segunda-feira, 9 de agosto de 2010

TATU - L. F. Verissimo

Li que a Cleo Pires mandou fazer a tatuagem de um verso do Fernando Pessoa num, se entendi bem, quadril, para ser fotografada para a "Playboy". A tatuagem é provisória, mas Cleo Pires pode muito bem estar inaugurando um novo espaço para a literatura. Você não abriria mais a Playboy só para ver mulher nua, teria material de leitura na própria mulher nua. Um hai-kai em cada seio, Drummond e Bandeira nas nádegas, um resumo da Odisseia começando no pescoço, circundando o umbigo como se fosse a ilha de Calipso e desaparecendo no púbis, ou no retorno simbólico de Ulisses ao lar e ao aconchego de Penélope. Você poderia elogiar a artista pelada do mês mas discutir a sua escolha de textos (“Kafka nas coxas?!”). E ter uma desculpa pronta ao ser flagrado espiando uma nua da Playboy escondido.



– Nem notei a mulher. Eu estava lendo o autor novo no seu pé.


A tatuagem é a mais nova forma de arte do mundo – embora não tenha nada de novo. O próprio nome, “tatu”, vem da prática de perfuração da pele que o Capitão Cook já encontrou no Tahiti e em outras ilhas dos mares do Sul no século dezoito. Na China antiga o ideograma para tatuagem era “wen”, que queria dizer tanto escrita quanto sabedoria, e as palavras que cobriam um corpo humano eram uma espécie de prece permanente, ou uma maneira de manter contato com os poderes divinos depois de um processo de iniciação. Os tatuados pertenciam a uma irmandade exclusiva, o que não é o caso hoje, quando todos estão se tatuando, por nenhuma razão superior e nem sempre com muita sabedoria.


Os casos mais evidentes de imprevidência tatuada são os nomes de amantes gravados sob corações entrelaçados, quando não havia dúvida que o amor seria eterno, e que precisam ser apagados quando o amor acaba. E imagino que atrizes e atores que cobrem seus corpos com tatuagens estejam conscientemente limitando a sua escolha de papéis. Adão e Eva, por exemplo, nem pensar, a não ser numa versão muito livre do Gênesis.


Mas não deixa de ser fascinante esta nova forma de arte, feita não em papel ou tela – ou nas paredes, como o grafite, a outra forma de arte a que ela mais se assemelha –, mas na pele do corpo. Mistura de decoração, assertiva pessoal, autossacrifício e kitsch assumido. Arte feita com cicatrizes. Ou arte evanescente, como no caso da poesia no belo costado da Cleo Pires.

Zero Hora, segunda-feira, 9 de agosto de 2010

sexta-feira, 6 de agosto de 2010

ESCOLA DE BEM-TE-VIS - Cecília Meireles


Muitos textos que encontro circulando por aí, seja em jornais impressos ou on line, denunciam a falta de imaginação de seus articulistas. Ou mais do que isso: a falta de uma base sólida de leitura de bons livros.
Há jornais que dão  a impressão de que foram escritos, do início ao fim, pela mesma pessoa. Muito "sem sal" ou "chupados" do google.
Será que nossos jornalistas e articulistas, em sua maioria, lêem pouco? Sua formação é cada vez mais precária e, com isso, a tradição cultural está sendo deixada de lado?
Nossas escolas e nossos professores estão captando alguma coisa nessa direção, valorizando os livros e dando-os "de presente" às novas gerações?
O texto da Cecília Meireles, Escola de bem-te-vis, tem uma dimensão poética que o impulsina a alturas muito mais elevadas do eu comento aqui. Por isso, vamos ao mesmo.



Muita gente já não acredita que existam pássaros, a não ser em gravuras ou empalhados nos museus – o que é perfeitamente natural, dado o novo aspecto da terra, que, em lugar de árvores, produz com mais abundância blocos de cimento armado. Mas ainda há pássaros, sim. Existem tantos, em redor da minha casa, que até agora não tive (nem creio que venha a ter) tempo de saber seus nomes, conhecer suas cores, entender sua linguagem. Porque evidentemente os pássaros falam. Há muitos, muitos anos, no meu primeiro livro de inglês se lia: "Dizem que o sultão Mamude entendia a linguagem dos pássaros..."


