terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

DE MÉDICO E DE LOUCO

Se baixo a guarda,

eu fico louco!

É que estou cercado de gente

arrotando certezas

a partir de suas leituras bíblicas,

ou de ciências e psicologia,

adoçadas pelo senso comum.

É de chorar bater de frente

com a vontade de falar

desses infelizes.

 

Empresto meus ouvidos, digo sim.

A cabeça vai perambulando

como balão desgovernado.

Desejos insanos que fizeram Bodas de Ouro

aguardam sobre estantes,

repletos de pó e vontade louca

de compartilhar suas balelas.

 

Haja psiquiatras e psicólogos,

haja padres, pastores e pessoas humildes

e sua paciência para deixar seu cérebro

ser encharcado por nuvens de delírios.

 

Você já esqueceu em que lugar se escondem

as minas prontas para explodir.

É lunático tentando persuadir lunático,

psicótico convencendo neurótico...

Você sofre de insônia e tenta adivinhar

em qual ala psiquiátrica qualquer dia vai pousar.

É que somos um bando de malucos

batendo asas e indo

a todo e nenhum lugar.

 

O pior é a má-fé:

você é um cretino que vive meio torto

e mesmo assim distribui um belo repertório

de conselhos a esses pobres diabos.

 

Queremos virar o disco,

queremos esquecer o passado,

nunca mais olhar pelo retrovisor.

Queremos afundar o pé 

e nos afastarmos dos fantasmas

que continuam a nos escravizar.


Talvez sirva de consolo

um ditado de merda

que não cansamos de repetir:

 

DE MÉDICO E DE LOUCO

TODO MUNDO TEM UM POUCO!

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Abrem-se as portas do inferno

 

Ruy, um ateu

de bom coração

e bom senso,

falou:

 

- HOJE

GOSTARIA

DE ACREDITAR

NO INFERNO!

 

Cadelão,

um filósofo de boteco,

num restinho

de lembranças

sartrianas,

falou:

 

- O INFERNO

SÃO OS OUTROS!

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 20 de janeiro de 2022

Chuva, cadê você, sua ingrata?



Paira no ar um desejo

messiânico de chuva.

Cada um de nós está ansioso

para captar com suas câmeras

pingos prateados despencando do céu,

transbordando de júbilo

humanos, plantas e animais.

 

Somos viciados nos chutes dos meteorologistas,

suas análises das imagens dos satélites

entupindo os noticiários,

e o que nos resta são os papos

compartilhados o tempo todo

e em todo lugar:

"Amiga, não suporto mais esse calor!".

"Gente, vocês viram quantos graus marcava

o termômetro da praça?".

"Bem feito! O homem tá pagando o preço

pela sua destruição das matas e vertentes!".

 

Um dia qualquer despencarão dos céus

toneladas de água.

Então redirecionaremos nossas preciosas metralhadoras

para outros assuntos ainda mais nobres:

"Esse BBB é um lixo! Eu que não perco meu precioso tempo

vendo essas coisas!".

"Viram só? O povo só quer saber de festa e aglomeração,

não tão nem aí pro Covid!".

 

Até em pesadelos eu imploro pela chuva.

Tenho caprichado na ingestão de líquidos,

é pau a pau a disputa entre água e cerveja.

Acho que é por isso que venho tendo

uns sonhos estranhos nas madrugadas mornas.

Estou olhando pro alto e, então, pregos

atingem minha cabeça,

e a massa cinzenta do meu cérebro

se espalha no ar feito chafariz,

como se fosse lava a jato funcionando a todo vapor,

e não dá outra, a enchente vai entupindo

sarjetas e bueiros.

 

Tem algo que eu possa fazer,

enquanto a chuva não vem

e esse calor não abranda?

E se eu tenho superpoderes,

mas nunca me preocupei com isso?

Às vezes desconfio dessa conversa

de que somos limitadíssimos,

de que não passamos de vermes

passeando na lua cheia.

Danem-se as dúvidas.

Nessas alturas escolho tranquilamente

o meio-termo:

metade água, metade cerveja.

 

(B. B. Palermo)


terça-feira, 18 de janeiro de 2022

quarta-feira, 12 de janeiro de 2022

O show tem que continuar

Você mergulha no rio

de águas agitadas

chamado adolescência.

Desce e experimenta

o prazer de piercings,

tatuagens, narguilés

e outras carências 

cômicas.

Você logo sente falta de ar,

hora de voltar 

pra margem.

Tragédias e milagres acontecem,

é o que repetem 

todos os dias

os jornais.

O show tem que continuar,

diz uma música.

 

É a vida passando

com sua 

roleta russa.

 

(B. B. Palermo) 

sexta-feira, 7 de janeiro de 2022

Parceria

 


Tem o que olha pra um lado e passa pro outro.

Tem o que toca de calcanhar e às vezes acerta.

Tem o que demora pra passar e quase nunca erra.

Tem o que compete como se fosse final de copa.

