segunda-feira, 15 de fevereiro de 2021

CONSTATAÇÃO

Assim que comecei a rabiscar

estes "ensaios espirituosos",

notei que minha escrita 

parecia mais agarrada 

ao papel,

parecia mais bem-comportada.

Deve ser porque eu não sei direito

pra onde ir.

E quando é que a gente 

sabe?


(Crônicas e poemas espirituosos)

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2021

Até parece que você é o cara

 


Você ouve as conversas

dos amigos no bar,

suas ideias ziguezagueantes,

muitas vezes com pouca lógica nos seus raciocínios,

e você vai dando corda, ouve e se sente bem,

e os amigos se sentem bem 

em botar tanta coisa pra fora.

Algumas bebidas soltam as amarras da censura

e você estufa o peito e se enche de orgulho,

sim, você é um sujeito mais evoluído 

do que a maioria.

Não, você não é O CARA,

você está apenas exercitando a empatia,

um gesto que deveria ser rotineiro,

você sabe como é importante

ter amigos por perto.

Amanhã quem sabe você vai precisar deles,

dos seus ouvidos, conselhos e companhia.

Sim, todos precisamos de umas almas

cheias de paciência por perto,

que ajudem a colocarmos nossas angústias pra fora,

porque isso vai nos fazer bem.


(Crônicas e poemas espirituosos)

terça-feira, 26 de janeiro de 2021

Conhece-te a ti próprio

Hoje pergunto tanto, 

que até o meu guia espiritual 

encheu o saco.

Mas foi Ele quem veio com esse papo 

de "conhece-te a ti próprio".


segunda-feira, 18 de janeiro de 2021

Escreva logo teu epitáfio


 

Tantos sinais despertam em você o medo da morte,

como luzinhas piscantes na traseira das bicicletas,

em rodovias movimentadas e com neblina.

Há algo novo no ar, além e por causa de tantos vírus.

Velhinhos com máscaras escondendo o queixo,

com a boca e o nariz implorando ar e bebida,

esgueirando-se nos botecos, às 10 da manhã.

Isso e tantas coisas mais te deixam ansioso,

com medo do desemprego, das contas,

da fome e do futuro imprevisível.

 

Não vou insinuar medos e culpas na conta dos outros,

mas necessito compartilhar as sensações que tenho,

são serpentes invisíveis brotando do chão e do ar,

e invadindo as narinas,

paralisando meu dia.

 

Toneladas de informações...

Faça isso! Não faça isso!

Tome vacina! Não tome vacina!

Põe máscara! Tira máscara!

Você está rifando a tua vida e a dos outros,

você é um otário, você se caga de medo

de uma gripezinha.

Te cuide, ou você vai ter os pulmões apodrecidos

e vai rastejar à procura de cilindros de oxigênio

em avenidas cercadas de cemitérios

superpovoados.

É tanto bombardeio,

que você se sente leão sarnento

obediente aos domadores de circo.

 

Você assiste a todos os noticiários,

lê todas as mensagens

e vê  e revê vídeos que recebe pelo whats.

Você não faz ideia do que é fato ou fake.

Você é simpático com o governo, você odeia o governo

e diz que ele é o responsável por todas as misérias

e tragédias que acontecem por aí.

 

Sem mais você se pega a pensar no teu funeral,

quem vai comparecer,

quais serão os discursos,

quem vai chorar.

Você pensa no depois,

haverá simplesmente o NADA,

ou teu espírito desencarnará

e terá novas chances

de voltar à terra

pra fazer mais merda?

E você sofre por não saber se será lembrado,

mesmo que por pouco tempo

e apenas por alguns parentes e amigos

mais próximos.

 

Você vê uma enxurrada de vídeos reconfortantes no Youtube,

você pendura bilhetinhos pelos cantos da casa

com a mensagem do Chico Xavier:

TUDO PASSA.

 

Você toma vitamina D, toma sol,

toma Extrato de Própolis e teu sovaco exala pelo mundo

um cheiro bem macho de devorador de alho.

