segunda-feira, 31 de janeiro de 2011

O Brasil das placas







Imagine-se dirigindo por uma estrada poeirenta de algum cafundó do Brasil. A certa altura da viagem, você passa por uma placa anunciando a "Lanchonete 2 Irmões". Mais adiante, outra avisa: "Hotel para Chifrudos".
Mensagens como essas o fotógrafo José Eduardo Camargo, editor do Guia 4 Rodas, da Editora Abril, cansou de ver pelas estradas, em três anos de viagens pelo Brasil. Resolveu clicar as mais esdrúxulas e as mais criativas, reunindo tudo em um livro: Brasil das placas, viagem por um país ao pé da letra, lançamento da revista Superinteressante e da Editora Abril.
O livro reúne 300 imagens editadas em 60 fotos publicadas, captadas em 16 estados brasileiros. L. Soares, pseudônimo de André Fentenelle (editor da revista Veja) elaborou textos em formato de cordel e refinou o humor das fotos. Os textos dialogam com as placas de forma agradável e criativa. "Por ser bem brasileiro, o cordel tem a ver com o livro. O texto ajuda a explicar as fotos", diz Fontenelle. O resultado é impagável.
Brasil das placas pode ser comprado pela internet, no site www.brasildasplacas.com.br, que traz novidades, papéis de parede e placas inéditas. Viajantes, encantados com a idéia, colaboram com o sítio, mandando imagens colhidas na estrada e engrossam o acervo de pérolas da comunicação improvisada que divertem pelas estradas do país.


"Convidamos o leitor

A embarcar nessa viagem



no Brasil tem muita placa


cada qual com sua linguagem


não tem certo nem errado


o importante é a mensagem".



Humor


Se em algumas placas o engraçado vem do erro de português, na maioria das vezes o efeito cômico vem de tirarmos a mensagem da placa de seu contexto, ou da ambigüidade da mensagem em si. Para José Eduardo, muitas das placas estão relacionadas à informalidade do país, que faz comerciantes chamarem a atenção para vender seu peixe. "É um fenômeno brasileiro, que encontramos de Norte a Sul".



















O mudo passeio do Doutor Quejando - Mario Quintana


Ora pois,
o Doutor Quejando
vinha andando
andando
quando encontrou o carneirinho Mé
em companhia da vaquinha Bu
- Olé!
Como vais tu? - disseram-lhe os dois.
O Doutor Quejando continuou andando.
Mudo.
E o Doutor Quejando e o urubu trocaram um horrendo
                                                              olhar de simpatia.
E o pior de tudo
é que se acabou a história.
Se acabou a história...
E a vida continua.

Do livro A cor do invisível. Ed. Globo.

sexta-feira, 28 de janeiro de 2011

Quem ama perde a vergonha


Todos os torpedos de amor são
ridículos.
Não seriam torpedos de amor se não fossem
ridículos.

Hoje eu envio torpedos de amor
ridículos.

Os torpedos de amor
já que existe o amor são
ridículos.

Quem nunca mandou um torpedo de amor é
ridículo.

Eu perdi a vergonha por causa do amor
e por isso mando torpedos de amor
ridículos.



TODAS AS CARTAS DE AMOR SÃO

Todas as cartas de amor são
ridículas.
Não seriam cartas de amor se não fossem
ridículas.

Também escrevi em meu tempo cartas de amor,
como as outras,
ridículas.

As cartas de amor, se há amor,
têm de ser
ridículas.

Mas, afinal,
só as criaturas que nunca escreveram
cartas de amor
é que são
ridículas.

Quem me dera no tempo em que escrevia
sem dar por isso
cartas de amor
ridículas.

A verdade é que hoje
as minhas memórias
dessas cartas de amor
é que são
ridículas.


Do livro Fernando Pessoa - poesias de Álvaro de Campos. FTD.

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

Tudo nela é canção




Tudo nela é canção.
O olhar de luar
o sorriso com dentes e boca
a se abrir em cachoeira
o cabelo molhado depois do banho
o vento que acaricia seu rosto
o compasso dos quadris
pra lá e pra cá
ao caminhar...

Quando a vejo
uma força misteriosa
acelera o ritmo
do meu pulsar...

Ela gravou em mim
canções antigas
canções da moda
canções perdidas
na memória

seus acordes e letras
me inspiram e renovam...

Mas é tanto som
novidade movimento
que agora eu busco
- desesperado -
o silêncio.

terça-feira, 25 de janeiro de 2011

Do mundo virtual ao espiritual - Frei Betto

Procurava no google a hostória do Hans Christian Andersen, A roupa nova do rei, e acabei acessando um blog com este título.  Suas autoras escrevem assim, na página de rosto do blog:
A roupa nova do Rei é invisível às pessoas destituídas de inteligência ou àquelas que não estão aptas para os cargos que ocupam. No conto, todos veem o Rei pelado mas fingem ver a roupa nova. Até que um menino diz em alto e bom som: "O Rei está nu!" Somos FOODBLOGGERS, mas também gritamos contra a falta de senso crítico, a preguiça de pensar e o medo de parecer ignorante.
Então, ao dar uma passeada pelo blog, deparei-me com um texto do Frei Betto, que as autoras postaram no dia 5 de abril de 2010.
Me identifiquei com sua opinião do mesmo instante, por isso trascrevo-o abaixo, na sua integra. "A roupa nova do rei" fica para a próxima postagem.