Quando ouço um gorjeio nestas mangueiras e ciprestes, logo penso no sultão e nessa linguagem que ele entendia. Fico atenta, mas não consigo traduzir nada. No entanto, bem sei que os pássaros estão conversando.


O papagaio e a arara, esses aprendem o que se lhes ensinam, e falam como doutores. E há o bem-te-vi, que fala português de nascença, mas infelizmente só diz o seu próprio nome, decerto sem saber que assim se chama.


Anos e anos a fio, os bem-te-vis do meu bairro nascem, crescem, brigam, falam... – depois deixam de ser ouvidos: não sei se caem nas panelas dos sibaritas, se arranjam emprego, se viajam, se tiram férias, se fazem turismo. Não sei.


Mas, enquanto andam por aqui, são pacientemente instruídos por seus pais ou professores, e parece que, tão cedo começam a voar, já vão para as aulas, ao contrário de muitas crianças que antes de irem para as aulas já estão voando.


Os pais e professores desses passarinhos devem ensinar-lhes muitas coisas: a discernir um homem de uma sombra, as sementes e frutas, os pássaros amigos e inimigos, os gatos – ah! principalmente os gatos… Mas essa instrução parece que é toda prática e silenciosa, quase sigilosa: uma espécie de iniciação. Quanto a ensino oral, parece que é mesmo só: "Bem-te-vi! Bem-te-vi", que uns dizem com voz rouca, outros com voz suave, e os garotinhos ainda meio hesitantes, sem fôlego para três sílabas.


Antigamente era assim. Agora, porém, as coisas têm mudado. Certa vez, quando pai ou professor ensinava com a mais pura dicção: "Bem-te-vi!" – o aluno, preguiçoso, relapso ou turbulento, respondeu apenas: "Te-vi!". Grande escândalo. Uma pausa, na verde escola aérea. "Bem-te-vi! Bem-te-vi!", tornou o instrutor, com uma animação que se ia tornando furiosa. Mas os maus exemplos são logo seguidos. E a classe toda achou graça naquela falta de respeito, naquela moda nova, naquela invenção maluca e foi um coro de "Te-vi! Te-vi! Te-vi!", que deixou o próprio eco muito desconfiado.


Essa revolução durou algum tempo. A passarinhada vadia pulava de leste para oeste a zombar dos mais velhos. "Bem-te-vi!", diziam estes, severos e puristas, tentando chamá-los à razão. "Te-vi! Te-vi!", gritavam os outros, galhofeiros, revoltosos, endoidecidos.


Passou-se o tempo necessário ao aparecimento de uma nova geração. E então foi sensacional! Os passarinhos mais recentes ouviam aquele fraseado clássico dos avós: "Bem-te-vi! Bem-te-vi!" – e deviam achar aquilo uma língua morta: o latim e o sânscrito lá deles. Depois, ouviam a abreviatura dos pais: "Te-vi! Te-vi!". Mas acharam muito comprido ainda. (Que trambolho, a família!) E passaram a responder, por muito favor, "Vi! Vi!" Muito mais econômico. Afinal, pelos ares não voam mais anjos e sim aviões a jacto...


"Bem-te-vi!", exclamam os anciãos, com sua dignidade ofendida. "Te-vi!", respondem os filhos revoltosos. E os netos, meio chochos: "Vi!Vi!"


Quanto aos bisnetos, vamos ver o que acontecerá. Talvez os professores mudem de método. Talvez mude o ministro. Talvez os tempos sejam outros, e a passarinhada volte a ser normal, ou deixe de falar, só de pirraça, ou invente – quem sabe? – uma expressão genial. E também pode ser que não haja mais bem-te-vis.