E, assim no mais, você se habitua à dieta perfeita

que vai dar aquele UP na tua imunidade.

E então você recebe a notícia aterradora:

o vírus vem sofrendo mutações,

agora está mais agressivo,

ele se espalha mais rápido.

 

Retornam as imagens que desorientam os mestres

do pensamento positivo:

você só pensa nos pulmões podres,

você só pensa nos tubos de oxigênio,

você só pensa em como será teu funeral!

 

Hora de ser criativo,

bolar um poema bonitinho

que servirá de epitáfio.

Bukowski escreveu um que eu acho bem legal:

 

"quando minhas mãos pálidas

deixarem cair a última caneta

em um quarto barato

eles vão me achar lá

e nunca saberão

meu nome

minha intenção

nem o valor

de minha fuga".

 

(B. B. Palermo)

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

Eu sei de tudo

 

Garotas do prédio ao lado tomam sol

e botam pra secar no varal seus problemas diários.

Não me dão bola, então emito uns sinais,

nuvens de fumaça subindo pelas florestas. Digo-lhes:

"Que belo dia de sol... Parece que a chuva prometida se foi...".

 

Como eu queria saber o que pensam desse cavalo cansado

cujo único consolo é contemplar o copo pela metade!


Sinto-me mal ao tentar uns contatos tímidos,

como se estivesse chegando noutro planeta

e uns pequenos centauros coloridos me observassem, rindo,

"um cara muito estranho deu o ar da graça".


Janelas se abrem e se fecham, cortinas sobem, cortinas descem,

meus olhos ficam embaciados diante dos seus horizontes.

Observo os cabelos, o movimento dos olhos,

as bocas e o olhar provocador e, ao mesmo tempo, indiferente.

Não sei se deprimo ou se curto sua juventude,

estou cara a cara com um oceano de potências

que seus lindos corpos desencadeiam.

Ah, como eu queria ter a senha de acesso e tudo decifrar.

Interagir, tomar porres de orgias ao meu redor.

Não consigo ser como Bukowski,

ele se fortalecia na solidão,

era a sua comida e sua água.

 

As garotinhas se enganam se pensam que estou a fim

de descansar em belas e suaves tardes no jardim dos mortos.

Ainda sei contar boas histórias. Lá vai a última:

o sujeito amava tanto sua filha que, quando ela arranjou um namorado,

ele a matou golpeando sua cabeça com uma marreta.

O sujeito tinha muito dinheiro.

Deu parte de sua fortuna a um bom advogado e ficou pouco tempo na cadeia.

Muitos anos depois ele estava pescando num rio que margeia seu sítio,

quando foi atacado por abelhas e morreu como besta indefesa e só.

 

Acredito em fortes emoções, meus brothers, aguardo

outras proezas, não desejo que tudo vire cinzas.

 

O certo é que elas ficariam radiantes ou decepcionadas

se descobrissem os pensamentos que tenho a respeito

de seus corpos desenhados por minúsculos shorts e camisetas.

Eu sou o prendedor de roupas e também o varal

que vai receber as carícias da brisa e do sol

secando suas calcinhas, shortinhos e sutiãs.

Sou sensível mas, garanto, não sou tudo aquilo,

e prometo poemas sujos que as inspiram

a incríveis experiências sensuais.

 

Eu sei de tudo, enquanto aguardo o milagre:

um dia essa beleza juvenil vai desaparecer.

Um namorado hoje, outro amanhã e depois outro e mais outro...

Eu sei de tudo, e é por isso que espio por detrás dessas cortinas

sequestradas pelo pó.

 

(B. B. Palermo)

 

quinta-feira, 26 de novembro de 2020

Maradona morreu e aqui em casa faltou água

 

A vida é injusta,

a vida é ingrata,

provoca e desafia,

vem abaixo o que estava em alta,

basta estar vivo para morrer

- e ressuscitar num clichê -

a formiga sempre sonhou ser cigarra.

Inseto ou sapiens,

eu não quero morrer

antes de chegar aos 100 anos.

