terça-feira, 14 de dezembro de 2021

Alucinação

 

- Sossega, Cadelão... Como pode, nessas alturas da vida,

tu estar com um pé na igreja e outro no boteco?

- Beiço, escute só, os puteiros andam mais ou menos,

e uma estranha alergia espirituosa não larga do meu pé.

- Sei bem o que é isso. Tu tá é desvairado.

- Queria sumir por um tempo. Não suporto o que vejo por aí.

- Cadelão, não me venha com esses papos bem Belchior,

de que a tua "alucinação é suportar o dia a dia,

e teu delírio é a experiência com coisas reais".

- Rapaz, é sério. Semana passada tive um sonho

e acordei com esta frase na cabeça:

"Crie bons hábitos para espantar o óbito".

 

Sabe, Beiço, procurei uma psicóloga.

Pense numa magrona... em todos os sentidos.

Quando falei pra ela que de vez em quando tenho

umas premonições, a seca veio com esta:

"Cadelão, larga dessa mania de achar que existem mundos paralelos.

E não leve tão a sério os teus sonhos.

Todo mundo sonha, todo mundo viaja.

E também não me venha com esse papo fácil de que existem espíritos.

Não use subterfúgios para explicar as merdas

que o teu subconsciente apronta!".

 

- Cadelão, só tenho uma coisinha pra te dizer.

Volte a ser aquele caótico que ficava radiante

ao avistar o rabo das ciclistas,

cruzando como raio pela avenida!

 

(B. B. Palermo)

domingo, 12 de dezembro de 2021

A vida é curta pra ser pequena

Cheguei no bar do Telmo com uns trocos

que surrupiei do caixa eletrônico,

bolsos forrados de extratos bancários
amassados.
Ela tomava sua Heineken
dentro de um short preto
justíssimo.
Eu não uso viseiras,
eu bebo pra estreitar a vista,
eu bebo pra enxergar o que desejo.
Não me saía da cabeça
o que o poeta Chacal
me falou:
Cadelão, a vida é curta pra ser pequena!
Ela rebolava os quadris
no ritmo de sua música imaginária,
e sorria, e dizia baixinho
Eu sei o que tu quer,
mas eu não vou dar...
Eu entornava um copo atrás do outro
como um maluco
que desfolha margaridas
bem-me-quer-mal-me-quer,
vai-dar-não-vai
vai-dar-não-vai...
não-não-não-vai-dar-não!
Sentado do meu lado esquerdo
o Cesinha lembrou dos versos
de um blues do Saco de Ratos
Esqueça a loira, "somos cada vez mais
velhos, bêbados e barrigudos".
Eu sabia, todos sabiam, que o Cesinha
nunca ia entender que eu precisava
compreender o conteúdo
da caixa preta da loira,
e não sacava qual o pecado nisso.
Sentada do meu lado direito
a poeta lésbica bebia e ria,
enquanto dizia
Cadelão, tu nunca vai entender
o conteúdo da caixa preta
de uma mulher!
(B. B. Palermo)

Bundamental - Chacal

 sou trocador de ônibus.

tenho 35 anos e quero me casar.

ter mulher, filhos, um lar.
meu nome é bundamental.
uma tarde, o coletivo parou
num ponto da praça seca.
subiu uma moça que era um sonho.
branca, peluda, dentes bons.
e que perfume!
meu nome é bundamental
quando passou na roleta, num ímpeto súbito,
a pedi em casamento.
meu nome é bundamental. genival bundamental
ela olhou pra mim e disse sim.
ali mesmo por cima da roleta
entre os passageiros, um beijo
selou nosso pacto sagrado.
meu nome é genival bundamental.
cuidei de tudo. alianças, igreja, padre, cerimônia.
no dia fatal, meu nome é genival,
eu lá. eu e o padre. ela nada.
uma hora duas nada.
enfim, chega o sacristão com um bilhete.
“querido bundamental
fui feliz enquanto amor entre nós houve.
agora vou ser feliz com um pé de couve.
daquela que um dia foi seu poema,
maria helena.
ps: a vida é curta para ser pequena.”

meu nome é genival. genival bundamental.

sábado, 11 de dezembro de 2021

FAUNA

 

vira-latas tiram selfies nas esquinas

galos dançam no terreiro

cigarras lamentam a vida

formigas corcundas agradecem a deus

sapos saem da penumbra e berram:

- "meu time é o melhor!"

- "não é!" - "é!"  - "não é!"

 

e assim se passam os dias

nesta fauna facebookiana

 

(B. B. Palermo)

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021

Você sonha umas coisas que vou te contar

 

Você pensa demais, Cadelão.

E viaja também.

E sonha umas coisas que vou te contar.

Diz que participou do exército de Napoleão.

Esteve no quarto do Kafka, no dia em que o maluco acordou

metamorfoseado numa barata.

Você viaja um baseado.

Foi um negro americano esquizofrênico

analisado por Jung.

