domingo, 6 de dezembro de 2015

Passarinho engaiolado - Rubem Alves



Eis o belo texto do Rubem Alves, copiado do blog http://atorremagica.blogspot.com.br/2015/12/passarinho-engaiolado.html

Dentro de uma linda gaiola vivia um passarinho. De sua vida o mínimo que se poderia dizer era que era segura e tranquila como seguras e tranquilas são as vidas das pessoas bem casadas e dos funcionários públicos.

Era monótona, é verdade. Mas a monotonia é o preço que se paga pela segurança. Não há muito o que fazer dentro dos limites de uma gaiola, seja ela feita com arames de ferro ou de deveres. Os sonhos aparecem, mas logo morrem, por não haver espaço para baterem suas asas. Só fica um grande buraco na alma, que cada um enche como pode. Assim, restava ao passarinho ficar pulando de um poleiro para outro, comer, beber, dormir e cantar. O seu canto era o aluguel que pagava ao seu dono pelo gozo da segurança da gaiola.

Bem se lembrava do dia em que, enganado pelo alpiste, entrou no alçapão. Alçapões são assim; têm sempre uma coisa apetitosa dentro. Do alçapão para a gaiola o caminho foi curto, através da Ponte dos Suspiros.

Há aquele famoso poema do Guerra Junqueiro, sobre o melro, o pássaro das risadas de cristal. O velho cura, rancoroso, encontrara seu ninho e prendera os seus filhotes na gaiola. A mãe, desesperada com o destino dos filhos, e incapaz de abrir a portinha de ferro, lhes traz no bico um galho de veneno. Meus filhos, a existência é boa só quando é livre. A liberdade é a lei. Prende-se a asa, mas a alma voa… Ó filhos, voemos pelo azul!… Comei!

É certo que a mãe do passarinho nunca lera o poeta, pois o que ela disse ao seu filho foi: Finalmente minhas orações foram respondidas. Você esta seguro, pelo resto de sua vida. Nada há a temer. Não é preciso se preocupar. Acostuma-se. Cante bonito. Agora posso morrer em paz!

Do seu pequeno espaço ele olhava os outros passarinhos. Os bem-te-vis, atrás dos bichinhos; os sanhaços, entrando mamões adentro; os beija-flores, com seu mágico bater de asas; os urubus, nos seus vôos tranquilos da fundura do céu; as rolinhas, arrulhando, fazendo amor; as pombas, voando como flechas. Ah! Os prudentes conselhos maternos não o tranquilizavam Ele queria ser como os outros pássaros, livres… Ah! Se aquela maldita porta se abrisse.

Pois não é que, para surpresa sua, um dia o seu dono a esqueceu aberta? Ele poderia agora realizar todos os seus sonhos. Estava livre, livre, livre!

Saiu. Voou para o galho mais próximo. Olhou para baixo. Puxa! Como era alto. Sentiu um pouco de tontura. Estava acostumado com o chão da gaiola, bem pertinho. Teve medo de cair. Agachou-se no galho, para ter mais firmeza. Viu uma outra árvore mais distante. Teve vontade de ir até lá. Perguntou-se se suas asas aguentariam. Elas não estavam acostumadas.

O melhor seria não abusar, logo no primeiro dia. Agarrou-se mais firmemente ainda. Neste momento um insetinho passou voando bem na frente do seu bico. Chegara a hora. Esticou o pescoço o mais que pôde, mas o insetinho não era bobo. Sumiu mostrando a língua.

— Ei, você! – era uma passarinha. – Vamos voar juntos até o quintal do vizinho. Há uma linda pimenteira, carregadinha de pimentas vermelhas. Deliciosas. Apenas é preciso prestar atenção no gato, que anda por lá… Só o nome gato lhe deu um arrepio. Disse para a passarinha que não gostava de pimentas. A passarinha procurou outro companheiro. Ele preferiu ficar com fome. Chegou o fim da tarde e, com ele a tristeza do crepúsculo. A noite se aproximava. Onde iria dormir? Lembrou-se do prego amigo, na parede da cozinha, onde a sua gaiola ficava dependurada. Teve saudades dele. Teria de dormir num galho de árvore, sem proteção. Gatos sobem em árvores? Eles enxergam no escuro? E era preciso não esquecer os gambás. E tinha de pensar nos meninos com seus estilingues, no dia seguinte.

