez de prendê-lo num campo de concentração, onde todos estamos vigiados e recebendo uma dose mínima de afeto.
(Diário de B. B. Palermo)


Memória de minhas putas tristes - Gabriel García Marquez


Nunca me deitei com mulher alguma sem pagar, e as poucas que não eram do ofício convenci pela razão ou pela força que recebessem o dinheiro nem que fosse para jogar no lixo. Lá pelos meus vinte anos comecei a fazer um registro com o nome, a idade, o lugar, e um breve recordatório das circunstâncias e do estilo. Até os cinqüenta anos eram quinhentas e catorze mulheres com as quais eu havia estado pelo menos uma vez. Interrompi a lista quando o corpo já não dava mais para tantas e podia continuar as contas sem precisar de papel. Tinha minha ética própria. Nunca participei em farras de grupo nem em contubérnios públicos, nem compartilhei segredos nem contei uma só aventura do corpo ou da alma, pois desde jovem me dei conta de que nenhuma é impune.

(Do livro Memória de minhas putas tristes. Editora Record)

sexta-feira, 30 de setembro de 2016

O amor, ah o amor


O amor não se deixa aprisionar, por isso é uma peça estranha no  jogo da vida!

(Diário de B. B. Palermo)

quinta-feira, 29 de setembro de 2016

Algo mais sobre o amor


O amor é uma promessa que não se cumpre e só por o ignorarmos acreditamos nas suas juras, entregamo-nos a elas, como se do sentimento ou da vida se pudesse dar ou ter garantias. Indissociável do ódio, o amor o é ainda de uma outra paixão humana, a paixão tão humana da ignorância.

(Betty Milan. O que é o amor).


Visão machista do amor?

"Lá pras bandas onde eu nasci
já se falavo do amô:
todas as boca dizia
que era farso e matadô
"nas marvadage do Amô
não há cabra que não caia
quando o diabo tira a roupa,
tira o chifre e tira o rabo
pra se vestir c'uma saia"
(Catulo da Paixão Cearense)


Carpinejar


A loucura exige disciplina para não ser vista.

(Do livro Caixa de sapatos. Companhia das letras)

terça-feira, 27 de setembro de 2016

Doutor, a Ninfa disse que sou sensitivo


Quando estou mais pra lá do que pra cá, Doutor, parece que nasce um cara sensitivo.  Isso me assusta, e então largo da bebida por alguns dias, faço meditação e bebo litros e litros de água, até me reencontrar (não, não, Doutor, eu não quis dizer “reencarnar”). Sempre desconfio da veracidade das informações de muitos sites que pesquiso no Google. Até que possuo algumas características de sensitividade, mas não passam de palpites, como no caso do “mistério” e do que chamam de “sobrenatural”.
Duas semanas atrás aconteceu algo que me deixou mais perplexo do que assustado, daí desconfiar dessa estranha sensibilidade. Uma amiga da Ninfa dos lindos olhos suicidou-se. O fato me chocou, não por conhecê-la pessoalmente, mas por compartilhar as dores e o luto da Ninfa. A garota trabalhava num escritório que fica na avenida que atravessa a cidade de norte a sul. Soube da tragédia através de uma postagem que a Ninfa fez no facebook. Era final de tarde e a notícia baqueou meu peito, tanto que providenciei papel e caneta e corri até o bar mais próximo. Embora não tivesse bebido e usado drogas, minhas mãos tremiam. Escrevi um poema que dizia mais ou menos assim: 
Não sei quem está numa melhor. Eu aqui, me entorpecendo de cerveja, ou ela dormindo a algumas horas no caixão, pra nunca mais acordar. Eu, com medos e incertezas, ela despedindo-se do contato com as manhãs, noites de insônia e lua cheia./ Os comerciais de TV mostram jovens brancos, alegres, sarados e saudáveis. A felicidade, na tela, se expande com sorriso fácil. / Pouco sei de suas vidas, se visitam farmácias, se perdem o sono de madrugada. Não levo a sério o mundo que me vendem, até porque as coisas que me pedem pra comprar, como entorpecentes, não garantem mais do que meia hora de euforia. / A garota morreu.  Tantas vezes passei em frente ao seu trabalho com a esperança de ser notado por ela, jogando na sorte de que seu olhar me encontrasse.
nunca saquei (como poderia adivinhar?) que seu sorriso e atenção não resumem a essência de uma pessoa, nem tudo que se agita no seu mundo interior.  / Agora sei que existe muito mais vida nos silêncios de uma princesa. / Sei que abrir mão da vida talvez não seja um ato de coragem. Mas estou apegado às verdades do senso comum. É mais fácil rastejar na trilha segura do cotidiano do que pensar nos fios tênues que nos sustentam sobre o abismo.  / E acreditamos que a angústia, a tristeza e os gestos desesperados só acontecem com os outros. / Muitos me convidam para viajar, conhecer outros povos, estudar outras línguas. Estou convencido de que não devo estacionar neste lugar. / Mas hoje, ao saber de sua partida, acendeu uma luz: o mais importante, mais do que tudo, é buscar conhecer meu mundo interior”
.