Tudo desmoronou,

aqui em casa faltou água

e Diego ficou sem o pó.

Foi-se a luz, foi-se a vida,

enquanto as drogas que movem o mundo

circulam por aí.

Preciso de um banho,

preciso fazer a barba,

preciso dar um brilho

nos meus dentes encardidos,

preciso de um grande amor.

Pra aliviar o peso sobre os ombros,

Diego pedia outra dose,

imagino como isso funcionava.

Nos lugares de gente rica,

as drogas ilícitas

e a prostituição são a regra,

sujeitinhos escrotos lambem as bolas

de gente famosa,

a putaria desfila em caminhões de dólares.

O que importa é que desejamos continuar vivos,

saudáveis e famintos por mais um teco.

Eu sofro não porque chamam Diego

de mito ou Deus

agora que está morto,

sofro porque faltou água

bem quando desejei

outro banho

pra me libertar dessa urucubaca,

mandando pro ralo a verdade melancólica

de que um dia

 

também vou morrer.

 

(B. B. Palermo & Cassio Kinn)

 


sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Naquele tempo eu era a voz do povo

 

Início dos anos 80,

mamãe queria que eu frequentasse

o grupo de jovens da Igreja Católica.

Lá seria inevitável conhecer uma garotinha cheia de qualidades,

virgem,

lá eu potencializaria minhas virtudes

e botaria as manguinhas de fora,

dúzias de talentos florescendo.

Mamãe estava preocupada,

eu era um adolescente solitário.

bah, cara, pensa só o que ela devia imaginar

quando eu demorava horas no banheiro ou no quarto.

Eu e meus amigos corajosos e aventureiros

queríamos andar pelados às 3 da manhã no centro da Fredy City,

e encher de ira o Santo Antônio, padroeiro da paróquia,

que nos observava do alto de uma torre da igreja matriz.

Não tinha maturidade pra saber que traquinagens de madrugada

não me dariam um bom emprego, e havia outros riscos,

eu publicava poemas ingênuos e sujos nas edições de domingo

de um jornal de quinta, chamado "A voz do povo".

Cara, na minha cabeça eu escrevia coisas legais,

e se a patota da City dava a mínima pras minhas colunas dominicais

era porque eles ainda não tinham chegado lá,

tu sabe, não tinham alcançado o nível mais elevado

da percepção estética.

Para agradar mamãe e para chamar a atenção da população,

eu viajava nos poemas, não passava a ideia de que era

um (quase) seminarista punheteiro cheio de espinhas no rosto,

e sempre me confessando e me arrependendo

às vésperas da Semana Santa.

Meu, eu tinha certeza de que escrevia coisas irônicas,

ou de duplo sentido,

uma poesia inovadora,

banhando de luz, humor e liberdade

as manhãs de domingo de minha modesta cidade.

Acho que escrevia uma espécie de autoajuda,

bem antes dessa coisa virar moda pelo mundo:

"Procuro uma alma gêmea,

eu quero casar,

eu quero filhos brilhantes,

eu quero transbordar de orgulho

vivendo em perfeita harmonia

com esses seres de luz.

Mãos nos bolsos

acariciando

o dinheiro

fruto de meu suor,

as canções que vou assobiar

serão as minhas canções

mais originais".

 

Sim, cara, eu sonhava.

Fazia muito barulho, competia com o sino da catedral,

com o apito de trem no frigorífico,

que liberava milhares de trabalhadores ao meio dia,

de segunda a sábado.

Eu competia também com a hora da Ave Maria,

às 18 horas, na rádio local.

Eu era corajoso, cara, conseguia fazer poemas sem rimar

falando dos buracos das ruas da cidade,

das suas escapadas, bebedeiras e dos sustos que davam

nos motoristas distraídos.

Ah, velho, eu também falava de um mundo em mudança

enquanto bois iam para o abate,

falava, com sinceridade, que botava fé nas pessoas,

enquanto cães e gatos conversavam com Deus

dando piruetas nas esquinas.

 

(B. B. Palermo)


O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...