Tremeu de medo. Nunca imaginara que a liberdade fosse tão complicada. Somente podem gozar a liberdade aqueles que têm coragem. Ele não tinha. Teve saudades da gaiola. Voltou. Felizmente a porta ainda estava aberta.

Neste momento chegou o dono. Vendo a porta aberta disse:

— Passarinho bobo. Não viu que a porta estava aberta. Deve estar meio cego. Pois passarinho de verdade não fica em gaiola. Gosta mesmo é de voar…

sexta-feira, 4 de dezembro de 2015

Ele se apaixonou por um fake


ET – Quando ela te mandou convite no facebook você se esbaldou na lábia. Testou poemas, canções de amor, papos-cabeça, só pra deixá-la impressionada. Com o passar dos dias você criou tamanha expectativa que até comprou um celular mais moderninho pra ter um chip da operadora dela. E você devaneava quando ouvia a sua voz. E cada vez mais ansiava pela sua ligação. Enquanto isso você esnobou aquela garota que sempre esteve do teu lado quando você precisava. Um mês depois, quando finalmente vocês iam marcar o primeiro encontro, longe do mundo virtual, para se ver “olhos nos olhos”, ela jogou um balde de água fria na tua paixão. Não mais ligou no início da manhã pra desejar “tenha um ótimo dia, meu anjo!”, não ligou à noite pra ficar uma hora contando a epopeia que foi o seu dia, da escola para casa, de casa para a academia, e do amor incondicional pelo seu poodle, enquanto você se coçava, louco para retomar o jogo no vídeo-game. Daí, no fim de semana ela deu um chá de sumiço, enquanto postava umas coisas esquisitas na sua time line. E se você puxava conversa no face, ela desdenhava, não respondia, sumia... Cara, você não desconfiou que essa garota pode ser um fake?
TECO – Pior que não...
ET – E ela pediu pra você prometer amá-la e protege-la pelo resto dos teus dias? Você contou a todos os teus amigos e amigas que, finalmente, encontrou a menina que encarnava o amor verdadeiro? Caramba! Sem nunca tê-la visto pessoalmente?
TECO – Isso...
ET – Você é muito mais do que um poeta sonhador: você é uma catástrofe no amor! Mas... Críticas à parte, você é um menino em extinção. É puro, ingênuo que (pasmem!) ainda acredita no amor!


segunda-feira, 30 de novembro de 2015

Vá pro jogo!


TECO - Nunca vi uma garota vacilar tanto.
ET - Bah, deve ter seus motivos...
TECO - Sei lá. O medo dela me fez lembrar deste poema do Alberto Martins:

Xadrez no centro
indecisa
entre a banca de jornais
e o garoto que vende bilhetes de metrô
a moça para um segundo
no meio-fio

depois
levanta a cabeça
e avança pela calçada de pedras pretas & brancas
pisando o mosaico torto

ela sabe que cada passo é um erro cada passo
é um logro - mas quem não joga
perde a vez e nunca mais
volta pro jogo

EM TRÂNSITO - poemas, de Alberto Martins (Cia. da Letras, 2010).

domingo, 29 de novembro de 2015

Foco


Pessoas fazem pose. Close. Piscam olhos. Tremem fotos. A imagem vira pó no apagar das luzes. Fogo. Foco. Cinza. Nuvem. Que bom que hoje não fiz merda, digo à pedra.