 "O que se diz e o que se entende", crônicas. Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1980. p. 95-7, in "Antologia de Textos do Modernismo", Raimundo Barbadinho Neto, Rio de Janeiro, 1982 : 09/10/1998

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

A DISFUNÇÃO ERÉTIL - Paulo Sant' Ana



Boa parte de grandes cronistas barasileiros, de que gosto, estão mortos. É o caso de Rubem Braga, Fernando Sabino e Carlos Drummond de Andrade.
A crônica se alimenta de temas cotidianos. Mas vai além da linguagem jornalística, ao acrescentar pitadas de humor, ironia, comédia ou tragédia.
Paulo Sant ' Ana escreve diariamente no jornal Zero Hora de Porto Alegre. Seus textos são bons, algumas vezes nem tanto.
me diverti e refleti com a crônica a seguir.


A medicina tem a obsessão de mudar os nomes: trocou oculista por oftalmologista, assim como a rótula, este popular osso do joelho, passou agora a se chamar patela.



Os médicos, ou melhor, a medicina, na sua incansável ânsia reformista-vocabular já mudou o nome do perônio para fíbula e da omoplata para escápula.


O cúmulo desse delírio transformista se dá com as falsas cordas vocais. Como se sabe, existe em anatomia as cordas vocais e as “falsas cordas vocais”.


Pois saibam, senhoras e senhores, que agora a medicina trocou o nome das falsas cordas vocais para pregas vestibulares, credo em cruz, até parece que querem transferir as atribuições dos otorrinos para os proctologistas.


Outra frescura da medicina pós-moderna foi mudar a broxura para disfunção erétil.


Um amigo meu foi estes dias consultar um médico para disfunção erétil.


O médico colocou-o numa sala fechada e envolveu o pênis do meu amigo num aparelho que mais parecia um trambolho de marceneiro, de onde emergiam fios que se comunicavam com o computador do médico.


O facultativo tentava medir por aquela geringonça o tamanho da disfunção erétil de meu amigo.


Depois de 45 minutos daquele exame constrangedor, o médico deu ao meu amigo o seu diagnóstico: o máximo que meu amigo vinha tendo e podia vir a ter era uma semiereção.


Meu amigo concordou com o diagnóstico e disse ao médico que com aquela incompletude ele não vinha cumprindo nem seus deveres maritais nem seus desvios adulterinos, pelo que necessitava urgentemente de uma reforma na sua área de potência.


O médico concluiu com meu amigo: ele teria de submeter-se a um tratamento que custaria R$ 1.200 mensais e duraria 24 meses.

Meu amigo despediu-se do médico com as seguintes palavras: “Não vai dar. Em primeiro lugar, muito caro. Em segundo lugar, tenho 70 anos e é quase certo, pela marcha que vai minha saúde, que não chegarei a viver mais dois anos, os dois anos da redenção que o senhor me promete. Eu precisava de uma solução urgente, falta pouco para terminar minha vida e o senhor me oferece um prazo fatídico. Cá para nós, meu doutor, não existe na cidade um pronto-socorro para disfunção erétil?”.


O médico: “Não existe. Fora o Viagra, que o senhor me disse não ter funcionado no seu caso, só talvez a prótese peniana, que no entanto apresenta resultados altamente duvidosos.”


O meu amigo saiu do consultório, depois de pagar a consulta, e entrou desesperado na primeira porta de psiquiatra que encontrou no mesmo prédio. Como não pôde consertar o defeito primacial do seu corpo, foi tratar de pelo menos desentortar a cabeça.


 
Zero Hora, Quinta-feira, 05 de agosto de 2010

terça-feira, 3 de agosto de 2010

PELADA DE SUBÚRBIO - Armando Nogueira




Nova Iguaçu, quatro horas da tarde, sábado de sol. Dois times suam a alma numa pelada barulhenta; o campo em que correm os dois times abre-se como um clarão de barro vermelho cercado por uma ponte velha, um matagal e uma chácara silenciosa, de muros altos.

A bola, das brancas, é nova e rola como um presente a encher o grande vazio de vidas tão humildes que, formalmente divididas, na verdade, juntam-se para conquistar a liberdade na abstração de uma vitória.



