Preparo-me pra ir ao centro pagar umas contas.
Ao vestir o moletom, que estava sobre uma cadeira, sinto uma picada,
como se fosse de vespa ou abelha, percorrendo o braço esquerdo.
No reflexo e no espanto, arranco-o com as mangas do avesso.
A lagarta caiu no chão da sala.
"Puta que pariu! Uma Taturana!".
Imediatamente crescem uns vergões, do pulso ao cotovelo.
Apanho o celular e pesquiso no Google sobre o que fazer.
"Lave abundantemente com água e sabão e depois faça compressas com
água gelada".
Enquanto faço as compressas, sinto que a ardência diminui.
Pesquiso quais os sintomas, no caso de ser atacado por essa lagarta:
"Síndrome hemorrágica aguda,
insuficiência renal aguda, etc., etc.".
"Puta merda!".
No caminho até o Posto de Saúde fico atento nos batimentos, febre,
taquicardia.
O Posto está lotado. Já na entrada sou notado pelo vigilante, que
conversa com alguns caras.
Ao perceber que eu vinha meio torto, apoiando meu braço nu, perguntou o
que havia ocorrido.
"Fui picado por uma Taturana".
Ele correu pra dentro da sala de espera e gritou pra uma atendente.
Sem fazer meu cadastro, e diante dos olhares curiosos dos pacientes que
aguardavam,
a garota me encaminhou pra enfermeira.
Entrei na sala carregando numa sacolinha plástica a minha algoz.
Ela examinou meu braço e disse que já tinham se passado uns 10 anos
desde o último caso de paciente picado por taturanas.
Imediatamente pediu para ver a bichinha, reparando que eu estava com a cara
boa
e não tinha dificuldades pra respirar.
No Google Imagens do computador ela identificou a criatura.
"Hum... Lagarta verde". Virou o monitor na minha direção e
apontou com o dedo.
"Se fosse Taturana, você estaria saindo daqui direto pra UTI de um
hospital".
Verificou a temperatura, batimentos por minuto, pressão arterial...
"Hum... Só a pressão tá um pouquinho alta... Deve ser por causa do
susto hehehe.
O resto está perfeito. Aguarde na sala de espera, logo a doutora vai lhe
atender".
Ao entrar na sala, reparo numa frase escrita na parede, logo atrás da
doutora:
CEGO NÃO É QUEM AVANÇA POR SEUS PASSOS,
MAS QUEM QUE POR MAIS QUE ANDE
NÃO VAI A LUGAR ALGUM.
- Palermo, o senhor é casado?
- Às vezes.
- Como?
- Casamento me deixa triste e solitário.
A doutora desandou a falar do marido. Um traste, comunistinha
desocupado.
- Vive às minhas custas. O filho da mãe se exibe pras garotinhas,
enquanto posa de intelectual marxista.
Que papo é esse - pensei - o que isso tem a ver com minha frágil saúde?
Olhava pro meu braço e percebia que as feridas e bolhas simplesmente
estavam sumindo.
- No que o senhor trabalha? Ou é um desocupado, igual ao meu marido?
- Eu escrevo umas histórias.
- Tem livros publicados?
- Ainda não criei coragem pra buscar uma editora. Não sei se minha obra
tem qualidade.
- Acho que entendi.
A doutora apontou pra frase na parede, às suas costas.
- Leia isso e tire tuas conclusões. Ah... o senhor é um sujeito
imaginativo,
a ponto de acreditar que foi ferido mortalmente por uma taturana hehehe.
Caí numa armadilha. As frenéticas taturanas de jaleco deitaram e rolaram
pra cima deste pobre poeta... Eu mereço.
Assim que saí do posto de saúde avistei um pátio com arvores e um
gramado.
Abri o saco e libertei a pobre lagarta verde.
(B. B. Palermo)