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador) 

quinta-feira, 26 de novembro de 2015

Aula de geografia


TECO - Poesia não se faz só com as mãos. Garotas adoram ouvir tua voz do outro lado da linha.
ET - Como se fosse gravação de telemarketink?
TECO - Nãoooo... Como se fosse música!
(...)
ET - Eu ouvi você dizer nude??
TECO - Cara, para com essa obsessão pelo corpo! Você só fala em peito, perna e bunda! Pare de nos imitar. É tanta ideia fixa pelo corpo que até parece que é a geografia dos humanos que determina sua história!

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

terça-feira, 24 de novembro de 2015

Obra de arte


ET - Captar a essência da uva não é um milagre, é uma arte!
(...)
- Putz!!
TECO - O que foi??
ET - GLIFOSATO!!

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

segunda-feira, 23 de novembro de 2015

Menos realismo, mais poesia


ET - Então ela não quer namorar com piá que fala merda...
TECO - Será que tenho alguma chance?
ET - Depende do quanto você falar kkk.
TECO - Junto dela deve ser como nós: quase não rola assunto rsrs.
"Ela me faz tão bem, ela me faz tão bem..."
ET - "Só se você disser tudo o que ela quiser" rsrs.
TECO - Devo poetizar minhas palavras??
ET - Ela vai fazer picadinho das tuas palavras!!
TECO - Tchê, tu vive abafando a minha voz!
Era só o que me faltava... O poeta sonhador é amigo de um reles etzinho realista!

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

sexta-feira, 20 de novembro de 2015

Vai...


Desligue os aparelhos
abra olhos e ouvidos
que o teu coração
capture os sinais.
Com braçadas de humildade
e pedaladas de coragem
invente anomalias.
E se as novidades 
parecem ser normais
comece  a ser visita
embaixador em novos lares
navegante em outros mares.

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

terça-feira, 17 de novembro de 2015

Poeteiros


ET - Você sabia que poeteiros são os que fazem poesia com as mãos?
TECO - Você não quis dizer "grafiteiros"?
ET - Não falei dos pichadores de muros. Falo dos adolescentes que poetam trancados no banheiro ou no quarto.
TECO - Hum... Acho que entendi. Deve ser um sofrimento fazer arte assim. 

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

domingo, 15 de novembro de 2015

Cinismo


TECO - Para nós, humanos, cinismo pode também significar "mentir com sinceridade".
ET - Por falar nisso, ela acreditou na história que você inventou?
TECO - Ela fingiu que acreditou.
ET - Meu Deus!

Ilustração do site 
http://www.taringa.net/post/humor/19043688/Memes-que-solo-los-inteligentes-entienden.html


sábado, 14 de novembro de 2015

Amor não correspondido



A maneira obsessiva com que nos relacionamos com a natureza, usando-a com o propósito de apenas lucrar, é a mostra de como estamos perdidos. Como diz o poema de Roseana Murray:

Amor não correspondido
 vai virando tudo em deserto,
 vai calando a voz do mundo,
 vai tirando da água a sua nascente.
 Amor não correspondido
 vai tornando em folha seca
 tudo o que toca com os dedos,
 até perder seus espinhos
 e se deixar morrer nos vãos
 de uma tarde qualquer.


(Do livro A bailarina e outros poemas).

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Amor líquido


ET - Por que se estressar com teu amor, se vai durar pouco mesmo?!
TECO - Porque... Que seja explosivo enquanto dure!

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

domingo, 8 de novembro de 2015

Tragedia humana e ambiental em Mariana - MG


Quando me deparo com tragédias como a de Mariana, conforme notícia abaixo, lembro do seguinte poema de José Paulo Paes:

COMO ARMAR UM PRESÉPIO

pegar uma paisagem qualquer 
 
cortar todas as árvores e transformá-las em papel de im-
prensa
 
enviar para o matadouro mais próximo todos os animais
 
retirar da terra o petróleo ferro urânio que possa eventual-
mente conter e fabricar carros tanques aviões mísseis nu-
cleares cujos morticínios hão de ser noticiados com destaque
 
despejar os detritos industriais nos rios e lagos
 
exterminar com herbicida ou napalm os últimos traços de
vegetação
 
evacuar a população sobrevivente para as fábricas e cortiços
da cidade
 
depois de reduzir assim a paisagem à medida do homem
 
erguer um estábulo com restos de madeira cobri-lo de cha-
pas enferrujadas e esperar
 
esperar que algum boi doente algum burro fugido algum
carneiro sem dono venha nele esconder-se
 
esperar que venha ajoelhar-se diante dele algum velho pas-
tor que ainda acredite no milagre
 
esperar esperar
 
quem sabe um dia não nasce ali uma criança e a vida reco-
meça?


Na quinta-feira, 5 de novembro, na linda cidade histórica de Mariana-MG, no distrito de Bento Rodrigues, romperam-se duas barragens de rejeitos de mineração da mineradora Samarco, causando uma enxurrada de lama que inundou casas e levou tragédia aos moradores da região.
As causas do acidente ainda não foram esclarecidas e a Secretaria de Estado do Meio Ambiente e de Desenvolvimento Sustentável de Minas Gerais (Semad) criou um comitê para averiguação e avaliação da situação. Um inquérito civil também será instaurado para responsabilizar os culpados pelo acidente.
(...) s danos ao ambiente poderão ser percebidos mais cedo ou mais tarde. Existe o medo de que a lama seja muito tóxica, pois teria como componente os reagentes químicos normalmente usados na mineração. (...) Exploram nossas riquezas públicas em busca de enriquecimento privado e na hora de um acidente, os moradores inocentes da região se veem na situação de desabrigados de suas casas. Enquanto não se verificam as causas, as culpas, os danos, etc, estas pessoas precisam de ajuda.
 (Do site http://www.greenme.com.br/informar-se/ambiente/2479-tragedia-humana-e-ambiental em-mariana-mg).



sábado, 7 de novembro de 2015

Poeta anarquista



ET - Todos buscam alguma coisa. Enquanto muitos andam de skate ou aprendem a dançar, outros querem ficar milionários. E você, Teco, o que quer fazer?
TECO - Eu só observo, e me espanto ao ver todo mundo preocupado em ser útil!

ET - Bah, a humanidade precisa conhecer este poeta anarquista!

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

terça-feira, 3 de novembro de 2015

O peso do amor. Ou: fazendo uma lipo no amor!


A prefeitura de Paris deu início aos trabalhos de retirada dos tão simbólicos "cadeados do amor" presos às grades da Pont Des Art. O peso dos milhares de cadeados estaria ameaçando a estrutura da ponte, construída no século 19.

Essa moda começou em 2008. Casais apaixonados selavam o amor com os cadeados nas grades da ponte e depois jogavam a chave no rio Sena. A Pont des Arts foi o primeiro alvo dessa moda que se espalhou não somente por outras pontes de Paris, mas também por toda a Europa.

Em junho de 2014, um dos primeiros painéis caiu e tinha uma sobrecarga de 500 quilos, quatro vezes a carga máxima permitida de acordo com a prefeitura. Imagine só o peso da ponte depois de quase 1 ano?

Para solucionar o problema a prefeitura vai substituir as grades por painéis de acrílico. Cerca de 1 milhão de cadeados pesando 45 toneladas serão removidos!



ET - Cara, por que o amor anda tão pesado??
TECO - Amor preso, pessoas presas... O amor devia era libertar!


domingo, 1 de novembro de 2015

Ets não conhecem poesia



Os ets são incríveis. Até leem os pensamentos dos humanos. Mas têm dificuldades para compreender a linguagem poética.
TECO -  A poesia usa imagens em vez de pensamentos. 
Vou te dar um exemplo:
- Quando ela me encontra / me entrelaça / agasalha e amarra.
ET - Entendi a tua metáfora: Ela te deu um nó!
TECO - Ela me enlaça / e nós dois / somos um nós...
ET - Droga! Já não entendi de novo. Como a poesia desses humanos é complicada!