Um chute errado manda a bola, pelos ares, lá nos limites da chácara, de onde é devolvida, sem demora, por um arremesso misterioso. Alguns minutos mais tarde, outra vez a bola foi cair nos terrenos da chácara, de onde voltou lançada com as duas mãos por um velhinho com jeito de caseiro.



Na terceira, a bola ficou por lá; ou melhor, veio mas, cinco minutos depois, embaixo do braço de um homem gordo, cabeludo, vestido numa calça de pijama e nu da cintura para cima. Era o dono da chácara.

 
A rapaziada, meio assustada, ficou na defensiva, olhando: ele entrou, foi andando para o centro do campo, pôs a bola no chão e, quando os dois times ameaçavam agradecer, com palmas e risos, o gesto do vizinho generoso, o homem tirou da cintura um revólver e disparou seis tiros na bola.



No campo, invadido pela sombra da morte, só ficou a bola, murcha.




do livro O melhor da crônica brasileira. Rio de Janeiro, José Olympio, 1980.





sexta-feira, 30 de julho de 2010

COMO ARMAR UM PRESÉPIO - José Paulo Paes

Pegar uma paisagem qualquer
cortar todas as árvores e transformá-las em papel de imprensa
enviar para o matadouro mais próximo todos os animais
retirar da terra o petróleo ferro urânio que possa

eventualmente conter e fabricar carros tanques aviões

mísseis nucleares cujos morticínios hão de ser noticiados

com destaque
despejar os detritos industriais nos rios e lagos
exterminar com herbicida ou napalm os últimos traços de vegetação
evacuar a população sobrevivente para as fábricas e

cortiços da cidade


depois de reduzir a paisagem à medida do homem
erguer um estábulo com restos de madeira cobri-lo de

chapas enferrujadas e esperar


esperar que algum boi doente algum burro fugido algum

carneiro sem dono venha nele esconder-se
esperar que venha ajoelhar-se diante dele algum velho

pastor que ainda acredite no milagre
esperar esperar
quem sabe um dia não nasce ali uma criança e a vida recomeça?

quinta-feira, 29 de julho de 2010

PAUSA - Mário Quintana


Armando Romanelli, Dom Quixote. 1994

No texto abaixo, Mário Quintana nos leva a refletir sobre a poesia. Ler e escrever poesia não é uma perda de tempo? Qual a sua utilidade?
Conhecendo a grandeza da obra do poeta, toda a sua vida dedicada à poesia, sabemos que ela (e todas as artes) não é inútil.
Claro que a poesia hoje, mergulhada numa cultura unidimensional e utilitarista, acaba sendo amada por poucos.
Mas não vamos esquecer, desde a mitologia antiga, que o homem é complexo, e não unilateral (enquanto esfera racional - o Homo Sapiens).
Nós somos, ao mesmo tempo, sábios e loucos (sapiens e demens); faber e ludens (trabalhador e lúdico); economicus e consumans (econômico e consumista); prosaicus e poeticus (prosaico e poético).
Nietzche, no século XIX, retomou dois mitos gregos, o deus Apolo e o deus Dioniso, para enfatizar essa totalidade da dimensão humana. Apolo é o deus da razão. Dioniso é o "outro" (ou contraponto) da razão, e representa a alegria, a espontaneidade, enfim, a poesia. Um complementa o outro.
Nos últimos séculos, com o grande salto da ciência e da técnica, o homem ganhou em racionalidade, mas parece que perdeu em afetividade.
Por isso que lutamos para aumentar o espaço da leitura e da escrita, seja nas escolas, seja nos lares, sejam crianças, jovens e velhos.
Acreditamos que com a poesia, a literatura e a arte como um todo, ganharemos em amizade, solidariedade, imaginação e fantasia.
Assim, avançaremos na direção da harmonia e da paz, e não em direção da guerra.