Doutor, houve muitos comentários e informações exageradas a respeito do fato. Bem, vou contar o que me deixou perplexo. Semana passada, depois que o primeiro bar fechou, em torno de uma da madrugada, eu e alguns amigos fomos beber e jogar sinuca num desses points que funcionam a noite toda. Acontece que eu tinha bebido muito e, lá pelas quatro da manhã, senti uma necessidade de voltar para casa, como se fosse um alerta ou algum “sinal de segurança”. Fiz de conta que ia ao banheiro e me aventurei sozinho pela avenida deserta rumo de casa. Doutor, a garota enforcou-se numa construção abandonada ao lado do prédio onde trabalhava. Ao passar por ali ouvi um estouro, como se fosse uma bomba. Apavorado, perguntei a mim mesmo “caralho, o que foi isso?”, “de onde saiu esse estrondo?”. Apressei o passo e me dei conta de que a embriaguez havia passado. Me perguntava: “Será que existem mesmo espíritos?” Contei o episódio à Ninfa dos lindos olhos e ela disse CA-TE-GO-RI-CA-MEN-TE que sou sensitivo.
Doutor, será que me impressiono porque não sou mais garoto? Desde que fiz algumas leituras, principalmente de Nietzsche e Sartre, me considerava um niilista. Isso, se o cara morreu, tudo acabou. Agora que me aproximo do limbo, que já estou me acostumando com a ideia de ser um jovem velho, bêbado e escroto, vejo meu coração derreter como manteiga. Ou isso tem relação com a minha facilidade em idealizar o amor e captar as emoções, que sempre andam “à flor da pele”? Hum... voltou a lembrança de minha infância e adolescência e os mandamentos da igreja católica. Caramba, Doutor, por que essa tábua de valores, como se fosse a cruz que Cristo carregou, me acompanha até hoje? Ou quem sabe pago, com altos juros, os diversos pecados que cometi com namoradas quando tinha uns vinte anos de idade? Não, Doutor, não chegam a ser fantasmas de arrepiar os pelos. Creio que não valeria à pena contar. Tudo bem, vou narrar pro senhor assim bem por alto. Perto da casa onde nasci e cresci, um vilarejo de famílias trabalhadoras, dóceis e obedientes, há uma gruta que faz companhia a uma linda cachoeira. A paróquia da cidade, muito católica, nomeou pra essa gruta uma Santa Padroeira – a Santa Bárbara. Todas as vezes que minhas namoradas vinham visitar meus familiares eu as levava para conhecerem a gruta, um dos poucos lugares turísticos da região. Além do encantamento com a beleza do lugar, e após contar um pouco a história daquela gruta, inclusive algumas lendas quando a região era habitada por indígenas, eu me esforçava para que rolasse um clima sensual. Está bem, vou abrir o jogo, Doutor: transávamos diante de uma legião de estátuas, santas e santos, de velas acesas por pagadores de promessas, e sob o olhar sereno e complacente da santa padroeira. Quando eu levava as namoradas para conhecerem a gruta realizava tudo quanto pedi na adolescência, após descobrir as maravilhas que uma pica proporciona. Foram dezenas de novenas e pedidos realizados diante da santa. Sim, os adultos, submissos e crentes, pediam para que chovesse depois de seca, ou pediam uma farta colheita, ou boas vendas no comércio. Meus pedidos eram menos grandiosos, orbitavam em torno de genitálias, bundas e peitos. Me diz, Doutor, qual o pecado de se viver a juventude “como se não houvesse amanhã”, e aproveitar o dia (carpe diem) como se fossemos (e éramos) uns punheteiros meio “poetas mortos”?


(Diário de B. B. Palermo)

quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Precisamos falar sobre o voo do pavão


Você quer falar sobre pássaros. É que você ficou admirado com o voo do pavão.
Você quer falar sobre carros. Você quer falar de negócios imobiliários. Mas a conversa se distrai e desliza para a notícia do site, de que nossa correta cidade viveu mais um suicídio.
Não é notícia qualquer, como o acidente do carro ou da motocicleta, ou do bandido preso. Mesmo banalizada, não é a notícia de todo setembro, da Chama Crioula acesa, do aumento da cesta básica, da ameaça de geada para o nosso lindo e frágil trigo.
Você quer falar de pássaros. Não do voo, mas sim da troca de plumagem e das lições que podemos tirar de um recomeço.
Você quer falar do olhar daquele menino ou da pré-adolescente. Quando você olha com mais cuidado, além da cor, há alegria, tristeza ou algo indiferente. Não esqueça que ágeis bailarinas fazem suas performances nas retinas.
Você quer falar do ciclista que aproveita o início do crepúsculo depois do dia de trabalho. Da maratona do casal que a cada primavera decide entrar em forma.
Você pode falar dos pacotes que planeja para o final do ano e o verão.
Mais do que tudo, fale, fale, para ter mais leveza do que o voo do pavão.
Fale, fale muito, até pra soltar os nós que te prendem a garganta.
Se, além de falar, aquilo de que falas fizer eco em teus ouvidos, a ponto de te dar alguns sustos e a bússola apontar um recomeço, perceberás então que és mais do que papagaio, superarás a inteligência para viver sentimentos.
Você pode falar de como foi importante a atenção daquela garota. Se para ela não custou nada, para você abriram-se clareiras emocionais. Mesmo que tua palavra te pareceu ridícula, não se dissipou com o vento norte, que anuncia ventanias e trovões.
Fale, fale em diferentes lugares, para além dos teatros da vida onde usamos coleira e estamos amarrados porque dizem que “é assim que deve ser”.
Talvez o pavão seja lindo não porque possa voar, mas por ter uma bela plumagem. Talvez ele nos fale com as cores que exibe e não com o seu voo. Precisamos ficar atentos quando o pavão silencia e decide voar, pois ele pode despencar em direção ao abismo.
Você precisa falar. Mas não esqueça de que, em certos dias de ventos fortes, as pessoas também precisam de teus ouvidos.


(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...