sexta-feira, 30 de outubro de 2015

Retórica etílica


Respeitosa, a platéia faz vários sins com o movimento da cabeça, diante da leitura solene do especialista num filósofo europeu. 
Meu corpo se coça na cadeira, enquanto a alma se perde nas ruas limpíssimas de Toledo.
O ser e o ente, cravados no mundo fático, empurram pra longe a brisa que vem da janela, dando lugar ao bafo morno da sala de aula.
Procuro compreender esses rituais acadêmicos e seu potencial para tocar nos problemas do mundo. Algumas pontadas pelos lados dos rins e do fígado, e sinto a verdadeira realidade.
Esta tarde aprendi uma lição muito clara: se você quer sobreviver pro dia de amanhã, em meio a tanta retórica etílica, corra logo atrás de algum sonho!

domingo, 25 de outubro de 2015

Acenda uma luz


TECO - O mundo vai mal... Poucas pessoas se importam com a cultura e os valores éticos. O que tem de sobra é guerra, violência e fome.
ET - O que é pior: não ter água na torneira ou a falta de sede? A falta de luz pelos caminhos do mundo, ou o escuro dentro do teu coração? Vamos, vamos iluminar um pouco este mundo!

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Soltando os cachorros



TECO - Cara, como tem maluco comentando nas redes sociais. O que eles dizem em sites e blogs revela mentes totalmente desequilibradas.
ET - Meu, não liga pra isso. Melhor assim do que conviver na real com babacas de pensamento limitado. Imagina um desses retardados na rua, na fila do banco ou no ônibus, berrando "volta ditadura!" ou "odeio negros, índios e gays"...

(Tiradinha inspirada no texto abaixo, de marcos Piangers. Zero Hora de 23/10/2015)

SOLICITAÇÕES DE AMIZADE

Já deve ter acontecido com você. Aquela pessoa legal que você conhece há algum tempo, aquele amigo do tempo de faculdade de quem você gostava, ou um colega de trabalho, pessoas agradáveis no convívio diário ou eventual, são bichos desagradáveis no Facebook. O cidadão é pacato no dia a dia, mas debaixo do avatar da rede social solta os cachorros em todo mundo. Parece outra pessoa.
Alguns amigos meus não suportam essa atitude, bloqueiam o sujeito nervosinho na hora. Eu olho aquele destempero com mais calma. Acredito que são fenômenos da falta de intimidade que as pessoas têm com ambiente virtual. Talvez seja o deslumbre de gritar pra todo mundo ouvir. Talvez seja falta de intimidade com o uso do CAPS LOCK. Mas a verdade é que, no Facebook, todo mundo tem um amigo alucinado.
Melhor assim do que ao contrário. Imagine a figura perfeitamente civilizada na sua timeline, mas completamente desequilibrado na vida real. Seria pior. “Odeio gente pobre!”, gritaria o cidadão no ônibus. “Volta ditadura!”, berraria na padaria. Seria como um Tourette político, sempre gritando coisas constrangedoras no meio da rua.
Melhor que os lunáticos fiquem restritos às redes sociais. E aos comentários dos sites de notícias. Aquilo também parece um encontro manicomial. No ambiente virtual, pelo menos, você pode evitar malucos, deixar de seguir, bloquear, simplesmente não ler. Na vida real, ainda não inventaram uma forma de escapar de lunáticos, a não ser ficando em casa. E, como pra muita gente ficar em casa é sinônimo de ficar na internet, desejo a todos apenas paciência e sabedoria pra diferenciar o que é delírio e o que é vida real.

quarta-feira, 21 de outubro de 2015

Nós que aqui estamos...



ET - Antes de morar aí, qual será tua escolha pra quando crescer: tornar-se homo lattes? Homo automobilis? Homo moneys? Homo stressadus?
TECO - Bah! Vamos fugir deste cenário, senão me tornarei homo melancolicus!