PAUSA - MÁRIO QUINTANA


Quando pouso os óculos sobre a mesa para uma pausa na leitura de coisas feitas, ou na feitura de minhas próprias coisas, surprendo-me a indagar com que se parecem os óculos sobre a mesa.
Com algum inseto de grandes olhos e negras e longas pernas ou antenas?
Com algum ciclista tombado?
Não, nada disso me contenta ainda. Com que se parecem mesmo?
E sinto que, enquanto eu não puder captar a sua implícita imagem-poema, a inquietação perdurará.
E, enquanto o meu Sancho Pança, cheio de si e de senso comum, declara ao meu Dom Quixote que uns óculos sobre a mesa, além de parecerem apenas uns óculos sobre a mesa, são, de fato, um par de óculos sobre a mesa, fico a pensar qual dos dois - Dom Quixote ou Sancho - vive uma vida mais intensa e portanto mais verdadeira...
E paira no ar o eterno mistério dessa necessidade da recriação das coisas em imagens, para terem mais vida, e da vida em poesia, para ser mais vivida.
Esse enigma, eu o passo a ti, pobre leitor.
E agora?
Por enquanto, ante a atual insolubilidade da coisa, só me resta citar o terrível dilema de Stechetti:
"Io sonno un poeta o sonno un imbecile?"
Alternativa, aliás, extensiva ao leitor de poesia...
A verdade é que a minha atroz função não é resolver e sim propor enigmas, fazer o leitor pensar, e não pensar por ele.
E daí?
- Mas o melhor - pondera-me, com a sua voz pausada, o meu Sancho Pança -, o melhor é repor depressa os óculos no nariz.

Do livro A vaca e o hipogrifo.

quarta-feira, 28 de julho de 2010

NÃO PROCUREIS QUALQUER NEXO NAQUILO - Jorge de Lima

Não procureis qualquer nexo naquilo
que os poetas pronunciam acordados
pois eles vivem no âmbito intranquilo
em que se agitam seres ignorados.


No meio de desertos habitados
só eles é que entendem o sigilo
dos que no mundo vivem sem asilo
parecendo com eles renegados.

Eles possuem, porém, milhões de antenas
distribuídas por todos os seus poros
aonde aportam do mundo suas penas.

São os que gritam quando tudo cala,
são os que vibram de si estranhos coros
para a fala de Deus que é sua fala.

terça-feira, 27 de julho de 2010

UFA!

Amigos leitores. Quantos dias sem fazer postagens!
Vocês já tinham visto alguém sequestrar um blog?
Pois é. O pobre do Teco ficou refém de um psicopata! Deus do céu.
Ingênuo, sempre achei que isso só acontecia nos filmes.

Não é que a criatura se apossou da senha, criu outra e, além de não permitir que eu fizesse postagens, decidiu alterar a imagem que aparece junto ao autor?

Pois é. Mostrei ao meu filho, e aproveitei para lhe explicar o que é e como age um psicopata.

É. Como não podia postar textos aqui, e conhecendo bem a criatura e suas "brechas", acabei me atualizando sobre essa doença mental - a psicopatia.

Mas o pior de tudo - além da personalidade com tal perfil - é o conflito sexual. Não foi por acaso que a imagem que a criatura postou aqui tinha o apelo à questão sexual. 

Então, vocês estão avisados. Se aparecerem imagens estranhas, é porque o psicopata da net está em ação.

Vamos todos rezar para que a normalidade reapareça.
E que eu possa me inspirar já amanhã, para postar aqui. Abraço a todos.