Tem o que joga como se estivesse na copa

tomando um litrão.

Tem o que come e não engorda.

Tem o fofo que não tá nem aí.

Tem o que joga muito e corre o tempo todo.

Tem o que corre pouco e tem a melhor assistência.

Tem o que conta a história mais louca

na hora da sede

depois do jogo.

O que importa é que a amizade

entra em campo

o tempo todo!

Valeu amigos do grupo Arte/bola/Fernandinho!

 

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

Um taco de beisebol

 

Geni se sacudia todo

por entre as mesas do bar.

Indagava, em silêncio:

Cadelão, quando tu vai dar conta da dívida no bar, seu tareco?

Num silêncio de envergonhar, eu murmurava,

sem mexer os lábios:

Paciência, véio, pra este mês a Barrosa secou.

Olhos lacrimejados diziam, numa maleza de dar dó:

Estou quase quebrado, credores insensíveis

espalhados pelo mundo me deixaram na mão.

Investi meu patrimônio em criptomoedas e perdi tudo...

 

Geni me observava emburrado, parecia com falta de ar.

Faz uns serviços de servente de pedreiro, seu louco,

seja igual ao Porko, que passa o dia inteiro

alimentando uma betoneira num sol de 40 graus,

depois vem pro bar e bebe meia dúzia de litrão...

E nunca me deixou na mão!

 

Tive pena do peçonhento,

um dependente de bêbados e frustrados

se encharcando dia após dia no seu bar.

Não fazia ideia de que era sugado pelo cotidiano,

como o velhinho na calçada, conduzido pelo Pastor Alemão.

Nenhum deles imagina que está num beco sem saída, filosofei.

 

Geni esfregava os cabelos, parecia um piolhento,

caminhava pra lá e pra cá, como um pêndulo.

Eram os boletos soltando faíscas na gaveta, só pode.

 

Eu gemia sem tremer os lábios.

Havia um caderno velho, no balcão.

Ele mostrou uma lista generosa de devedores, uns bêbados chapados.

Me pareceu a ala psiquiátrica do hospital.

Nada que se pudesse comparar com seres sublimes e sujos, como eu.

 

Cadelão, não vacile, não seja como esses...

E então o Geni gaguejou, e foi servir-se de um litrão de Polar.

Bebeu aquele gole e aconselhou:

Presta atenção, parente. Eu conserto motor de carros velhos,

sou especialista em marcenaria, já vendi melancia

debaixo de lona na fronteira com a Argentina.

Troco chuveiro queimado, caixa de descarga,

instalo antena de TV e faço jogo do bicho.

 

Apanhei um copo e me servi da cerveja dele.

Geni, sutilmente, mostrou-me o taco de beisebol.

Cadelão, tu já sabe o que acontece com vagabundo

que não paga a conta!

 

Chegaram no bar umas garotas meio passadas.

Acho que agora eu falei num tom de voz mais elevado:

Diga, meu velho, o que pretendem tarde da noite

essas deusas veteranas?

Cadelão, não dê uma de James Bond pra cima

dessas senhoras, minha clientes preferidas.

 

Decidi ser o DJ do bar.

Apanhei o celular do Geni e coloquei um Rap a todo volume.

Não foi uma boa ideia.

Geni gritou da cozinha do bar, enquanto fritava uns bifes:

Tira essas tranqueiras, maluco, bota o Baitaca...

Bota "Do fundo da grota"!

Os bêbados em volta aplaudiram.

Foi então que eu percebi que há uma fronteira

que não deve ser ultrapassada,

pra não se correr o risco de morte.

Ainda mais depois que o Porko gritou, de um canto do bar:

Fuja, loko, olha o tako!!!

 

(B. B. Palermo)

 

terça-feira, 28 de dezembro de 2021

O show já começou

 

Que musa é essa

que posta fotos

sugestivas

usando máscaras

pretas?

 

Ela construiu suas amizades

compartilhando brincadeiras,

conselhos e segredos.

 

Não dá mostras,

por onde passa,

de que é tempestade.

 

Publicou fotos

embarcando num ônibus

rumo a uma praia

de Santa Catarina.

Olhar sério,

face misteriosa

protegida por uma máscara

preta

estilosa.

 

Um amigo comentou:

"Mina, tu parece

um Pit bull de focinheira!"

 

Quando está sozinha

ela é atenciosa,

carinhosa

e amiga.

Quando não possui

territórios afetivos

pra demarcar,

é um doce

de comer

até se lambuzar.

 

Já estive com ela,

já escalamos montanhas e paredões,

mandamos ver nas boas e ruins.

 

Ela não é comum.

 

Conheço algumas minas

que esqueceram

onde enterraram

o seu ouro.

 

Ela sobe no ônibus e sonha,

enquanto roda o baú de lata.

Assim que chegar lá,                                                           

assim que colocar o biquini

e desfilar na praia,

assim que postar as primeiras fotos,

eu saberei que o show

já começou.

 

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...