DO MUNDO VIRTUAL AO ESPIRITUAL

Ao viajar pelo Oriente, mantive contatos com monges do Tibete, da Mongólia, do Japão e da China. Eram homens serenos, comedidos, recolhidos e em paz nos seus mantos cor de açafrão.


Outro dia, eu observava o movimento do aeroporto de São Paulo: a sala de espera cheia de executivos com telefones celulares, preocupados, ansiosos, geralmente comendo mais do que deviam. Com certeza, já haviam tomada café da manhã em casa, mas como a companhia aérea oferecia um outro café, todos comiam vorazmente. Aquilo me fez refletir: 'Qual dos dois modelos produz felicidade?'


Encontrei Daniela, 10 anos, no elevador, às nove da manhã, e perguntei: 'Não foi à aula?' Ela respondeu: 'Não, tenho aula à tarde'. 'Não', retrucou ela, 'tenho tanta coisa de manhã...' 'Que tanta coisa?', perguntei. 'Aulas de Inglês, de balé, de pintura, piscina', e começou a elencar seu programa de garota robotizada. Fiquei pensando: 'Que pena, a Daniela não disse: 'Tenho aula de meditação!'


Estamos construindo super-homens e super-mulheres, totalmente equipados, mas emocionalmente infantilizados.


Uma progressista cidade do interior de São Paulo tinha, em 1960, seis livrarias e uma academia de ginástica; hoje, tem sessenta academias de ginástica e três livrarias! Não tenho nada contra malhar o corpo, mas me preocupo com a desproporção em relação à malhação do espírito. Acho ótimo, vamos morrer esbeltos: 'Como estava o defunto?'. 'Olha, uma maravilha, não tinha celulite!' Mas como fica a questão da subjetividade? Da espiritualidade? Da ociosidade amorosa?


Hoje, a palavra é virtualidade. Tudo é virtual. Trancado em seu quarto, em Brasília, um homem pode ter uma amiga íntima em Tóquio, sem nenhuma preocupação de conhecer o seu vizinho de prédio ou de quadra! Tudo é virtual. Somos místicos virtuais, religiosos virtuais, cidadãos virtuais. E somos também eticamente virtuais...


A palavra hoje é 'entretenimento'; domingo, então, é o dia nacional da imbecilização coletiva. Imbecil o apresentador, imbecil quem vai lá e se apresenta no palco, imbecil quem perde a tarde diante da tela. Como a publicidade não consegue vender felicidade, passa ilusão de que felicidade é o resultado da soma de prazeres: 'Se tomar este refrigerante, vestir este tênis, usar esta camisa, comprar este carro, você chega lá!' O problema é que, em geral, não se chega! Quem cede desenvolve de tal maneira o desejo, que acaba precisando de um analista. Ou de remédios. Quem resiste, aumenta a neurose.


O grande desafio é começar a ver o quanto é bom ser livre de todo esse condicionamento globalizante, neoliberal, consumista. Assim, pode-se viver melhor. Aliás, para uma boa saúde mental três requisitos são indispensáveis: amizades, auto-estima, ausência de estresse.


Há uma lógica religiosa no consumismo pós-moderno. Na Idade Média, as cidades adquiriam status construindo uma catedral; hoje, no Brasil constrói-se um shopping center. É curioso: a maioria dos shopping centers tem linhas arquitetônicas de catedrais estilizadas; neles não se pode ir de qualquer maneira, é preciso vestir roupa de missa de domingo. E ali dentro sente-se uma sensação paradisíaca: Não há mendigos, crianças de rua, sujeira pelas calçadas...


Entra-se naqueles claustros ao som do gregoriano pós-moderno, aquela musiquinha de esperar dentista. Observam-se os vários nichos, todas aquelas capelas com os veneráveis objetos de consumo, acolitados por belas sacerdotisas. Quem pode comprar à vista, sente-se no reino dos céus. Se deve passar cheque pré-datado, pagar a crédito, entrar no cheque especial, sente-se no purgatório. Mas se não pode comprar, certamente vai se sentir no inferno... Felizmente, terminam todos na eucaristia pós-moderna, irmanados ma mesma mesa, com o mesmo suco e o mesmo hambúrger do Mc Donald's...


Costumo advertir balconistas que me cercam à porta das lojas: 'Estou apenas fazendo um passeio socrático.' Diante de seus olhares espantados, explico: 'Sócrates, filósofo grego, também gostava de descansar a cabeça, percorrendo o centro comercial de Atenas. Quando vendedores como vocês o assediavam, ele respondia:


"Estou apenas observando quanta coisa existe de que eu não preciso para ser feliz!"


Frei Betto é Frade Dominicano, Teólogo, Antropólogo, Filósofo, Jornalista e Escritor.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...