(Tiradas do Teco, o poeta sonhador)

sábado, 17 de outubro de 2015

A garota de Ijuí



- Vai, Teco, brinca de esconde-esconde! Se você se escondeu no meu coração, vou te encontrar. Mas se você se ocultou em você mesmo, não vale a pena te procurar!

(Inspirado num pensamento de Gibran K. Gibran, do livro Areia e espuma).

Toma que o filho é teu


                                                         (escultura de Patricia Piccinini)

Na escrita poético-literária há muito em jogo, além de um simples ato de autoria. O autor sai de cena e permite que o leitor se aproprie, à sua maneira, da narrativa. Creio que foi isto que quis dizer Mario Quintana: "A gente pensa uma coisa, escreve uma outra coisa, e o leitor compreende uma terceira coisa totalmente diferente".

domingo, 11 de outubro de 2015

Nudez nas nuvens


ET - Cara, o que você acha dessa moda adolescente de mostrar o corpo nu na internet? Qual será a próxima moda? Se autoflagelar diante da webcam?
TECO - Não esquenta... A galera tem muita imaginação. Acredita que as fotos evaporam como água e viram nuvem...
ET - Entendinãoentendientendinãoentendi...

(TIRADAS do Teco, o poeta sonhador)

sábado, 10 de outubro de 2015

Comunicação


ET - Tchê, você não disse que os humanos se comunicam com facilidade?
TECO - Humm... Acho que alguns ruídos externos estão causando interferência...
ET - Sei... Sei...

sexta-feira, 9 de outubro de 2015

Ufólogo diz que há 'grande chance' de círculos em lavoura serem de ETs


TECO - Caramba! Mata minha curiosidade, cara! Decifra a mensagem deles...
ET - Ah, humanos... Só vocês... Misturam alhos com bugalhos, simples com complexo, mistério com divino... Kkkkk... Vocês andam tão bobinhos!

O rato que tinha medo - Millôr Fernandes

Um Rato tinha medo de Gato. Nisso não era diferente dos outros ratos. Pavor, tremor, ânsia, vida incerta. Mas igual a todos outros de sua espécie, o nosso Rato teve, no entanto, um fato diferente em sua vida – encontrou-se com um Mágico(1). 

Conversa vai, conversa vem, ele explicou ao Mágico a sua sina e o seu pavor. O Mágico, então, transformou-o exatamente naquilo que ele mais temia e achava mais poderoso sobre a terra – um Gato. O Rato dai em diante, passou a perseguir os outros ratos, mas adquiriu imediatamente um medo horrível de cães. E nisso também, não sendo diferente de todos os outros gatos. 

A única diferença foi que tornou a se encontrar com o Mágico. Falou-lhe então do seu novo medo e foi transformado outra vez na coisa que mais temia – um Cão, que pôs-se logo a perseguir os gatos. Mas passou a temer animais maiores: como Leão, Tigre, Onça, Boi, Cavalo, tudo. O Mágico surgiu mais uma vez e resolveu transformá-lo então, num Leão, o mais poderoso dos animais(2). Mas o nosso ratinho, guindado assim a letra O da classe animal, passou, porém, a recear quando ouvia passos de Caçador. Então o Mágico chegou, transformou-o de novo num Rato e disse, alto e bom som: 

Moral: Meu filho, quem tem coração de rato, não adianta ser leão”. 