segunda-feira, 5 de julho de 2010

TRINTA ANOS SEM VINICIUS - Moacyr Scliar



Esta sexta-feira, 9 de julho, assinala um melancólico aniversário: há 30 anos morria Vinicius de Moraes, uma das figuras mais marcantes da cultura brasileira, um talentoso poeta (ou poetinha, como, modestamente, se denominava) e compositor. Carioca, Vinicius teve uma vida movimentada e sob muitos aspectos pitoresca. Era, para começar, um boêmio inveterado, apreciador do uísque, e grande conquistador: casou-se nada menos que nove vezes e teve inúmeros casos. Viveu numa época de grande agitação política, mas sua atuação nessa área foi, às vezes, desconcertante: começou como integralista, a versão cabocla do fascismo europeu, que enganou a ele e a muitos outros: Dom Hélder Câmara, Santiago Dantas, Adonias Filho, José Lins do Rego. Depois tornou-se um esquerdista, mas moderado. De profissão, era diplomata, mas, de novo, não muito atuante; o porteiro de uma das embaixadas onde atuou resumia assim o seu expediente: De manhã não trabalha, de tarde não vem. Em vez de servir no Uruguai, para onde estava designado, ficou no Rio, apresentando-se em botecos, o que deu ensejo à ditadura para cassá-lo. Como poeta, Vinicius certamente não teria meios de ganhar a vida; mas cedo descobriu que poderia colocar seu talento na música, tornando-se parceiro de grande compositores: Toquinho, Baden Powell, João Gilberto, Chico Buarque e Carlos Lyra e, sobretudo, Tom Jobim, com quem compôs Se Todos Fossem Iguais A Você, A Felicidade, Chega de Saudade, Eu Sei Que Vou Te Amar, Insensatez, e, claro, Garota de Ipanema.
Ninguém duvida de que esta canção é um símbolo do Brasil. A Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos lista-a entre as 50 principais obras musicais de todos os tempos, e é conhecida em todo o mundo, inclusive pela famosa gravação com Frank Sinatra. Para isso concorreram vários fatores. Em primeiro lugar, o ano em que foi composta, 1962, marcou o auge da bossa nova, importante movimento musical. Depois, era Rio de Janeiro, cidade que deixara de ser capital, mas que continuava sendo o centro artístico e cultural do país. Aliás, Garota de Ipanema tem muitas afinidades com o vibrante Cidade Maravilhosa, da qual é o lado lírico, brejeiro. Porém, mais que Rio, era Ipanema, o bairro mais sofisticado do país, o equivalente brasileiro do Village em Nova York, da Rive Gauche em Paris, de Bloomsbury em Londres. E mais que Ipanema era a garota, a beleza brasileira celebrada de maneira eloquente. Foi inspirada em Helô Pinheiro, uma bela moça que, a caminho da praia, costumava passar pelo Bar Veloso (hoje Bar Garota de Ipanema), onde Vinicius e Tom Jobim faziam ponto.


A letra inicial, logo abandonada, era um tanto depressiva e não muito brilhante: Vinha cansado de tudo/ De tantos caminhos/ Tão sem poesia/ Tão sem passarinhos/ Com medo da vida/ Com medo de amar... E aí, a grande ideia: em vez de queixumes, de lamentos, a vibrante celebração: Olha que coisa mais linda mais cheia de graça/ É ela a menina que vem e que passa/ Num doce balanço a caminho do mar/ Moça de corpo dourado do sol de Ipanema/ O seu balançado é mais que um poema/ É a coisa mais linda que eu já vi passar...


Helô Pinheiro deixou de ser garota, e procurou outros caminhos, que não o do mar. Casou (mais de uma vez), tornou-se apresentadora de tevê, empresária e dona de uma cadeia de lojas chamada, claro, Garota de Ipanema - a expressão também figura em destaque em seu blog. Ah, sim, e continua uma bela mulher.


Sua história enseja uma curiosa questão: serão platônicas as grandes paixões? Será que nascem, não na cama, mas na mesa de um bar, brotando do coração de alguém a olhar uma menina que vem e que passa, num doce balanço, a caminho do mar? Uma indagação que o grande Vinicius deixou sem resposta.




Zero Hora, 4 de julho de 2010

sábado, 3 de julho de 2010

O DINOSSAURO QUEBRA-MOLAS


Numa quinta-feira, primeiro de julho de 1993, no Jornal da Manhã de Ijuí/ RS, eu escrevi a história abaixo. É que foi instalado um quebra-molas em frente à casa que eu morava. Ele resistiu durante alguns anos... O tal "dinossauro"  foi desativado e despromovido, até esses dias... Eis que ele agora está de volta. Parece que tudo continua igual: os tempos não se modernizaram... Vamos à crônica escrita em 01/07/1993.

Ali está o dinossauro, adormecido, com suas costas ossudas, acalmando a agressividade do trânsito. Instalado numa rua bastante movimentada, cumpre a digna função de disciplinar motoristas apressados. Não fosse a sua presença, oxalá quantos atropelamentos não poderiam ocorrer.