Se apaixonou pela mãe de Pedro II.

Você diz que esteve em todos os carnavais do Rio.

Você morreu em todas as páscoas e, claro, ressuscitou.

Você bateu um papo cabeça com Alice,

aquela do País das maravilhas.

Você visitou as Sete Quedas do Leminski,

conversou com ele no dia

em que nasceu o seu poema.

Você diz pra todo mundo que já foi bispo,

padre, psicólogo, cafetão.

Você construiu andaimes que te levaram ao céu,

mais do que a Torre de Babel.

Você entrou nos quadros de Van Gogh

e viveu as paisagens que o gênio pintou.

Você jura que foi criador de porcos, alfaiate,

um pobre mosquito que caiu nas armadilhas

de uma aranha apaixonada.

Você conhece todas as obras, vistas e admiradas,

de todos os museus do planeta.

 

Você sonha umas coisas que vou te contar, Cadelão.

 

(B. B. Palermo)

quarta-feira, 8 de dezembro de 2021

Boneco sem alma



A folha permanece em branco,

espelhando o vazio

de minha alma.

Rabisco então meia dúzia de traços e um círculo,

e eis que vislumbro a cabeça,

olhos, boca e nariz

de um boneco.

Ainda não se fez humano.

Não percebi se está triste ou sorrindo.

Sua dor, saudade, ódio ou amor futuros

dependem dos traços vorazes

que sonho gravar no papel.

Essa espera é solitária demais,

e nem você

nem ninguém

podem fazer

nada.

 

(Pensamentos & poemas espirituosos)

Quando os jovens se vão do mundo - Paulo Fensterseifer

Poesia em apoio às famílias e em memória às vítimas da tragédia da boate Kiss.



segunda-feira, 6 de dezembro de 2021

Outro ensaio sobre a cegueira

Algumas coisas 

entristecem

e amordaçam.

O povo adora 

frequentar

igrejas e farmácias.

E como ficam o teatro,

cinemas e livrarias?

Só fica a saudade

do que já foi um dia.


Tudo tem seu lugar, você me diz.

Tudo está fora do lugar, eu te digo.

 

Como qualquer outra doença,

a cegueira não devia 

ser considerada

normal.

 

(Pensamentos & Poemas Espirituosos)


sexta-feira, 3 de dezembro de 2021

Paulo Coelho - Maktub

Um dos mais poderosos exercícios de crescimento interior consiste em prestar atenção a coisas que fazemos automaticamente - como respirar, piscar os olhos ou reparar nas coisas à nossa volta.

Quando fazemos isto, permitimos que nosso cérebro trabalhe com mais liberdade - sem a interferência de nossos desejos. Certos problemas que pareciam insolúveis terminam sendo resolvidos, certas obras que julgávamos insuperáveis terminaram se dissipando sem esforço.

Diz o mestre:

Quando você precisar enfrentar uma situação difícil, procure usar esta técnica. Exige um pouquinho de disciplina - mas os resultados são surpreendentes.

quinta-feira, 2 de dezembro de 2021

O que vier vem bem

 

Depois de certa idade,

não confio no plano A.

Até simpatizo com o plano B.

Plano C, por que não?

Depois de certa idade,

o que vier vem bem.

Certa experiência adquirida

mostra que todas as alternativas

podem estar corretas,

ou que nenhuma está.

Não suporto a visão calculista

de que em tudo na vida

há causas e consequências.

Você simplesmente vai lá e faz.

 

Só quero estar sossegado

no meu canto

inventando histórias,

rindo das apostas ridículas

que fiz

e dos tombos

que caí...

 

(B. B. Palermo)

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021

MEUS FANTASMAS PARECEM CORVOS


Um senhor vinha pala calçada,

aproximou-se e tive calafrios:

ele era eu.

 

Nuvens no céu desenharam

criaturas de nossa fauna:

cães, gatos, jacarés e lagartos

com suas formas desfiguradas.

 

Entardecia e as cores estavam vivas

e imploravam pelas tintas, pincéis

e o cavalete de Van Gogh.

 

O senhor eu mesmo tinha barriga acentuada,

cabelos brancos e pretos misturados,

e pareciam crescer

despreocupados.

 

Enfim chegou o crepúsculo,

luz e trevas duelando.

 

Olhava para o senhor e me via,

nenhuma dor ou alegria.

Ele eu mesmo carregava uma sacola

e uma mala,

poderia estar indo à escola

para aprender o que se perdera.

Poderia estar voltando

de uma tarde de bons negócios.

Poderia estar saindo de casa,

livre de um matrimônio

de 30 anos.

 

O senhor é meu espelho,

dossiês revelando

meus sucessos,

fracassos,

fiascos.

 

Tenho medo de sair de casa.

Sinto calafrios

ao ver esses fantasmas

rondando por aí

 

feito corvos.

 

(B. B. Palermo)

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...