domingo, 4 de outubro de 2015

O destino (à maneira dos... coreanos) - Millôr Fernandes

Encontraram-se os dois chineses.
— Olá, Shen-Tau, por onde andou?
— Ah, passei seis meses no hospital, Shin-Fon.
— Eh, isso é mau!
— Nada. Isso é bom: casei com uma enfermeira bacaninha.
— Ah, isso é bom!
— Que o que — isso é mau. Ela tem um gênio dos diabos.
— É, isso é mau.
— Não, não, isso é bom: o avô dela deixou uma herança e eu não preciso trabalhar porque ele acha que só eu sei cuidar do gênio dela.
— Oh, oh, isso é que é bom!
— Oh, oh, isso é que é mau! Com o gênio dela, às vezes não me dá um níquel. E como eu não trabalho, não tenho o que comer.
— Xi, isso é mau!
— Engano, isso é bom. Eu estava ficando gordo e mole — vê só, agora, o corpinho com que eu estou.
— É mesmo — isso é bom!
— Que bom! Isso é mau. As pequenas não me deixam e acabei gostando de outra.
— Êpa, isso é mau mesmo.
— Mau nada, isso é bom. Essa outra mora num verdadeiro palácio e me trata como um príncipe.
— Então isso é bom!
— Bom? Isso é mau: o palácio pegou fogo e foi tudo embora.
— Acho que isso é realmente mau!
— Mau nada: isso é bom. O palácio pegou fogo porque minha mulher foi lá brigar com a outra, virou um lampião e as duas morreram num incêndio. Eu fiquei rico e só.
— Isso… é bom… ou é mau, Shen-Tau?
— Isso é muito bom. Shin-Fon.

Moral: Nada fracassa mais do que a vitória, e vice-versa.



FERNANDES, Millôr. Fábulas fabulosas. Rio de Janeiro: Nórdica, 1979. p. 61-2. 

quarta-feira, 30 de setembro de 2015

Notícias de Marte


Quando ouço as notícias de Marte, olho admirado pro céu e agradeço aos deuses pela sorte de ainda estar vivo e poder receber as novidades de lá. Invento desculpas, lavo minhas mãos e fujo da responsabilidade de melhorar a porra do nosso planetinha. Aristóteles se equivocou quando disse que sou animal político, dada minha condição de homem racional. Fico excitado com as notícias de que pode haver água em Marte, enquanto uso a mangueira pra ejacular metros e metros do precioso líquido pra limpar minha calçada. 
Jogo roleta russa. Apresso meus dias por aqui, e acredito encontrar a salvação por lá.

(PENSADAS do Teco, o poeta sonhador)

sábado, 19 de setembro de 2015

Quem vem lá boiando no rio? - Ricardo Azevedo


É um barquinho de papel feito por um menino matando aula?
Uma folha de jornal?
Um baú de recordações?
Uma cédula de identidade?
Uma caixa-preta contendo verdades inexplicáveis?
Uma nota de mil?
Um mero ponto de vista?
Um artefato inútil?
Um manual de instruções?
Uma panaceia?
Anotações filosóficas atiradas ao léu?
Um plano de ação?
Um corpo afogado?
Pílulas anestésicas?
Pedaços picados de uma carta de amor?
Formas abstratas sem qualquer significado?
Mercadoria proibida por lei?
Um diário íntimo?
Um estupefaciente?
Um cheque sem fundo?
O resultado de um exame laboratorial?
Um documento falsificado?
Um brinquedo?
Um plágio?
Uma senha?
Uma sina?
Um cálice de veneno?
Uma prova de autoestima?
Um artigo de fé?
Um holerite?
Um canto de sereia?
Propaganda?
Letras de sangue contaminado por vírus?
A confissão de um crime ou de um sonho?
Uma garrafa trazendo a esperança
última de um náufrago?

Chegou a hora.
É urgente, urgentíssimo.
Torna-se imprescindível descobrir,
de uma vez por todas,
quem vem lá
boiando
nas palavras desse rio.


(Do livro Ninguém sabe o que é um poema).