De costas aos acontecimentos, aparenta dormir. É óbvio que espera o momento certo para dar o bote e derrubar um motoqueiro distraído. Ele é um vulcão em férias. Pelo menos é o que diz meu amigo Chiquinho. Pergunta ele de onde veio esta novidade moderna.

Foram os funcionários da prefeitura que o trouxeram. Uma equipe completa, especializada neste tipo de bicho. Veio o homem com a pá, o motorista do caminhão com o asfalto... Veio um jovem maquinista, com o "vibrador". Parecia ser o líder da equipe, pois quando chegou sua vez de "domar" o milenar bicho, todos do grupo se concentraram em sua volta, respeitosos. Era um time completo, com suplentes, técnicos e tudo mais. Com estabilidade no emprego, e conscientes de sua missão útil à comunidade.

Neste dia cinzento e frio, o trânsito passou devagar. Todos olharam o "acalmossauro" vir ao mundo. As pegadas gravadas no asfalto indicam que a paisagem hurbana não será mais a mesma. Os motoristas serão obrigados a fazer manobras bruscas. Aceleradas, freadas e palavrões ocorrem juntos num mesmo dia. Tudo por causa do colosso.

Em minha insônia, às cinco da manhã, imagino o motorista do caminhão que se aproxima do dinossauro, freando com cuidado, olhando respeitoso, fazendo uma "primeira" e seguindo em frente. Pobre ser humano, sei que nada o obriga a saber que a poucos metros mora um "bucéfalo", que às vezes acorda com tanto barulho.

Nesta época de intenso merchandsing, meu vizinho ilustre nem de longe pode competir com o filme do Spielberg e o que vem com ele. Enquanto amanhã as lojas estarão repletas de dinossauros de brinquedo, continuo com meu amigo frio e cruel, acordando-me todas as manhãs, na hora do "pique".

Apesar de sua função pedagógica, não consigo entender por que este "tranquilossauro" educa onde mora tanta gente, e não em lugar mais sossegado.

quinta-feira, 1 de julho de 2010

VUVUZELEIROS


Hoje, olho com desconfiança o nascer e o pôr do sol. É que não sei até que ponto são reais aqueles tons avermelhados.
Talvez sejam devaneios meus prestar atenção no emigrar de raios que o sol grava nas nuvens, com seus tons e cores itinerantes.

Será que acontece o mesmo com a romaria de palavras que usamos, ou que ofertam a nossos ouvidos, ou que plantamos nos ouvidos dos outros?

São tantas pretensas verdades, formatadas e/ou deformadas, que eu chego a perdoar as vuvuzelas agitadas nos estádios da África.

Em todas as esquinas, vuvuzeladores, da política ao 1,99, fazem de tudo para serem notados.

As vuvuzelas opiniões, sem se importar com nossos ouvidos, buzinam a toda hora e, pelas caracteristicas dos vuvuzeladores, vão buzinar cada vez mais.

É tanto buzinaço sem critério, motivado pelo binômio torcer/secar, que se torna impensável imaginar o prazer, beleza e fruição.

Vamos ter um pouco de cautela com nossa "vuvuzela-discurso", e muito mais com nossa torcida vuvuzelante, e seu barulho irracional, das arquibancadas da vida, senão corremos o risco de sairmos com bola e tudo pela linha de fundo.

Acho que muitos têm pressa para marcar os gols e vencer o jogo. Mas são tantos os interesses em jogo, que fica difícil demarcar vencedores e vencidos.

Diante disso, em que nossa empreitada vuvuzelante pode ajudar?

Talvez tudo não passe de romantismo de um Teco poeta ingênuo, comparar os ruídos de pessoas com seus "instrumentos", com a mudança das cores no céu, do amanhecer ao anoitecer.

Eles devem ter significados ocultos, tantos mistérios, para muito além do que minha vã percepção pode captar.

O PATIFE tá enrolando de novo

Quando fui acertar a conta no bar, pendurada nos últimos dias, o bolicheiro não encontrou, no caderno, o meu nome. Ao repassar a longa l...