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Conspirações



TECO - Muitos humanos acreditam em teorias conspiratórias por trás daqueles acontecimentos que eles não conseguem explicar...
ET - Aiaiai... Então é possível deles acreditarem que este reles etzinho é um Deus?!


segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Um apólogo - Machado de Assis


Era uma vez uma agulha, que disse a um novelo de linha:
— Por que está você com esse ar, toda cheia de si, toda enrolada, para fingir que vale alguma cousa neste mundo?
— Deixe-me, senhora.
— Que a deixe? Que a deixe, por quê? Porque lhe digo que está com um ar insuportável? Repito que sim, e falarei sempre que me der na cabeça.
— Que cabeça, senhora?  A senhora não é alfinete, é agulha.  Agulha não tem cabeça. Que lhe importa o meu ar? Cada qual tem o ar que Deus lhe deu. Importe-se com a sua vida e deixe a dos outros.
— Mas você é orgulhosa.
— Decerto que sou.
— Mas por quê?
— É boa!  Porque coso.  Então os vestidos e enfeites de nossa ama, quem é que os cose, senão eu?
— Você?  Esta agora é melhor. Você é que os cose? Você ignora que quem os cose sou eu e muito eu?
— Você fura o pano, nada mais; eu é que coso, prendo um pedaço ao outro, dou feição aos babados...
— Sim, mas que vale isso? Eu é que furo o pano, vou adiante, puxando por você, que vem atrás obedecendo ao que eu faço e mando...
— Também os batedores vão adiante do imperador.
— Você é imperador?
— Não digo isso. Mas a verdade é que você faz um papel subalterno, indo adiante; vai só mostrando o caminho, vai fazendo o trabalho obscuro e ínfimo. Eu é que prendo, ligo, ajunto...
Estavam nisto, quando a costureira chegou à casa da baronesa. Não sei se disse que isto se passava em casa de uma baronesa, que tinha a modista ao pé de si, para não andar atrás dela. Chegou a costureira, pegou do pano, pegou da agulha, pegou da linha, enfiou a linha na agulha, e entrou a coser.  Uma e outra iam andando orgulhosas, pelo pano adiante, que era a melhor das sedas, entre os dedos da costureira, ágeis como os galgos de Diana — para dar a isto uma cor poética. E dizia a agulha:
— Então, senhora linha, ainda teima no que dizia há pouco?  Não repara que esta distinta costureira só se importa comigo; eu é que vou aqui entre os dedos dela, unidinha a eles, furando abaixo e acima...
A linha não respondia; ia andando. Buraco aberto pela agulha era logo enchido por ela, silenciosa e ativa, como quem sabe o que faz, e não está para ouvir palavras loucas. A agulha, vendo que ela não lhe dava resposta, calou-se também, e foi andando. E era tudo silêncio na saleta de costura; não se ouvia mais que o plic-plic-plic-plic da agulha no pano. Caindo o sol, a costureira dobrou a costura, para o dia seguinte. Continuou ainda nessa e no outro, até que no quarto acabou a obra, e ficou esperando o baile.
Veio a noite do baile, e a baronesa vestiu-se. A costureira, que a ajudou a vestir-se, levava a agulha espetada no corpinho, para dar algum ponto necessário. E enquanto compunha o vestido da bela dama, e puxava de um lado ou outro, arregaçava daqui ou dali, alisando, abotoando, acolchetando, a linha para mofar da agulha, perguntou-lhe:
— Ora, agora, diga-me, quem é que vai ao baile, no corpo da baronesa, fazendo parte do vestido e da elegância? Quem é que vai dançar com ministros e diplomatas, enquanto você volta para a caixinha da costureira, antes de ir para o balaio das mucamas?  Vamos, diga lá.
Parece que a agulha não disse nada; mas um alfinete, de cabeça grande e não menor experiência, murmurou à pobre agulha: 
— Anda, aprende, tola. Cansas-te em abrir caminho para ela e ela é que vai gozar da vida, enquanto aí ficas na caixinha de costura. Faze como eu, que não abro caminho para ninguém. Onde me espetam, fico. 
Contei esta história a um professor de melancolia, que me disse, abanando a cabeça:
— Também eu tenho servido de agulha a muita linha ordinária!

(Do livro Meus primeiros contos. Editora Nova Fronteira).

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...